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Murilo Melo Filho: consegui aquilo que objetivava

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Na varanda da casa beira mar na praia de Cotovelo, surge Murilo Melo Filho. É ali o seu reduto de descanso e é exatamente nesse local a nossa entrevista. O jornalista que foi diretor da Manchete, o natalense que ganhou o mundo com o Jornalismo, traz na sua memória muito da história da política do Brasil, onde ele foi um atento espectador. “Era um congresso inteiramente diferente do congresso de hoje. Pelo contrário, eram homens pobres, homens que se dedicavam muito a política e que não tinham dinheiro. Me recordo bem que deputados eram hóspedes de pequenas pensões no Flamengo, no Botafogo”, comenta, recordando das coberturas feitas no congresso nacional.  Começo a nossa conversa perguntando sobre a ótica dele para a política atual. Murilo Mello Filho começa com uma aula, rica em detalhes, e faz um paralelo entre os políticos de agora e os de outrora. A riqueza de detalhes trazida pelo jornalista a cada resposta impressiona. São fatos curiosos, muitas vezes desconhecido pelos que acompanham a cena política brasileira, mas que dão uma mostra do cenário de cada época. “Recordo bem o Congresso naquele tempo era feito de grandes oradores. Hoje você pode dizer que já não há mais tantos líderes ilustres. Mas acho que o congresso de hoje é mais autêntico”, destaca.

Como jornalista de política, Murillo Melo Filho oferece uma aula. E como “imortal” ele se mostra muito empolgado. Membro da Academia Brasileira de Letras, ele confessa que sonhou em ter um assento na Academia. “Quando cheguei no Rio há 60 anos ia assistir as posses cerimoniosas e um belo dia disse para um colega meu, quem sabe se algum dia não chegaria lá (na Academia de Letras)”, lembra, admitindo que hoje se sente realizado com a conquista. Murilo vai além, mostra-se realizado, mas também grato. Faz uma declaração a própria profissão e atribui tudo que tem foi ao Jornalismo.

O convidado de hoje do 3 por 4 é esse cidadão simples, o jornalista rico em histórias, o natalense que reverencia a sua cidade, o imortal simpático e gentil.

Com vocês, Murilo Melo Filho.

Qual visão do jornalista de política Murilo Melo Filho sobre a política brasileira de hoje?

Hoje em dia olho a política brasileira com um olhar bem diferente daquele meu olhar de 20 anos atrás. Porque acompanhei a política brasileira, sobretudo quando estava começando em Brasília, muito atentamente e muito proximamente. Desde que me mudei para o Rio de Janeiro e entrei para Academia Brasileira de Letras, fiquei meio distanciado da política, mas isso não me impede de ser um analista. E vejo hoje a política brasileira com um olhar muito crítico. Acho que entre a política brasileira que conheci 1945, 1950, 1960 participei de perto dela, existe hoje uma diferença muito grande. Naquele tempo, por exemplo, o Congresso efetivava-se no Palácio do Catete. Era um congresso inteiramente diferente do congresso de hoje. Pelo contrário, eram homens pobres, homens que se dedicavam muito a política e que não tinham dinheiro. Me recordo bem que deputados eram hóspedes de pequenas pensões no Flamengo, no Botafogo. O Palácio Tiradentes era a sede da Câmara dos Deputados e eu várias vezes vi, por exemplo, o deputado Otávio Mangabeira descer de um bonde, que dava a curva exatamente defronte ao Palácio Tiradentes. Otávio Mangabeira descia dos estribos do bonde para participar da reunião da assembleia. Eu achava aquilo formidável. Um belo dia eu fui entrevistar o Otávio Mangabeira em uma dessas pensões do Flamengo, cheguei e entrei no quarto dele e ele estava de cuecas. E eu disse: “doutor Mangabeira o senhor parece que está meio a vontade”. Aí ele respondeu: “Murilo, ontem caiu tinta no meu terno e eu mandei para lavandeira e até agora não me devolveram”. Sabe por que? Porque ele só tinha um terno. Ele não tinha um terno para substituir aquele que ficara manchado. Um belo dia, por exemplo, o Otávio Mangabeira foi eleito deputado federal pela Bahia. Era um homem sem dinheiro, sem posse e pouco a pouco foi abandonando a política porque não servia mais para as obrigações dele. E, por exemplo, eu participava muito dos debates do recinto do Palácio Tiradentes onde os deputados conversavam com os jornalistas. Havia uma coisa quase íntima entre os jornalistas e deputados. Eram participantes do mesmo problema, ali no palco das grandes batalhas parlamentares. Recordo bem o Congresso naquele tempo era feito de grandes oradores. Hoje você pode dizer que já não há mais tantos líderes ilustres. Mas acho que o congresso de hoje é mais autêntico.

O senhor afirma que os políticos não tinham a riqueza, mas hoje eles ostentam muita riqueza. Naquele tempo não tinha tanta corrupção?

