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Na casa do coco

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Na porta de casa do coquista, Khrystal fala da falta de identidade:  “O Brasil não conhece o Brasil”

Khrystal admite que não é assim tão sensitiva como a amiga Tiquinha Rodrigues, mas também não esconde que costuma sentir vibrações em momentos especiais, tipo quando a energia corre solta num ambiente, digamos, instigante. Incluir a canção Querelas do Brasil, mesmo a contragosto do produtor Zé Dias, no show de divulgação do CD “Coisa de Preto” – primeiro trabalho gravado da carreira que em um mês já vendeu 1200 cópias – foi o primeiro desses estalos recentes. Nada comparado, no entanto, à emoção revelada sábado passado quando essa natalense de 26 anos de idade, pisou pela primeira vez na casa onde morou o coquista Chico Antônio, no município potiguar de Pedro Velho. “Gente, eu não acredito que estou aqui! Dá até uma tristeza, um aperto no coração, altas vibrações. O final da história dele foi tão triste, Chico era um homem tão grande… o Brasil não conhece o Brasil”, disse, com o olhar marejado, repetindo o bordão de Querelas.

Entre a emoção da alegria de estar ali e a perplexidade do cenário, Khrystal não contou conversa: mesmo com o sol batendo na casa das 12h15, pegou o pandeiro, convocou os percussionistas Sami Tarik e Kléber Moreira, a rabequeira Tiquinha Rodrigues e foi para frente da casa de Chico mandar um roda de coco bem alto. Uma oração de agradecimento pelas vibrações do momento encerrou uma homenagem que parece impregnada nas raízes da cantora potiguar.   

A convite do Sesc, Khrystal e os nove músicos que a acompanham estavam ali para um show na noite de sábado, na Fazenda Caipira, durante as comemorações do São João de Pedro Velho que este ano homenageia Chico Antônio. O show não chegou a arrastar uma multidão ao local, mas despertou em jovens de uma quadrilha estilizada da região, a vontade de cair de banda no coco. “Khrystal acabou de inventar o coco estilizado”, brincou o produtor Zé Dias enquanto o grupo coreografava as músicas de Coisa de Preto. 

Sem memória

Pela manhã, antes da visita, parte da equipe deu uma canja na praça principal da cidade em meio ao barulho da banda de forró Calcinha Preta que vinha de uma kombi contratada pela prefeitura. A equipe do VIVER acompanhou todos os passos da turma e percebeu que essa atitude de enfrentar a hegemonia das rádios comerciais com o coco faz parte da essência de Khrystal e sua banda. À caminho da casinha de taipa que abrigou o coquista Chico Antônio já não era difícil entender que a expressão “O Brasil não conhece o Brasil” vai muito além de um mero bordão repetido como propaganda de destino turístico. Na estrada de terra que liga a área urbana do município ao sítio “Porteiras”, onde a casa permanece de pé, nenhum dos moradores da nova geração sequer tinha ouvido falar do coquista. Como os músicos nunca estiveram no local e o guia que se ofereceu para ajudar também não sabia o caminho, o jeito foi contar com a sorte de encontrar o vaqueiro Nazareno Vicente Figueiredo, 63 anos, que conviveu com Chico. “Era um véio animado. Bebia para se divertir, tinha um laço de fita amarrado no ganzá, namorador que só ele. Tem uma história sobre o marido de uma mulher que Chico namorava, que gastou um maço de fósforo para ir atrás do rastro dela”, contou,  em pé na área de terra batida na frente da casa, cenário perfeito para uma roda de coco.     

Dali um pouco, apareceram o vizinho Pedro Zacarias, 48, que conviveu com os netos do coquista e jura de pé junto que viu a primeira entrevista dada por Chico a uma televisão nos anos 80, e seu Juarez Caetano, 77, que do alto de seu cavalo fez aquela ruma de gente parar para ouvir uma peleja do amigo embolador. “Mandaram trazer dois ‘emboladô’ de coco da Paraíba para fazer pareia para Chico Antônio. Quando começaram, Chico falou do céu, das estrelas, desceu para a terra e aí os cabras viram que Chico era bom. Ele era um cara bonito, mas muito destrambelhado também”, disse.  

A casa “tombada” de Chico Antônio

A casa onde morou Chico Antônio, no sítio Porteiras, é uma espécie de ilha cercada de mato por todos os lados. O acesso dos carros vai até a estrada de barro que liga a região ao centro urbano de Pedro Velho. Das margens da via é possível ver a casinha simples de taipa que traz na porta de madeira corroída a marca de um órgão de saúde que passou por ali há algum tempo. A paisagem é de tristeza e a sensação, de solidão. Tombada pela Fundação José Augusto como patrimônio cultural do Rio Grande do Norte, a impressão é de que a estrutura pode tombar a qualquer momento. A casa tem quatro cômodos: uma sala pequena, onde estão penduradas peças de roupa do coquista, um corredor que Chico transformou em oratório com imagens de santos e terços, um quartinho e uma cozinha que também é área de serviço. No quintal, pedaços de tijolo, restos de madeira e toco de árvores.

O cenário emocionou Khrystal e fez Tiquinha Rodrigues lembrar do passado. “Já morei em casa de taipa também. Sou de Macau. Mas hoje tenho até internet. Lembro que meu sonho naquele tempo era ter um liqüidificador para tomar vitamina de banana”, recorda.

Chico Antônio: descoberto duas vezes

O embolador de coco Francisco Antônio Moreira nasceu em 20 de setembro de 1904 no povoado de Côrte, município de Pedro Velho. Foi tão esquecido pela memória potiguar que precisou ser descoberto duas vezes por pesquisadores da cultura popular. A primeira vez que o nome de Chico Antônio veio à luz foi em 1929, durante a viagem que o paulista Mário de Andrade fez ao Nordeste. A paixão de Mário colocou Chico Antônio em “O Turista Aprendiz”, livro escrito pelo modernista sobre essa mesma viagem. Depois dessa passagem, o coquista voltou a ser esquecido. Reapareceu em 1979, quando o folclorista Deífilo Gurgel decidiu mapear as manifestações culturais  e reencontrou o embolador. No livro “Espaço e Tempo do Folclore Potiguar”, Deífilo conta o fim da vida do artista popular.

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