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“Música muda o aprendizado”

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Por Anna Ruth Dantas

Conhecida como a fundadora dos Centros de Educação Unificados de São Paulo, onde uniu o aprendizado escolar, com cultura e esporte, a educadora Maria Aparecida Perez é como uma referência na educação no país. E como tal, aponta as falhas do atual sistema, mas também vê alternativas de melhorar a educação no país.

Uma das defesas da educadora é a criação do currículo adequado à comunidade. Para Maria Beatriz, o professor não pode ignorar a realidade local, devendo adequar o ensino da grade ao que ocorre na comunidade.  “O papel do educador é estabelecer uma ponte entre conhecimento geral e local. É nessa integração que construímos conhecimentos novos, na integração do que existe há séculos. O educador não pode ignorar o que acontece no entorno da sua escola”, comenta Maria Aparecida Perez.
A gente viu no Brasil várias reformas que foram dimuindo tempo de permanência da criança na escola
Aos gestores públicos, ela dá um conselho que soa como alerta: é preciso desenvolver um plano municipal de educação, como forma de definir metas e diretrizes a longo prazo.

Para a educadora, os Centros Educacionais Unificados desenvolvidos em São Paulo podem servir de modelo para outros Estados. O formato é único: agregar o ensino escolar, com a cultura e o esporte. Maria Beatriz observa que não necessariamente esses três segmentos devem funcionar no mesmo prédio. No caso da capital paulista, isso ocorreu pela própria dimensão da cidade. E como as organizações não-governamentais podem interagir com o Poder Público no trabalho da educação? “Temos que nos conectar mobilizando as organizações não-governamentais existentes nos lugares, que elas possam trabalhar em parcerias com as escolas e suprir (as escolas) do espaço que ela não possui para prática das atividades culturais”, destaca a educadora, que esteve em Natal a convite da OnG Conexão Felipe Camarão.

Maria Aparecida Perez é a convidada de hoje do 3 por 4.

A senhora ficou conhecida por implantar em São Paulo os Centros de Educação Unificados (CEU), onde a educação é realizada em tempo integral. É possível usar esse modelo em outros Estados brasileiros?
O Centro Educacional é possível de ser implantado em qualquer lugar. Não necessariamente você precisa fazer como foi feito em São Paulo, onde você tem em um prédio que agrega áreas esportivas e cultural. A construção em São Paulo foi necessária pela dimensão da cidade, de população e pela falta de entendimento de demanda e nós precisávamos levar os equipamentos culturais para perto da periferia de São Paulo. Essa não é a mesma realidade de quase todo restante da cidade. Isso a gente já tem outras formas de lidar com a questão da educação em tempo integral. Temos de nos conectar mobilizando as organizações não-governamentais existentes nos lugares, que elas possam trabalhar em parcerias com as escolas e suprir (as escolas) do espaço que ela não possui para prática das atividades culturais. Em muitas escolas você ainda tem a quadra, alguma preocupação com a área de esporte, mas muito pouco com a área da cultura. Essa integração com outros espaços da cidade pode suprir esse conceito que o CEU tem nele. Embora tenha essa preocupação com a cultura, você tem outras formas de estar implementando.

Seria esse o grande pecado dos sistemas de educação: tentar dissociar a cultura da educação e do esporte?
Acho que isso foi uma perda considerável no Brasil. Tivemos um problema de falta de vaga. Para conseguir universalizar, ampliar o acesso à educação, a escolarização, principalmente no ensino fundamental, a gente viu no Brasil várias reformas que foram diminuindo o tempo de permanência da criança na escola. Em São Paulo tivemos a criação do turno intermediário. Sei que várias cidades tiveram, mas acho que São Paulo foi o lugar mais forte. E foi sendo posto para fora da escola (para criar espaço para salas de aula) a parte artística cultural, mesmo os espaços culturais que na década de 60, 70, os ginásios a gente tinha teatro, laboratório, salas especializadas e esses espaços foram todos transformados em salas para abrigar mais crianças, o que é justo. Mas empobreceu por demais a escola, que foi colocando outras atividades para fora. Você tem Educação Artística, mas é uma aula de 45 minutos por semana. É muito pouco. E, geralmente, na maior parte dos lugares que a gente vai você vê Educação Artística ligada a habilidades manuais. Não está errado, mas empobrece por demais o estudo que você deveria ter. Agora estamos voltando, agora tem a lei que torna obrigatória música no ensino fundamental. Quem trabalha com crianças nos primeiros anos sabe que música muda muito o aprendizado, auxilia por demais a alfabetização, tanto da língua portuguesa como da alfabetização matemática.

