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Na ausência dos mestres

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LUTO - Dia do Folclore será comemorado sem a PRESENÇA de três grandes mestres potiguares

No dia em que se comemora o Folclore (ou o dia da cultura popular como queiram), os mestres estão em algum lugar distante daqui. Manuel Marinheiro – do Boi de Reis, Chico Daniel – Mamulengueiro e recentemente seu Cornélio do Araruna deixaram um vazio que está sendo preenchido aos poucos pelos que ficaram. Exemplo disso, foi a última quarta-feira, quando aconteceu o primeiro ensaio do Araruna sem seu mestre.

  Fazia uma semana que seu Cornélio havia deixado o mundo e as lágrimas da chuva, que caíram durante o ensaio, caberiam bem aos que ficaram, mas não é isso o que eles desejam. Aos poucos foram chegando os participantes e entrando na roda da conversa com o VIVER. Muitos deles adolescentes – uns dez -,  seu Carlinhos Araújo (diretor do Araruna), dona Terezinha Soares (uma das dançarinas mais antigas) e a neta de seu Cornélio, Paula Frassinette. Ela, que começou a dançar com 15 anos e hoje com 19, carrega nos olhos expressivos uma força inesgotável de vontade para que a dança permaneça. “Lembro da emoção quando ganhei meu primeiro vestido da minha avó. Ela havia copiado de uma foto antiga e mandou fazer lá perto de casa”, lembrou Paula. Em suas lembranças seu Cornélio é sempre presente e impulsionador de sua vontade em dançar. “Ele nunca forçou os netos a entrarem no Araruna, pelo contrário, ele ia cativando a gente aos pouquinhos, a cada dia, como uma oração”. Quem também foi cativado pela dança foi Fagner Murilo, um dos mascotes do grupo. Dançando desde os 10 anos, hoje com 16, ele não falta um ensaio sequer. “Seu Cornélio foi um avô para mim e meu sonho hoje é continuar o sonho dele”, disse com a voz sussurrada o tímido menino que mora em Mãe Luísa.

    O que os move a estar ali é essa energia chamada cultura popular, que ninguém saberia explicar. “É uma paixão, algo que a gente não saberia definir. O Araruna é muito além de uma dança semi desaparecida, é cultura pura, é um pedaço do meu avô e também faz parte da sociedade”, disse Paula. Mesmo com tamanha dedicação de Paula, Fagner e a expressiva participação dos adolescentes o que incomoda o grupo hoje é a ausência das crianças. “O Araruna está precisando muito de dançarinos homens e crianças. A gente percebe o quanto tudo vai mudando, as crianças estão ficando grandes e o mundo os chama para outras atividades”, disse o diretor do Araruna Carlinhos Araújo. Ele que chegou menino no grupo, acompanhou diferentes etapas e se incomoda quando são chamados apenas nas datas festivas.

“Temos o valor maior que ficar à mercê dos outros”

A frase , dita em tom de desabafo, é da neta de seu Cornélio ao lembrar que as apresentações do Araruna são requisitadas só nas datas festivas. “Quando se fala em folclore muita vezes se limitam à superfície de saber das lendas, dos mitos e do saci. Quero muito ver o dia que acordaremos para o sentido da cultura popular em toda a sua esfera”, completou disse  Paula. Com uma sabedoria aguçada para a sua idade e um olhar de quem já observa anos longe, ela se mostra indignada quando lembra de momentos que louvam a cultura popular só como forma de consolação. “A cultura popular deveria ser estudada nas escolas públicas, ter um acervo bom nas bibliotecas e fazer parte da vida de todos os brasileiros. A gente não estuda a nossa história. O Rio Grande do Norte é rico em essência, mas poucos sabem o que temos aqui. Talvez por isso muitos jovens acham ridículo dançar o Araruna”, desabafou Paula.   Enquanto a menina ia contando de suas angústias, outros adolescentes chegavam ao local do ensaio. Com as paredes pintadas de azul, a casa velha que abriga os dançarinos desde 1956, precisa hoje de uma boa reforma e poderia ser uma metáfora para o retrato de como é tratada a cultura popular no estado. “Nós estamos aqui porque amamos muito o que fazemos, mas por outro lado dá tristeza de saber que tempos pouco apoio para o nosso trabalho”, disse Paula.

Ensaio e lembrança do mestre

Sem as roupas feitas para dança, o ensaio do Araruna começou. Os adolescentes de chinelo, blusa e uns de boné foram chegando uns próximos aos outros, enquanto Carlinhos escolhia a música para o ensaio. No disco a canção Amazuca – a preferida de Paula – começou a tocar. Era a transformação dos meninos que naquele momento abandonavam as festas lá fora, os vídeo games, as lan houses da vida e se aventuravam num lugar onde cabe a magia do tempo. “É quando eu esqueço de tudo, até de minhas dores. Tudo fica lá fora e a gente se entrega ao universo mágico das canções”, disse Carla Araújo uma das meninas que estava de fora da dança apenas observando o ensaio.

    Poucos sabem do esforço que é para cada um estar ali toda quarta-feira. “Tem dias que falta dinheiro da passagem, outros a gente não consegue chegar, mas estamos aqui de todo jeito”, contou Fagner.  Para Paula a estrutura da sede do Araruna é um espelho do momento em que eles passam. “A gente não tem condições de quase nada, a não a alegria de estar aqui”, disse completando que acha engraçado quando os políticos falam de apoio à cultura popular.

