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Natal 420 anos: A Natal Dos romances potiguares

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Ramon Ribeiro
Repórter 
Mudar é da natureza das cidades. Algumas com mais ou menos velocidade que as outras. E Natal, prestes a completar 420 anos (25 de dezembro), vive conflituosamente isso – é uma transformação atrás da outra, quase uma cidade nova por dia. Mas alguns retratos literários da capital foram feitos ao longo do tempo. A atmosfera da Natal da década de 20, por exemplo, está muito bem registrada no romance “Gizinha” (1930), de Policarpo Feitosa. Já a Natal do Levante Comunista de 1935, foi revisitada por Nei Leandro de Castro em “As Dunas Vermelhas” (2004). O final dos anos 50 estão nas páginas de “Geração dos Maus” (1964), de José Humberto Dutra. O espírito contracultural dos 80, foi traduzida em “Gestos Mecânicos”, de Ruben G Nunes. E por ai vai.
A Natal Dos romances potiguares
Para lembrar a Natal ao longo do tempo na ficção potiguar, a TRIBUNA DO NORTE lista aqui uma série de livros em que a cidade aparece com papel de destaque na narrativa. Dentre as obras, apenas romances e novelas. É um levantamento inédito, não definitivo e, como toda lista, sujeito à revisões.
A tarefa não foi fácil, pois grande parte das obras está fora de catálogo — a reportagem teve acesso aos livros no acervo especial da Biblioteca Zila Mamede. Na pesquisa ficou provado que somos um estado de poetas mais que prosadores. Inclusive, a poesia aparece no estilo de texto de alguns autores aqui presentes. A Ribeira é sem dúvida o bairro que mais serve de cenário. Câmara Cascudo, o personagem real mais recorrente. As praias são meras paisagens se comparadas ao Rio Potengi — metáfora para chegadas e partidas. Já o linguajar local é melhor explorado por Nei Leandro de Castro. 
Consultado pelo jornal, o professor e pesquisador Alexandre Alves conta que a questão do espaço na prosa nacional adquiriu maiores proporções a partir das narrativas realistas do século XIX. “Para Machado de Assis e Lima Barreto, sem cidade não haveria narração”. Em Natal, oficialmente, é a partir do romance “Gizinha” que o ambiente da capital se torna espaço dos prosadores. Porém só ganhando margem robusta passadas algumas décadas da Segunda Guerra. “Os anos 70 e sua brutalidade militarista parecem ter soterrado a presença urbana na prosa local e somente do decênio de 1980 adiante uma nova safra de autores surge para tentar capturar os novos ares da cidade em desenvolvimento”, explica.
O pesquisador Thiago Gonzaga, outro colaborador do jornal, endossa que foi no final dos anos 70 e no transcorrer dos 80 que a literatura potiguar viu surgir um volume considerável de trabalhos. No entanto, o gênero favorito era o conto. “Com o boom do conto no Brasil, o Rio Grande do Norte acompanha o fenômeno, e começam a surgir alguns livros tendo Natal como cenário mais notório, digamos assim”, comenta, lembrando que Natal vai ganhar mais espaço nas narrativas somente a partir do século atual. “É no inicio do seculo XXI que começa um verdadeiro fenômeno na ficção  do RN, e acredito que até mesmo com o que vem acontecendo no Brasil inteiro, talvez por advento das redes sociais, da internet, a facilidade das publicações, enfim”.
Também consultada, a poeta e pesquisadora Diva Cunha atenta para a pouca presença feminina na prosa potiguar. “No início do século XX o índice de analfabetismo era imenso. Apenas uma pequena parcela da população era alfabetizada. As mulheres ficavam nas primeiras letras e viviam limitadas ao mundo doméstico”, explica.
Diva é autora, junto com Constância Lima Duarte, do livro “Escritoras do Rio Grande do Norte” (2003). No trabalho estão listadas 35 escritoras, destas, pouquíssimas escreveram em prosa: Nísia Floresta, Isabel Gondim, Maria Eugênia Motenegro, Zenaide Almeida Costa, Edna Duarte, Clotilde Tavares, Nivaldete Ferreira. “Natal não foi tema de nenhuma delas. Mas no tempo de Nísia, a cidade era uma aldeia e ela foi embora cedo. Madalena Antunes, que esqueci de citar, escreveu sobre o Vale de Ceará-Mirim, sua terra. E Zenaide de Almeida Costa, por exemplo, sobre São Miguel no oeste do estado, sua região. Duas importantes escritoras memorialísticas”.