É censo comum que a educação precisa melhorar. Falta gestão, falta boa vontade, falta o que para educação no país ganhar um ritmo mais acelerado e eficiente de melhorias?
Acho que são várias coisas. Têm modismos em educação. Um tempo se falou que o problema de educação era de gestão. Se tinha recurso, mas a gestão não era bem feita. Não é só isso. São várias coisas. Se você for pensar nos professores tem o problema de valorização e salário dos professores. Tem o tempo que esse professor precisa para se preparar e participar de formação constante. Professor é como médico, ele tem de estar constantemente pesquisando, estudando, porque, caso contrário, não melhora no seu ofício, fica só reproduzindo uma prática desconectada. Você tem o problema do empobrecimento da grade curricular, que é quando tira a cultura. Além disso você tem uma escola que ela não acompanhou as novas tecnologias. Agora os laboratórios de informática estão sendo disseminados no país todo com a  questão da banda larga, mas existem outras tecnologias, o vídeo, a foto. A criança passa a ter um contato para além do muro da escola, que não faz parte da escola. A escola deixa de ser atraente. Não é só gestão. Acho que tem o problema de recurso, que é direcionado para educação e aplicado na educação, esse dinheiro embora no orçamento estivesse destinado à educação, em muitos municípios aplicavam em outras coisas. Tem também o que a própria sociedade vê como necessário. Antes só tinha preocupação de aumentar o ensino fundamental. Este ano foi uma conquista ter educação básica como obrigatória no Brasil, desde os 4 anos até o final do ensino médio hoje é obrigatório. Estamos nos equiparando o que outros países da Europa fazem há séculos. São passos que estão se dando para melhorar a qualidade da educação.

A senhora é favorável  às cotas?
Sou. Gostaria de viver em uma sociedade onde isso não fosse necessário. Mas para gente conseguir dar um passo na questão da equidade as cotas são necessárias. Mas diria até que não são só as cotas dos negros, mas dos indígenas também. A gente precisa olhar com mais atenção.

Alguns municípios têm plano municipal de educação. Há viabilidade?
Sou defensora. Acho que o plano garante a perspectiva de política pública a longo prazo. O plano a gente faz pensando em período para dez anos. Os municípios que conseguem esse plano, mas desde que seja com participação popular, discutindo com todos os atores envolvidos. Não adianta o município pensar só na parte que lhe cabe. Ele não pode fazer um plano só pensando no que é sua obrigação, tem que dialogar com os outros entes federados para suprir de fato o que é necessário para o município e pensar a longo prazo. Sou grande defensora, embora não tenha sido possível fazer quando fui gestora em São Paulo.

A senhora é favorável ao projeto que adapta o currículo à comunidade?
Isso eu também defendo. O papel do educador é estabelecer uma ponte entre conhecimento geral e local. É nessa integração que construímos conhecimentos novos, na integração do que existe há séculos. O educador não pode ignorar o que acontece no entorno da sua escola. Não é que ele tenha que saber da vida pessoal, mas ele precisa saber das dificuldades dos bairros e trabalhar isso em sala de aula. A criança aprende com significado. O que ela ouve do professor, o que vai pesquisar tem relação com o cotidiano dele. A criança apreende, ela não decora, mas as coisas vão passar a ter significado para ela.

As organizações não-governamentais fazem o papel do governo?
Acho que elas somam com o governo. Pensar o país como um todo e nas carências que existem, ninguém pode achar que vai dar conta sozinho. Por mais que tenha escola, tenha governo, a gente não pode virar as costas para organizações locais. Há muito trabalho já feito que a escola não precisa reinventar.

Como avalia a Conexão Felipe Camarão desenvolvida em Natal?
O que me chamou atenção na Conexão desde quando tomei contato com o trabalho é o respeito pelas culturas locais, mostrar a característica de não ter vergonha da sua cultura, da cultura popular e quão rica é na construção de conhecimento e na facilidade do trabalho feito a partir desse resgate. É a partir daí que as pessoas se percebem e se veem no espaço. Essa experiência é muito rica. Abre-se uma porta de esperança para o jovem a partir desse projeto.

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