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Nas cordas roucas da rabeca

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Isaac Ribeiro
Repórter

Apesar de ser um dos instrumentos mais simbólicos da cultura nordestina, a rabeca praticamente ainda é uma ilustre desconhecida no Brasil. O instrumento parece ainda viver à sombra do violino, sendo tratado como uma variação rústica dele, para desagrado de alguns músicos e pesquisadores mais puristas. Essa e outras questões acerca do instrumento serão discutidas em um evento onde ele é o principal protagonista.

Formado por estudantes do IFRN, Bando Fabião pesquisa os sons da rabeca e da viola nordestina
Grupo Conexão Felipe Camarão com o mestre pernambucano Luiz Paixão. foto: Ramón Vasconcelos

#SAIBAMAIS#O festival “Rabeca Nordestina” acontece nos próximos dias 19 e 20, na Escola de Saberes Conexão Felipe Camarão, no bairro de mesmo nome, zona oeste de Natal. 

A programação conta com palestras, debates e oficinas gratuitas e apresentações sobre vários aspectos da rabeca. No encerramento, haverá show com o grupo Bando Fabião, de música regional nordestina.

No primeiro dia de festival, o ator, cantor, compositor e instrumentista potiguar Caio Padilha  apresentará a palestra “Um sonho de Rabeca na arca da brasilidade”. Na sequência, Maristela Mosca, doutora em educação e Desenvolvimento Curricular, apresenta o tema “Heranças musicais e currículo”. Para encerrar, o pernambucano Maciel Salú, rabequeiro, cantor, compositor e mestre brincante de folguedos populares, ministrará a oficina “Rabeca Contemporânea”.

No segundo dia, a educadora musical Katharina Döring (BA) abordará o tema “Educação musical através de repertórios tradicionais”; enquanto o músico, produtor musical e luthier potiguar Cláudio Rabeca apresentará a palestra “Rabeca Brasileira”. Nascido em Natal, ele mora em Olinda desde 2002. Por fim, haverá a oficina de lutheria ministrada pelo também potiguar Seu Elói.

O festival é uma realização da ONG Associação Companhia Terramar, através do projeto Conexão Felipe Camarão, que desde 2003 realiza ações educacionais e sociais através da cultura regional, voltadas a crianças e jovens do bairro de Felipe Camarão.

Caio Padilha é autor do único disco de rabeca para crianças

Caio Padilha é autor do único disco de rabeca para crianças

Palestrantes e temas
Cada palestrante abordará um tema diferente relacionado à rabeca e contará um pouco de sua experiência e técnica. Caio Padilha conta que sua fala será voltada principalmente para crianças e jovens, público a que tem se dedicado — por acreditar, segundo ele, que nessa fase estamos mais propensos a sermos mais humanos, mais criativos e afetivos.

“É nessa troca de informações culturais que a gente vai fortalecer a identidade brasileira em meio ao enfrentamento do rolo compressor da indústria cultural do entretenimento americanizado. A gente faz um contraponto bem bacana e resiste a tudo isso fazendo o que a gente mais gosta, que é celebrar nossa cultura e nossa identidade nordestina, brasileira”, comenta Caio Padilha, que tem lançado o disco “Um Sonho de Rabeca no Reino da Bicharada”, único CD de rabeca dedicado a crianças no Brasil, como o próprio classifica.
Formado por estudantes do IFRN, Bando Fabião pesquisa os sons da rabeca e da viola nordestina
Formado por estudantes do IFRN, Bando Fabião pesquisa os sons da rabeca e da viola nordestina


Música contemporânea
Já o pernambucano Maciel Salu integra uma família de rabequeiros  tradicionais, como  seu pai, Mestre Salustiano, e seu avô Mestre João Salustiano — de quem herdou o gosto pelo maracatu, cavalo marinho, ciranda e teatro de mamulengo. Ele falará sobre o movimento em torno da rabeca, nos anos 90, em Pernambucano e ainda sobre seu livre trânsito entre a cultura popular e a música contemporânea, tanto em seu trabalho solo, como  enquanto integrante da Orquestra Contemporânea de Olinda e de DJ Dolores & Orquestra Santa Massa.