Não entraram na lista, mas vale o registro, alguns romances que Natal está presente, sem muito destaque, mas está, como “Sumidouro do Espelho”, de Mario Ivo, “Pequenas Catástrofes”, de Pablo Capistrano, “Um beijo e tchau”, de Alex Nascimento, “O Birro de Bronze”, de Waldir Reis, “Temporada de Ingênios”, de João da Rua, e “A traficante do Morro do Careca”, de Geraldo Edson de Andrade. E “Traição e morte na Fortaleza da Barra”, de Demétrio Diniz, contos de ficção histórica em torno do personagem André de Albuquerque. 
Colaborou: Cinthia Lopes, editora

Confira os principais romances 
“Gizinha” (1930), de Polycarpo Feitosa (1867-1955)
Polycarpo Feitosa é pseudônimo de Antonio de Souza, ex-governador do RN que mostrou com esse romance ter dotes literários raros. “Gizinha” é a obra mais antiga da lista, inclusive um dos romances mais antigos e relevantes da literatura potiguar. A narrativa centra-se na história de Gizinha, jovem da classe-média alta de Natal, nos anos 1928, período da belle époque local. A partir de sua história se vê a Natal provinciana, lugar onde todos se conhecem, os costumes da sociedade, os comportamentos políticos, os eventos sociais são nos clubes, no Teatro Carlos Gomes  as idas à praia.
“As Dunas Vermelhas” (2004), de Nei Leandro de Castro
Dos autores potiguares que mais e melhor exploraram Natal em seus romances, ninguém foi tão feliz quanto Nei Leandro de Castro. Além de “As Dunas Vermelhas”, tem “O Dia das Moscas” (1983) e “Fortaleza dos Vencidos” (2009). Mas em Dunas Vermelhas a capital está muito presente, afinal a trama está ligada ao episódio verídico do Levante Comunista na cidade – fato único na história do Brasil. O leitor vai viajar na história conduzido por um texto no melhor estilo de Nei, com riqueza de personagens (alguns reais, como Othoniel de Menezes e o ex-governador Rafael Fernandes), ação, sensualidade, boa dose de humor e linguajar local.
“Rastejo” (2017), de Humberto Hermenegildo
A obra narra a chegada e adaptação de uma família seridoense à capital para morar no Alecrim. Essa transição acontece no início dos anos 70, quando Natal entra num ciclo de profundas transformações urbanas. A narrativa de brilho poético, traduz o sentimento confuso do protagonista, diante do contraste sertão e capital.
“Cidade dos Reis” (2012), de Carlos de Souza (1959-2019)
Neste romance, Natal é praticamente a personagem principal, já que é sobre a cidade que todos falam. Nesse sentido, ninguém foi tão fundo para descrever a capital potiguar. Carlão vai do surgimento da cidade até seus últimos dias, passando por inúmeros eventos e personagens, descrevendo suas sucessivas transformações urbanas. Como é conteúdo histórico é volumoso, a ficção aparece de modo pontual.
“Geração dos Maus” (1964), de José Humberto Dutra
É o retrato da juventude transviada da Natal do final dos anos 50 e início dos 60. Com um texto despojado e ágil que traduz a vitalidade jovem, o autor narra a jornada de Carlos para fugir do tédio na cidade. Ele participa de pega de motos, fuma maconha, enche a cara, sai à caça de garotas, se envolve com um colunista social. É um novela significativa na literatura potiguar, com cenários como a Cidade da Criança e a praia do Forte.
“Cabra das Rocas” (1966), de Homero Homem (1921-1991) 
O cabra da história é João, filho de pescador, morador das Rocas. Ele busca a todo custo passar no exame do Atheneu, escola que na época era reduto da elite de Natal. As Rocas é descrita na história em seus aspectos geográficos (estão lá o rio, a praia, o porto e as dunas) e vivenciais (as práticas da população operária e pesqueira, as festas, crenças e dificuldades). Na trama são mostrados os conflitos sociais de quem, nascido num bairro marginalizado, pretende pra si um futuro diferente. “Cabra das Rocas” é uma obra infanto-juvenil que alcançou abrangência nacional ao figurar na famosa coleção Vaga-lume. Vendeu centenas de milhares de exemplares e foi traduzida para vários idiomas.
“De Como se Perdeu o Gajeiro Curió” (1978), de Newton Navarro (1928-1992)
Novela em que Newton narra a trajetória de fim trágico de um pescador do Areal chamado Curió. A história se passa às vésperas do Natal, em que a comunidade prepara uma bonita festa com apresentações folclóricas, dentre as quais, a Nau Catarineta, em que Curió faz o papel do gajeiro. Natal é desvendada nas passagens do personagem por Mãe Luiza, as dunas das Rocas, o Canto do Mangue, o Beco da Quarentena.
