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“Não ficará legado nenhum”

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Ricardo Araújo
repórter

O despretensioso senhor de olhos azuis e cabelos brancos, quando calado, não intimida. Basta, porém, ouvir a pronúncia de uma sigla – Fifa – para que o jornalista escocês, Andrew Jennings, perca sua característica inicial. Hoje, ele é uma figura non grata aos dirigentes da mais poderosa instituição desportiva no mundo. A despretensão do repórter da rede inglesa BBC, deu lugar a um intrigante documento, que virou livro, com os resultados de um trabalho investigativo que durou dez anos. O resultado da pesquisa pôs em xeque a Federação Internacional de Futebol (Fifa) e o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira. Em entrevista exclusiva à TRIBUNA DO NORTE, Andrew Jennings, autor do  livro “Jogo sujo, o mundo secreto da Fifa”, analisa a realização da Copa do Mundo 2014 no Brasil. A viabilidade, os custos, a transparência das ações e o legado para a sociedade brasileira, são duramente criticados pelo jornalista. Ricardo Teixeira, que está no comando da CBF há 22 anos, se tornou o principal alvo das investigações do repórter. Sobre o Mundial no Brasil, Andrew acredita que será um evento apenas televisivo, para mostrar ao mundo que existem estádios faraônicos nas terras tupiniquins.
Andrew Jennings, jornalista
“Atrás da festa, existem famílias sofrendo com as desapropriações. É ridículo isto”, declarou.

Do seu ponto de vista, por que o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014?

Nós podemos observar dois níveis de argumentos. O primeiro é de que a Copa do Mundo não é realizada na América do Sul há muito anos. O outro é de que o Brasil é muito bom no futebol. Não é verdade? É um esporte muito popular e bacana. Até aí, tudo bem. Porém, atrás disso tudo, Ricardo Teixeira tinha que realizar sua Copa do Mundo. Ele precisaria lutar pela sua própria Copa do Mundo. Mas ele não precisa lutar. Se você tentar achar uma jóia, terá que lutar. Você terá todas as jóias no final. Então, porque Ricardo tem os poderes da Fifa sobre Blatter (presidente da instituição), disse: “Eu quero minha Copa do Mundo”. O que eu faço com os impostos não importa. Ele tinha que trazer a Copa do Mundo para cá antes que alguém roubasse dele. Ele não poderia retirar de outro país. Então tem sido sempre uma determinação de Ricardo Teixeira  para dizer ao povo brasileiro: “Estou fazendo isso por vocês. Vocês são sortudos e eu estou trazendo a Copa para vocês”. E depois vocês vêem os escândalos que já foram noticiados. E nós sabemos que existem mais escândalos que nós não detalhamos ainda. Mas sabemos que existem. Então, eu penso que a Copa do Mundo foi trazida para o Brasil por um grupo de empresários que querem explorar impostos. Esqueça o futebol. É por isso que a Copa está vindo para cá. E é por isso que vai para muitos outros lugares. Na África do Sul, eles (os organizadores), cobraram impostos de pessoas pobres para construir estádios sem necessidade. E eles (os pobres) não podem usá-los agora. Mas as construtoras são bons amigos que vão lá encher as pastas de dinheiro. É este o plano de fundo dos jogos olímpicos, os mesmos jogos olímpicos de Londres, onde as pessoas precisam se retirar para as construções serem erguidas.

Do início ao final dos processos, os custos continuam os mesmos, do seu ponto de vista?

Bem, eu entendo que todo grande evento, quando projetado, eles (a Fifa) dizem que vai custar caro, vai custar muito dinheiro. E depois os custos vão crescendo, crescendo, crescendo. E os impostos no mesmo caminho. Porque você chegou a uma posição em que as pessoas (a Fifa) querem lhe envergonhar questionando: “Vocês não são bons aqui no Brasil? Como vocês não constroem estádios? Vocês podem realizar uma boa Copa do Mundo no país?”. “Sim, nós podemos. Nós podemos”.  Só que custa dinheiro. Veja os impostos. É a mesma balela. Não deveria acontecer de uma Copa do Mundo ser tão cara. Os recursos da televisão são tão grandes, que não precisaria de nenhum imposto brasileiro. Eles não precisam de nenhum dinheiro oriundo dos impostos pois o evento arrecada verbas suficientes em vendas para televisão e marketing. Eles conseguem dinheiro para custear ao invés de cobrar impostos de vocês. 

Você acha que é realmente necessário escolher 12 cidades-sedes para a Copa do Mundo no Brasil?

Não. Se existem estádios que já estão prontos, os jogos de futebol poderiam ser talvez realizados. Mas não seria necessário construir novos estádios. Se você precisa de um estádio numa cidade brasileira, deveria pensar por alguns anos e construir. Mas a Copa do Mundo se utiliza de uma pressão pungente: “Você precisa fazer. Você precisa fazer. Nós temos três anos para construir novos estádios para os visitantes”. Mas nós não precisamos. Nós jogamos futebol neste país. Você joga futebol? Quem não joga? Você tem os equipamentos, tem os estádios. Este é um evento televisivo. O que é bacana para o povo brasileiro é ir ao estádio e ver acontecendo, mas não o farão mesmo assim. Porque os melhores ingressos vão para os “amigos da Fifa”. Então, será um evento para a televisão. Por quê as pessoas devem pagar por algo que elas não precisam no fim das contas?

Você acha que é realmente necessário derrubar as estruturas existentes e construir novas?

Não, não é. Quando você toma a decisão de construir um estádio, este pode ser reformado ou demoraria muito? Se puder ser reformado, será mais barato. Você está pagando. Porque se a Fifa vem e diz: “Nós devemos trabalhar para ter doze estádios e paga por isso, tudo bem.” Mas eles não fazem isso. Eles (a Fifa) deixaram a África do Sul no mesmo nível de pobreza que existia ano passado. Com estádios e construções desnecessárias que consumiram muito dinheiro. Hoje, grande parte da população africana continua vivendo em casebres sem infraestrutura sanitária. E isto é um escândalo. O dinheiro foi para a Fifa. Foram mais de dois bilhões de dólares e a vida daquelas pessoas não melhorou.

O que o senhor sabe sobre Natal?

Eu ainda não sei de nada sobre esta cidade, para ser sincero. Espero saber.

Qual o legado que ficará para a população brasileira no pós-Copa?

O mesmo que ficou para a população africana. Ou seja, nenhum. Ainda hoje, as crianças, adolescentes e adultos africanos continuam jogando no chão batido e na lama. Enquanto que os grandes estádios continuam fechados, sem utilização alguma.

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