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Natal 420 anos: A fortaleza de taipa que virou cidade

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Tádzio França
Repórter
Tudo começou com uma fortaleza de taipa construída sobre um arrecife cercado de mar. Era dia de Santos Reis. O colonizador ibérico precisava demarcar  território naquele pedaço de Brasil a ser explorado. Quase dois anos depois, em 25 de dezembro de 1599, a posse se concretiza com a fundação de uma cidade. Natal nasceu, mas demorou séculos para crescer e aparecer. Hoje, aos 420 anos, a capital potiguar é uma cidade formada, com avanços e problemas típicos de seu tempo e espaço. Uma boa forma de entender como chegamos até aqui é olhar para trás e conhecer a própria história – que  está nos livros, nas ruas e  na praia. É questão de tempo. 
O monumento número um de Natal, a Fortaleza dos Reis Magos, nasceu primeiro em taipa
O monumento número um de Natal, a Fortaleza dos Reis Magos, nasceu primeiro em taipa
Fortaleza
Primeiramente: o monumento histórico número um de Natal deve ser chamado de forte ou fortaleza? O historiador e professor Gil Silva afirma que o correto é fortaleza. “Para a época, o nome mais adequado é fortaleza, porque existia uma guarnição permanente instalada no local”, afirma. A construção da fortaleza foi essencial para que Natal viesse a existir. “Ela estava dentro de um grande processo de defesa do Brasil e expulsão dos estrangeiros que estavam por aqui contrabandeando pau-brasil, principalmente os franceses”, diz. A função era defender não só a capitania do Rio Grande do Norte, mas também outras vizinhas. 
Pouca gente também imagina que a primeira versão da imponente fortaleza era de taipa. Gil Silva conta que só a partir de 1614 a construção ganhou a estrutura de pedra que tem hoje, num trabalho que seguiu até 1628. “Vale salientar que mesmo já refeita de pedra ela manteve o traçado original do  padre Gaspar de Samperes, o jesuíta espanhol que fez a planta”, ressalta. O professor também comenta a importância da Espanha na fortificação. “Na época, vigorava a união das coroas ibéricas, na qual Portugal e Espanha eram lideradas por um mesmo rei, o espanhol Felipe II. Foi a mando dele que a fortaleza foi erguida”.
Ao longo de três séculos a fortaleza funcionou como quartel  militar e prisão. Após ser desativada no final do século 19, entrou num longo processo de decadência até ser restaurada na década de 70, virar símbolo da cidade, e atração turística. E mesmo assim, não recebe o cuidado que merece: o monumento mais conhecido de Natal não pode ser visitado. Está fechado há um ano para uma restauração que deve se arrastar até 2021. Após quatro séculos, a paciência é requisitada mais uma vez à velha fortaleza da barra. 
Fazenda iluminada

Natal nasceu cidade. Nunca foi vila, arraial ou aldeia. Segundo Gil Souza, esta era uma característica da política espanhola de colonização. Mas Natal era cidade apenas no título. O crescimento lento e a falta de recursos lhe davam uma cara tipicamente rural – uma “fazenda iluminada”, como se diz. Por séculos o cotidiano natalense consistiu em missa aos domingos ao redor de suas igrejas simples, e moradores a plantar roças, caçar, pescar, e colher frutas nos tabuleiros. Os mais abastados criavam gado em sítios  próximos. 
O crescimento lento de Natal teve a ver com a própria lógica da colonização, afirma o historiador. “O projeto colonizador está associado a uma lógica econômica. Os lugares que mais se desenvolveram foram os que tiveram maior importância econômica, como Salvador e Recife, por exemplo. A atividade açucareira na capitania potiguar era pouco expressiva em relação a outras do Nordeste, o que atrasava seu desenvolvimento. Faltava uma atividade econômica forte”, diz. 
Os primeiros natalenses nasceram e cresceram na Cidade Alta, primeiro bairro da cidade. É neste ponto que estão os primeiros e principais sinais do cotidiano da capital. O local que viria a ser a Praça André de Albuquerque, o marco zero, foi escolhido por questão de estratégia. “Era a parte mais alta da cidade, de onde podia se ver  a fortaleza, e os navios que surgiam pelo rio e mar. Podia-se vigiar a cidade”, explica. 
A Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação recebeu as primeiras preces. Ao redor dela foram construídas as primeiras casas. As igrejas faziam parte do projeto de colonização/dominação, e eram muito importantes no contexto da época. “Além de evangelizar, a igreja católica também queria mostrar sua força diante do protestantismo, que estava em franca expansão naquela época”, explica. 
Após a igreja matriz, os outros templos católicos natalenses foram erguidos ao longo do século 18: a Igreja do Rosário dos Pretos, construída em 1714 para orações dos escravos e negros livres da cidade; a Igreja de Santo Antônio (do Galo), em 1766, a mais bonita pelo seu estilo barroco jesuítico; e a Bom Jesus das Dores, em 1772, a primeira da Ribeira, área que já estava se consolidando como um segundo bairro local. A Ribeira, aliás, contava desde 1732 com uma ponte que fazia sua ligação com a Cidade Alta. A “cidade baixa” estava se erguendo aos poucos. 
Rio da cruz