“Gestos Mecânicos” (1983), de Ruben G Nunes O romance foi publicado após ser aclamado em 1981 com o Prêmio Câmara Cascudo, da Prefeitura do Natal, e o Prêmio Elias Souto, da Fundação José Augusto. Trata-se de um “romance-urbanóide”, como o próprio autor define na capa do livro. Os personagens do livro vadiam por Natal. Há o Valtinho, “o Hobin Hood das Quintas”, aquele que salva os pobres das “garras insensíveis do BNH”. Tem Anchieta Fernandes, a banda The Jetson’s, Nazi e até cena de sexo no Motel Tahiti. 
“A Venda Retirada” (1998), de Francisco Sobreira.  Narrado em primeira pessoa por um estudante da antiga Faculdade de Direito da Ribeira. A época é os anos 60, com o bairro ainda movimentado no comércio e nos bares. Alguns personagens reais aparecem na história, como Câmara Cascudo, Agnelo Alves, João Machado e Edgar Barbosa.
“Madame Xanadu” (2015), Aureliano Medeiros.
Neste livro o leitor vai se deparar com a Natal de hoje. Está lá o Nalva Melo Café Salão, onde a protagonista, uma drag queen negra, é garçonete. Enquanto se acompanha a história de Xanadu, também se conhece um pouco do universo LGBT, ao mesmo tempo que se passeia pela cidade, indo, por exemplo, da Rua da Saudade até a o nascer do  sol na Via Costeira.
“Espelho Estilhaçado” (2010), de Moacyr de Góes (1930-2009).
Lançado postumamente, o livro fecha a trilogia natalense do autor, iniciada com “Entre o Rio e o Mar” (1996) e “Chão das Almas” (2005). A obra mistura ficção e eventos históricos, com alguns momentos de delírio, como no capítulo em que é narrada a passagem de John Lennon por Natal.
“O Golem do Potengi” (2007), de José Maria de Figueiredo Rocha Neto Romance que mistura cabala, extraterrestres, fantasia e história onde o personagem principal, o Golem do Potengi, é a reencarnação do mercenário alemão à serviço dos holandeses, Jacob Rabbi. No livro, a trajetória do Golem se confunde com a história de Natal. 
“Madame Collete” (2013), de Caio Flávio Fernandes
Neste romance, a Ribeira dos anos 40 é o cenário. A personagem central é uma carioca que chega à Natal e se torna dona do cabaré mais agitado da cidade. Mulher multi-facetada, ela se torna confidente de autoridades locais, de modo que muitas tramas giram ao seu redor.
“Parnamirim Field – Último Pouso” (2009), de Lenilson Antunes A maior parte dos acontecimentos se dá na Ribeira, em especial, no Grande Hotel. O mote é um plano de espiões seguidores de Hitler para matar o presidente Roosevelt em seu encontro com Getúlio Vargas em Natal.
“Francisca” (2015), de Ana Cláudia Trigueiro
Romance de fundo histórico que vai de 1926 e cruza várias décadas e episódios marcantes, como a passagem do dirigível alemão por Natal, o Levante Comunista de 1935 e a 2ª Guerra  Mundial. Um dos espaços centrais da narrativa é o Orfanato Padre João Maria – hoje Centro de Turismo. Foi de lá que a personagem Francisca saiu, perdendo o contato com sua irmã, que teve destino diferente.
“Beco da Quarentena” (1975), de João Alfredo Cortez (1912-1980).O autor situa seu romance no famigerado Beco da Quarentena, na Ribeira, como se pode ver no trecho: “Ladeiam o Beco velhos pardieiros baixos, que são ocupados por oficinas movelarias, funilarias, casas de comércio, sucata de ferro velho, um café e uma espécie de restaurante em que a imundice impera. (…) Entre os estabelecimentos, encontram-se quartos escuros e abafados (…) Neles se hospedam mulheres que outrora foram famosas por sua beleza e fortuna”.
Natal 420 Anos
A reportagem integra uma série de matérias especiais de fim de ano na TRIBUNA DO NORTE em comemoração aos 420 Anos da Cidade do Natal, celebrados no próximo dia 25 de dezembro. A série aborda diversos temas nas editorias de Cultura, Esportes, Política, Economia e Cidades e segue até a edição impressa do próximo dia 1º de janeiro de 2020. 
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