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Mulheres em outros tons

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Yuno Silva – repórter

A literatura erótica escrita por mulheres e para mulheres sacudiu o mercado literário mundial, dominando pontos privilegiados nas prateleiras e o topo das listas dos mais vendidos. Desde o lançamento do best-seller “50 Tons de Cinza” em 2011, esse tipo de publicação caiu no gosto de leitoras de todos as idades e faixas etárias, e não é segredo para ninguém que outros títulos vieram na esteira do estrondoso sucesso da trilogia criada pela escritora britânica E. L. James. No meio dessa enxurrada de novos livros, um dos desafios de leitoras (e leitores) é justamente saber separar o joio do trigo, pois nem sempre erotismo e qualidade literária andam juntos, e uma verdadeira pérola nacional que une esses dois atributos é a antologia “50 Versões de Amor e Prazer”, organizada pelo escritor Rinaldo de Fernandes.
Autoras brasileiras ganham destaque em antologia de contos eróticos organizada pelo escritor Rinaldo de Fernandes
O livro (358 páginas/R$ 34,90), lançado em novembro do ano passado dentro da série Muito Prazer da Geração Editorial, reúne 13 autoras brasileiras do mais alto nível – algumas já veteranas e outras extremamente jovens – e vem recheado por contos sem meios tons ou moralismos. De acordo com impressões e comentários de quem já se entregou ao livro, o erotismo presente em “50 Versões de Amor e Prazer” é “ora romântico, refinado, implícito, ora obsceno, pervertido, explícito e até bizarro”. Também reflete de algum modo, e criticamente, a cultura da pornografia e a indústria do sexo e seus incontáveis produtos. Para Reinaldo de Fernandes pode ser denominado “Eros de papel”.

Segundo ele, esse interesse repentino em torno do estilo, despertado a partir da publicação de “50 Tons de Cinza”, tem a ver com a curiosidade. “Ele (o livro) deixa uma pergunta no ar: afinal, o que essa narradora (E. L. James) tem a nos dizer sobre sexo?”. O tema em si, acredita Fernandes, não determina a eficácia de um texto; também não há diferença entre livros escritos por autores homens ou mulheres: “o importante é a forma como um texto é elaborado. A escrita não tem sexo, ela pede qualidade para quem escreve”.

Escritor, ensaísta e professor de literatura, Rinaldo explicou que a antologia ganhou forma a partir de uma seleção de contos publicados e inéditos. “Contos já clássicos de Márcia Denser e de Cecilia Prada, por exemplo, com contos feitos exclusivamente para o projeto – como os da jovem Luisa Geisler. A premiada Tércia Montenegro, para citar só um caso, me mandou textos inéditos, de projetos que já vinha desenvolvendo de narrativas eróticas. Há contos inéditos, como ‘A sesta’, de Ana Miranda, que vieram para ficar”. Vale registrar que Ana Miranda e Luisa Geisler já passaram pelo Flipipa, respectivamente bem 2011 e 2012.

Bate-papo

Rinaldo de Fernandes, escritor

Você falou sobre a renovação do interesse feminino por contos eróticos. Como tentar explicar as implicações que isso reflete?

Rinaldo de Fernandes: "A literatura erótica, como qualquer outra, é também representação"Acredito que esse interesse se dá por conta da inserção da mulher na sociedade, onde os “discursos” femininos se inserem com mais força na vida social, na política, na mídia e também na literatura. O erotismo, em literatura, sempre foi expressão masculina, com algumas exceções, mas hoje não só elas estão produzindo como são as principais consumidoras. Portanto, o fenômeno da literatura erótica atual tem duas explicações, a meu ver: o interesse da mulher pelo discurso da mulher, pelas experiências que as autoras têm a narrar no âmbito do sexo; e a aposta – com um marketing competente – das editoras nesse novo filão de mercado. Claro que a literatura erótica reflete também os costumes, uma cultura mais permissiva no que diz respeito às coisas do sexo, e certamente essa literatura expressa/ extravasa desejos.

No posfácio do livro, você comenta sobre as escolhas para formatar a antologia. Quais destacaria?

Adotei três critérios básicos para selecionar as autoras: primeiro que seus textos (inéditos ou não) tivessem realmente qualidade literária; que fossem de várias gerações (dos anos 1970, 80, 90 e 2000); e de vários estados. Os contos do livro tendem a uma linguagem sem meios tons, sem moralismos, estão afinados com a cultura erótica atual e com outras linguagens (cinema, teatro). Também são críticos, na medida do possível, à cultura pornográfica e seus valores. Trata-se de um livro de contos eróticos e não pornográficos – mas digo isso consciente das dificuldades que hoje temos de delimitar as fronteiras entre uma coisa e outra.

De alguma maneira essa literatura pode interferir nas relações pessoais, familiares, amorosas e sexuais?

Só se houver censura. E se ela partir de um machista ou de um intolerante (o que dá no mesmo!). O erótico, como já disse um grande autor, é a poética do corpo. O corpo e seus impulsos – tudo é humano. A literatura erótica, como toda e qualquer literatura, é também representação. Representação do que existe, claro. A arte não é imoral – imoral é a vida.

NUANCES DE ALGUNS CONTOS

Entre os 50 contos do livro, destaques para “Hot Dog”, de Állex Leilla, 41; “Enquanto seu lobo não vem”, de Ana Ferreira, 47; o inédito “A sesta”, de Ana Miranda, 61; “Perversão”, de Ana Paula Maia, 35; “O amante de mamãe”, de Andréa del Fuego, 37; “Insólita flor do sexo”, de Cecilia Prada, 83; e Luísa Geisler, 21, que esteve no Festival Literário da Pipa em 2011.

“Hot Dog” – flagra de uma mulher no trânsito que de repente se depara com um ‘ex-amigo’ – e aí lhe ocorrem imagens intensas, de instantes que ela passou com o rapaz; a mulher revive ao volante cenas de sexo bizarro.

“Enquanto seu lobo não vem” – escrito em forma de carta da mulher para o marido pedófilo.

“A sesta” – conto que pretende ativar o apetite do leitor ao associar os campos semânticos do sexo e do paladar.

“Perversão” – história de um homem casado cujo prazer erótico está em seduzir outras mulheres e dispensá-las após um jantar romântico, deixando-as arrasadas.

“O amante de mamãe” – a mãe e o pai, as aparências preservadas, optam pela traição; a filha almeja um amante como o da mãe.

“Insólita flor do sexo” – relata as descobertas de uma menina de 13 anos num colégio de freiras, cujo desejo é despertado por uma das freiras que parece ‘um homem’.

“Penugem” – narrador-personagem astuto, aparenta não ser o que de fato é: um pedófilo, “espectador” de sua própria filha.

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