   Paula, Fagner, Carlinhos e principalmente dona Therezinha concordam com Paula, mas eles não esquecem de expressar o quanto amam o Araruna. “Aqui é o lugar da gente existir”, disse dona Therezinha, entusiasmada com o ensaio. Ela parecia virar menina em apenas alguns segundos. “É muito bom dançar, é o mesmo que viver, não quero parar nunca. Vou morrer aqui”.

“Os mestres estão indo embora”

Os mestres estão indo embora e no lugar, os registros são importantes para manter viva de alguma forma a cultura popular. É com essa intensão que será lançado na manhã de hoje, às 8h, no Museu de Cultura Popular, o livro “O Reinado de Baltazar: teatro de João Redondo”, do folclorista Deífilo Gurgel. Com informações colhidas desde 1969, a obra reúne informações sobre o João Redondo -ou mamulengos -, trazendo a história, notas e os espetáculos do mamulengueiro Zé Relampo e Chico Daniel. Além das informações pesquisadas, as páginas trazem os diálogos de espetáculos feitos pelos artistas populares. “Esse é o primeiro de uma série de três livros. Os outros são: “Histórias do demônio”, que  reúne contos populares e o último será sobre o romanceiro potiguar. Os dois já estão prontos só faltando retoques finais para publicação”, contou.

    Ao falar do livro, o folclorista lembra que durante suas pesquisas, registrou diferentes mamulengueiros e hoje existem dez, “no máximo”. “Infelizmente a pesquisa depois não teve muita atenção. E os mamulengueiros foram desaparecendo. Esse é um problema que ocorre em todos os estados do Nordeste”, disse lembrando que ainda restam alguns familiares que deram continuidade ao trabalho, como Josival, filho de Chico Daniel. “Tive a oportunidade de vê-lo e é muito semelhante ao pai. Outros morreram e não deixaram continuidade não. O certo é que muitos morreram, outros faltam ser descobertos, ou na verdade nem existem”, disse com uma voz cansada. Deífilo acrescentou ainda que “infelizmente nós potiguares não somos muito chegados à cultura popular não. Há algumas pessoas que conhecem a importância disso, mas a maioria nem liga. Depois que Cornélio, Chico e seu Manuel foram embora eu tenho é medo de ir também”.

    Para finalizar, Deífilo diz que acha seu livro, “modéstia parte”, muito importante pelo seguinte: “não é apenas um estudo, embora de maneira didática , é sobretudo um registro de peças que Zé Relampo e Chico Daniel deixaram”. Esse trabalho foi feito também por Mário de Andrade no livro “Danças Dramáticas no Brasil” quando ele apresenta as danças pesquisadas entre 1928 e 1929, unindo letra, poesia e música. “Normalmente os folcloristas se ocupam em estudar e o Mário não, ele apresentava para a posteridade o que acontecia de fato”.

Um dia para festejar a cultura do povo

O grupo Araruna não vai passar a data em branco. Ele estará presente às 8h na inauguração do Museu de Cultura Popular, na rodoviária velha na Ribeira, projeto idealizado pela Prefeitura do Natal através da Funcarte. Durante o evento, será lançado o livro “O Reinado de Baltazar”, do folclorista Deífilo Gurgel, com o selo do Museu, pela coleção Letras Natalenses. Além do livro, estarão em exposição obras de artistas e artesãos das mais diversas regiões do Rio Grande do Norte.

Centro de Documentação e Comunicação Popular

Para comemorar o dia do folclore, o Centro de Documentação e Comunicação Popular estará celebrando também os 40 anos do bairro de Felipe Camarão. Hoje na Escola Municipal Djalma Maranhão, as oficinas acontecem das 8h às 12h com leitura, contação de histórias, capoeira, música, cultura indígena, danças populares, brinquedos populares. No mesmo horário haverá mostra de fotografia, xilogravura, cinema e vídeo. A noite, a partir das 19h30, o grupo Boi de reis, o mamulengo de Josival Daniel (filho de Chico Daniel) e o grupo Meirinhos do Forró, farão as apresentações. Amanhã a programação continua com apresentações do Pastoril do Peixe Boi Encantado e lançamento do livro Cantos, contos e encantos de Felipe Camarão.

Festa no Memorial

Em frente ao Memorial Câmara Cascudo, a Fundação José Augusto traz em sua programação às 15h a dupla de violeiros Amâncio Sobrinho e convidados, às 15h30 a poesia de Antônio Francisco, às 16h o grupo Boi de Reis de Antônio de Ladeira (Santa Cruz-RN) e às 16h30 a Orquestra Sanfônica de Mossoró fará sua apresentação. Informações: 3232. 5352

Em homenagem aos grupos folclóricos, hoje às 19h haverá a solenidade da regulamentação da Lei 9.032, que institui o Registro do Patrimônio Vivo do RN. A Lei criada pelo deputado Fernando Mineiro tem como objetivo destinar um título de patrimônio vivo do RN a pessoas ou grupos que detenham técnicas ou conhecimentos necessários para preservação da cultura nacional. “Com esse título os beneficiados receberão uma bolsa de incentivo e terão prioridade na análise de projetos apresentados ao sistema de incentivo à cultura”, explicou Mineiro. Os mestres e grupos deverão participar de programas de ensino e aprendizagem dos seus conhecimentos e técnicas.

Haverá também exposições e homenagens, como no Centro Turismo (ver mais no Fim de Semana, página 3).

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