O traçado da urbanização colonial pode ser visto facilmente pelas ruas da Cidade Alta e Ribeira. “Uma característica muito visível são as ruas estreitas e desalinhadas, típicas do período. Só no século 20, com novos bairros, houve uma reconfiguração das ruas e logradouros da cidade”, diz. Um dos pontos mais importantes da vida urbana antiga de Natal foi o Rio do Baldo. Existiu no lugar onde hoje está instalado o prédio da Cosern.
 
Era no rio onde as pessoas – na  maioria mulheres e escravos –  lavavam roupas, recolhiam água pra cozinhar, beber, e  também se banhar. O Rio do Baldo também era conhecido como o “Rio das Bicas”. À margem dele foi criado mais um ponto da devoção cristã natalense, que ficou conhecido como a Santa Cruz da Bica. A cruz, na verdade, já existia antes da devoção. Foi colocada durante o início da colonização para demarcar os limites da cidade no lado sul. Hoje em dia o pequeno cruzeiro resiste, praticamente abandonado pelos fiéis que não resistiram ao tempo. “Quem passa hoje por aqui não tem a mínima noção do que era esse espaço no começo da nossa colonização”, lamenta. 
A falta de conhecimento sobre a própria história é um traço do brasileiro que também se repete no potiguar. “O natalense em geral desconhece a história de sua cidade, de sua cultura. Por isso nós temos um problema muito sério em Natal que é a falta de uma identidade, algo construído através da conservação do passado, dos nossos patrimônios. A gente não consegue formar esse elo entre o passado e o presente para construir essa identidade”, explica. 
As iniciativas para suprir a falta de conhecimento histórico são bem vindas, mas ainda poucas, segundo o professor. “Temos a Caminhada Histórica de Natal, que já se tornou um evento tradicional da cidade, mas que é anual e se restringe só a quem fica sabendo. Isso também deve vir da educação escolar, algum projeto educacional para conhecer de fato a história do RN, que é muito rica, ao contrário do que se costuma dizer”, diz. 
Enquanto mais projetos de conhecimento histórico não surgem, Gil Silva destaca a produção literária sobre o assunto. “Há leituras bem acessíveis a um público não acadêmico. Câmara Cascudo, o nome mais conhecido, tem seus clássicos História da Cidade do Natal e História do Rio Grande do Norte; tem o História do RN do Tavares de Lyra. Há também o Sérgio Trindade, que fala da colônia até a república; a Denise Monteiro, que fez uma boa introdução à história potiguar, entre outros”, conclui.
Colaborou: Cinthia Lopes
Editora
Natal 420 Anos

A reportagem integra uma série de matérias especiais de fim de ano na TRIBUNA DO NORTE em comemoração aos 420 Anos da Cidade do Natal, celebrados no próximo dia 25 de dezembro. A série aborda diversos temas nas editorias de Cultura, Esportes, Política, Economia e Cidades e segue até a edição impressa do próximo dia 1º de janeiro de 2020. 
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