Herdeiro de mestres, Maciel Salu vai do regional ao contemporâneo

Herdeiro de mestres, Maciel Salu vai do regional ao contemporâneo

“Costumo dizer que o popular e o contemporâneo estão dentro um do outro. O tradicional é o que me dá inspiração pra tudo. E o contemporâneo também, porque eu não deixo de escutar outras coisas atuais”, afirma Maciel, dizendo-se também apreciador de rock melódico, música africana; do afrobeat Fela Kuti e música cubana. Ele também contará como aprendeu a tocar rabeca, dicas de encordoamento, afinação e pedais de efeito.

Rabeca no peito
Apesar das semelhanças, a rabeca é muito mais que um “violino rústico”, forma simplista de resumir um instrumento de identidade própria e aspectos distintos em sua estrutura e forma de tocar. Possui variações de tamanho, formato, número de cordas, afinações e até de materiais empregados na sua construção, que obedecem às tradições regionais. Também diferente do violino, que é  posicionado sob o queixo do tocador, a rabeca é apoiada no peito de quem a executa.

Sobre suas origens, ela tem entre seus ancestrais mais remotos, provavelmente, os primeiros instrumentos de cordas friccionadas  trazidos pelos árabes para a Europa; entre eles, o rebab ou rabab, de origem persa ar’abebah, tocado em tribos bérberes do norte da África.  Por ser popular na península ibérica na época do descobrimento do Brasil, acredita-se que tenha chegado ao país ainda nos primórdios da nossa colonização. 

Bate-Papo: “Há um redescobrimento do instrumento”, diz Cláudio Rabeca

Nascido em Natal, Cláudio Rabeca foi morar em Olinda (PE), em 2002, onde pôde se dedicar mais à rabeca — aprendendo com mestres pernambucanos e se tornando luthier — e a outras manifestações da cultura popular. É considerado uma das referências atuais do instrumento. Suas criações ultrapassam fronteiras do Brasil. Tem gravado o CD “Luz do Baião” (2009) e entra em estúdio no próximo mês para gravar o próximo, “Rabeca Brasileira”. Confira trechos de sua entrevista ao Viver. 

Claudio Rabeca prepara o álbum “Rabeca Brasileira”
Claudio Rabeca prepara o álbum “Rabeca Brasileira” 

Como vê o papel da rabeca na música produzida hoje?
A rabeca está sendo redescoberta pelo Brasil, na verdade — para muitos, descoberto como se fosse um instrumento novo. O que eu sinto é que a rabeca está em plena ascensão no Brasil. Eu falo isso porque dou muita aula em Pernambuco, estou sempre dando oficina em Recife, e sempre aumenta o número de alunos interessados em aprender a tocar o instrumento. E percebo isso acontecendo em outras cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Natal também. De 15 anos pra cá, eu comecei a tocar rabeca em 2002, eu vejo um crescimento, um interesse, muito grande; principalmente por jovens influenciados por essa rabeca mais urbana. Acho que falta é a rabeca talvez inserida em bandas de artistas consagrados.

Como luthier, com instrumentos vendidos para outros países, como analisa o interesse do mundo pela rabeca?
Acho que ainda é pouca a divulgação da rabeca internacionalmente. É um mercado amplo, que deve crescer muito. Acho que eu sou um dos responsáveis por levar o som da rabeca brasileira principalmente para a Europa. Já toquei nos Estados Unidos, mas foi uma passagem rápida; já dei oficina de rabeca na Califórnia, mas ainda precisa haver uma ida e volta maior para os EUA. Na Europa, fiz seis turnês. Acho que isso tudo ajuda a divulgar o instrumento. Tanto lá fora querendo o instrumento daqui, como o próprio brasileiro conhecendo esse instrumento mais e valorizando.

Serviço:
Festival Rabeca Nordestina. Dias 19 e 20, das 14h às 17h, na  Saberes do Conexão Felipe Camarão (rua Maristela Alves, 579-A, Felipe Camarão).     

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