Naquele tempo não existia tanta corrupção como tem hoje, inclusive porque os deputados eram homens pobres e faziam um ideal da vida deles. Hoje em dia é bem diferente. As campanhas custam dinheiro e então os deputados têm que conseguir para custear a votação. Veja que eram dois congressos inteiramente diferentes. Embora se sustente a tese de que o congresso de hoje, embora não tão ilustre, não tão culto, é mais autêntico, mais verdadeiro, porque representa todas as camadas da sociedade. Não há nada falso. Não há nada fictício. Aí que está a diferença entre uma e outra política, a de ontem e hoje.

O que levou Murilo Melo Filho a escrever sobre Rui Barbosa (o mais recente livro dele)?

O Rui estava muito obscuro, muito esquecido. O objetivo desse meu livro foi despertar o assunto Rui Barbosa. E Graças a Deus lancei o livro por uma editora da Campina Grande. As duas primeiras edições já estão completamente esgotadas e eu estou viajando de Manaus a Porto Alegre a convite de academias estaduais de letras e diretórios acadêmicos para falar um pouco sobre Rui.

No seu caso, o jornalista se transformou em escritor, ou o escritor foi antes jornalista?

Houve bem minha fase de jornalista até o momento em que eu fui diretor da Manchete. Acompanhei a construção de Brasília, desde o primeiro momento. Me recordo que Juscelino Kubitschek me levou a Brasília na segunda vez que ele ia lá.  Naquela primeira noite quando eu cheguei em Brasília, Juscelino estava no alpendre do Catetinho e viu os engenheiros e os arquitetos sentados no chão no andar debaixo tomando uísque sem gelo. Lá pelas tantas Juscelino disse: você sabe Oscar (Niemyer) que eu não gosto de uísque, mas que uma pedrinha de gelo aí dentro seria bom, seria. Nem bem Juscelino acabou de pronunciar essas palavras, o céu de Brasília se fechou e desabou uma chuva com granizo. Veja você era comovente ver aqueles homens procurando aparar pedras de gelo para tomar uísque com gelo. Juscelino não bebida, tinha horror a álcool, mas achou muito curioso ficar buscando uma pedra de gelo. No dia seguinte, Juscelino estava batendo na porta do nosso quarto e ele levou onde hoje é a praça dos Três Poderes e começou a dizer onde seria o Senado, a Câmara, o Palácio, o Supremo. Eu olhava assim e só via lama e poeira. Voltei para o Rio de Janeiro horrorizado com o que tinha acabado de ouvir. Reuni a família Bloch, da Manchete, onde já trabalhava, e disse para Adolfo Bloch: vamos entrar nessa porque esse homem é louco. Foi aí que Manchete entrou na onda de Brasília. Toda semana eu ia fazer material texto e foto. Toda semana era uma reportagem sobre Brasília. Foi aí que Manchete cresceu na onda de Brasília.

Foi aí que começou o escritor?

Um pouco. Foi aí que começou um pouco. Por enquanto eu era apenas um jornalista. Tinha começado em Natal, com 16 anos, e entrei pela primeira vez na redação do Diário para falar com Djalma Maranhão e ganhar o rico salário de 50 mil réis por mês. Dali fui para A República.

O senhor se realiza mais hoje como escritor do que se realizou na época como jornalista?

Não. Como jornalista tenho que ser muito grato a minha profissão. Foi ela que me deu tudo, tudo. Tenho que devolver a ela em dedicação e em trabalho como fiz até 15 anos atrás, tudo que ela me deu: 35 viagens a Europa, 38 viagens aos Estados Unidos, acesso a reis, rainhas, príncipes, ditadores, governadores, senadores, homens todo poderosos entrevistei pessoalmente ao longo desse trabalho jornalístico.

Depois de tudo que o senhor viveu, qual sua meta hoje?

Há duas fases da minha vida, a de jornalista e hoje a de acadêmico e de escritor. Me elegi há 10 anos na academia. É tão difícil se eleger naquela Casa. O processo de eleição é muito curioso. Somos 40 membros, só há uma vaga quando alguém morre. Isso é um pouco o charme da academia. Eu me candidatei. Na época, a Manchete estava acabando, falida, e eu comecei a acabalar cada um dos votos na Academia. Esses votos são muito difíceis.

O senhor me passa a impressão de que sua grande realização foi se tornar imortal.

Sim. E é aspiração de muita gente. Muita gente tem a academia como o fim da carreira. E é para o resto da vida.

Mas foi sua grande realização?

Foi sim. Quando cheguei no Rio há 60 anos ia assistir as posses cerimoniosas e um belo dia disse para um colega meu, quem sabe se algum dia não chegaria lá.

Qual seu próximo livro?

Acabei de escrever o livro sobre Rui Barbosa e estou com o livro “Os senhores da palavra”. São acontecimentos curiosos, pitorescos e até anedóticos da vida dos acadêmicos. Tem uma riqueza inabalável.

Falta a academia se voltar para para as pessoas?

Já foi assim. Hoje não. Temos uma academia envolvida, não tem um dia igual ao outro. Temos conferências, mesas redondas. Graças a Deus sou partícipe desa nova fase da academia.

O natalense que enveredou no Jornalismo aos 16 anos e hoje é imortal. Murilo Melo Filho venceu?

Acho que na medida do possível não posso deixar de reconhecer que consegui aquilo que objetivava na vida que é ser membro da academia. Cheguei onde queria, realmente.

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