Ramon Ribeiro
Repórter
“Eu amo essa cidade. Vibro quando vejo algo bacana acontecendo”, diz o historiador nascido em São José do Campestre, mas natalense de coração desde que chegou pra morar na cidade, em 1954. “É uma cidade que mudou muito. Hoje é muito diferente de 20 anos atrás e mais diferente ainda de quando eu cheguei aqui. Lamento muito não poder andar nas ruas com aquela tranquilidade de antes. Vejo coisas na televisão que só via acontecer em grandes metrópoles, como São Paulo. Mas amo essa cidade”.
Sobre a História de Natal só tinha o livro de Câmara Cascudo. Mas ele trouxe a história só até o ano de 44. De lá pra cá, Natal passou por um processo grande de transformação, principalmente da década de 70 pra cá. Foi como se uma nova cidade tivesse se erguido sobre a antiga. Eu observando aquelas transformações fui me convencendo de que alguém precisava escrever uma nova história de Natal. Razão pela qual botei esse título no livro. Mas até publicar foram 40 anos de pesquisa.
Quando eu estava em São Paulo, fazendo mestrado em Sociologia na USP, se batia a saudade da minha terra eu ia pra o acervo de periódicos antigos. Sabia que eles tinham a coleção d’A Republica disponível, o jornal mais antigo do RN. Tinha que le na máquina mesmo, manuseada manualmente. Só dava para aguentar uma hora e meia de pesquisa porque a luz da máquina era fortíssima. Nesse tempo eu já tinha a ideia do livro.
Quando terminei o mestrado, voltei pra Natal e fui continuar a pesquisa do acervo de A República no Instituto Histórico e Geográfico do RN, que também tinha a coleção completa do jornal. Dava aula na UFRN de manhã e à tarde ia para o Instituto. Foram 12 anos lendo e fazendo anotações do jornal A República. Depois passei quatro anos pesquisando o arquivo do Diário de Natal. Outro material riquíssimo. Eu anotava tudo.
Não se faz história sem pesquisa. Tudo que pertencia a história de Natal eu recortava e arquivava. Sempre busquei também conversar com pessoas antigas que nasceram e se criaram aqui, para pegar informações nunca registradas. O pessoal pensa que é fácil contar a história de uma cidade. O trilho por onde a história passa são os documentos. Se você não for atrás dos documentos, pode virar uma obra de ficção. Para dar conta de um projeto desse tamanho é preciso ter muita perseverança.
O livro tem pelo menos 100 páginas sobre como a cidade surgiu. Depois desenvolvo a genealogia dos bairros. É o tema que mais gera procura. Tem bairros que dediquei três, cinco capítulos. Nas escolas, quando os professores pedem para os alunos escreverem sobre seus bairros, é quando se recorre ao meu livro.
A Nova História de Natal foi publicado originalmente na forma de fascículos encartados no Diário de Natal. A ideia veio quando peguei um Diário de Pernambuco e topei com um fascículo sobre a história de Pernambuco. No Ceará, via algo semelhante. Fui à Albimar [Furtado], do Diário de Natal, propor a ideia. Ele topou. Foram mais de 20 fascículos publicados, cada um com 32 páginas. O Diário tinha um acervo fotográfico extraordinário da cidade, então as edições eram bem ilustradas. Foi uma venda extraordinária! Tinha edição de 80 mil exemplares vendidos. Com o sucesso do projeto, a Tribuna convocou uns professores e fez algo semelhante. E no Diário, depois da Nova História de Natal, contei a história do Rio Grande do Norte, também em fascículo, focando nos governadores. Também publiquei uma biografia sobre Câmara Cascudo, e a história dos Mártires de Uruaçu e Cunhau.
Cheguei em Natal em 1954, gostei muito dos anos 50 e 60, antes da cidade começar a crescer de uma forma descontrolada. Natal era como uma cidade do interior nessa época. Vim pra cá no chamado Misto de José Peregrino, um caminhão onde metade era carroceria e a outra era boleia. Vim de São José do Campestre em cima de uma carga de agave que seria vendida aqui. A viagem durou cinco horas (hoje dura uma hora e 15 minutos). Estrada de barro. Quando a gente chegava em Macaíba, onde existia calçamento pela beira do Rio, todo mundo se levantava e batia palma. “Chegamos no céu!”. Fui ver o mar pela primeira vez aqui. Pra mim, que aprendi a nadar em açude, o mar era muito bonito, mas perigoso.
Com a Segunda Guerra a cidade cresceu enormemente. Era muito avião pousando e saindo da Base de Parnamirim todo hora. A população dobrou. O primeiro asfalto da cidade foi feito pelos americanos, era a pista de Parnamirim, durou cerca de 50 anos sem precisar de reparo. Quando cheguei aqui, menino, passamos pela pista. O segundo asfalto foi só com Djalma Maranhão, na rua João Pessoa. A presença americana mudou nossa forma de se vestir. Você pega as fotografias do início dos anos 40, as pessoas estavam nas ruas com paletó, gravata e chapéu. Foram os americanos que vieram com isso de camisa pra fora da calça, uso de jeans, até nosso jeito de ir pra praia. Cascudo mesmo dizia: “Minha mãe gostava muito de tomar banho de praia, mas a roupa dela, juntando tudo, ficava igual a farda da polícia: era pano por cima de pano”.
Não sei o que seria de Natal sem a Universidade Federal. E por incrível que pareça, foi criada por um semi-analfabeto, o governador Dinarte Mariz, que só tinha até o terceiro ano primário. Foi a porta de ascensão para toda uma geração. Muita gente migrou do interior pra cá visando uma educação secundária pra já na sequência entrar na universidade. Porque Natal não é uma cidade rica, né. Não temos indústria. Somos uma população que depende do funcionalismo público, turismo e das demais empresas de serviços. Então a universidade poderia abrir algum caminho. Outro fato relevante é a Sudene, importante para a capital, o interior e toda o Nordeste. Com a Sudene a energia elétrica se espalhou, surgiram rodovias, as distâncias se encurtaram.
Câmara Cascudo é realmente uma figura marcante. Foi professor 50 anos. Não era homem rico. Dedicou a vida dele de tal maneira à cultura, especialmente a do Rio Grande do Norte. Eu me lembro quando era pequeno, corria léguas para ver uma conferência dele. Pra mim, era melhor como orador do que como escritor. Era de falar três horas sem gaguejar, sem repetir palavra, nada. Procurou conviver com todas as facções políticas. Para o livro tive com Cascudo três vezes. Era uma figura carismática. Você encontrava com ele uma vez só e ele já te conquistava. Era incrível. Foi um homem brilhante.
Também admiro muito Diógenes da Cunha Lima. Veio como menino do interior, seu pai era feirante, vendia tecido. Hoje a gente vê que ele prosperou, se tornou uma pessoa de grande importância na cidade. Como reitor da UFRN, direcionou suas ações para as coisas do Rio Grande do Norte. É poeta e escritor que escreve por vocação. E uma mulher admirável pra mim é Noilde Ramalho. Muito inteligente. Tinha a educação como vocação. Dirigiu a Escola Doméstica até morrer. Todo mundo importante que vinha visitar Natal era recebido com banquete lá na Escola. Também criou outra escola, o Henrique Castriciano, e a Faculdade.