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Natal e seus elefantes brancos

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Ricardo Araújo – repórter

Algumas das obras concluídas, subutilizadas e mesmo “fechadas” pela Prefeitura Municipal do Natal, Governo do Estado e União, somam juntas cerca de R$ 212 milhões em investimentos iniciais.  Os valores não incluem os aditivos contratuais.  Elas foram erguidas para tratar esgotos, abrigar complexos culturais e de lazer e expandir o comércio e a economia do Estado. Imponentes, mas sem funcionalidade alguma no momento, muitas vezes por decisão político-partidária.

 Se o intelectual Luís da Câmara Cascudo fosse vivo hoje, poderia  incluir uma nova expressão ao apelidado dado a Natal. O  codinome poderia ser: Noiva do sol e dos “elefantes brancos”. Indo além das zonas Norte e Sul, passando pela região metropolitana, algumas dessas obras poderiam e deveriam estar beneficiando a população. Mas os gestores esqueceram, porém, do conceito de  funcionalidade atemporal ou circunstancial, orientando os projetos com planejamento, equipamentos e funcionários treinados para atenderem ao público e dar utilidade às estruturas físicas.

Em alguns casos, quando esse planejamento existe e o projeto começa a funcionar, o gestor público seguinte coloca o interesse político acima do público e abandona a obra, como é o caso do Parque da Cidade, que há mais de dois anos foi fechado e sua reabertura sucessivas vezes adiada.

E outros casos, como o Espaço João Paulo II, conhecido como Papódromo, a obra não teve um planejamento de uso e nos últimos 20 anos foi subutilizado. O Papódromo foi construído  em uma das áreas nobres e mais valorizadas de Natal. Na época, em 1991, a obra custou Cr$ 270 milhões (de cruzeiros). Um valor absurdo para a época. A estrutura, cujo formato lembra um chapéu de freira, serviu apenas para receber o Papa João Paulo II e os fiéis católicos no 12º Congresso Eucarístico Nacional no mesmo ano.

As reportagens relatando o descaso com o local começaram a ser veiculadas três meses após o evento. O tema, porém, não deixou de ser factual. Hoje,  quase 20 anos depois, a situação permanece a mesma. O prédio abriga hoje um restaurante popular que serve em média 600 refeições diariamente e  a sede da Coordenadoria de  Administração Penintenciária (Coape).

Para a professora do Departamento de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Maria do Livramento Miranda Clementino, falta a aplicação de uma gestão pública mais elaborada. “Do meu ponto de vista, algumas são obras concluídas que  foram erguidas fora de uma politica pública integrada. Foram construídas para atender necessidades pontuais”, ressalta.

Considerada a maior obra de saneamento básico do Rio Grande do Norte, a Estação de Tratamento de Esgotos do Baldo, foi inaugurada pela ex-governadora Wilma de Faria em março de 2010, mesmo sem estar funcionando. A Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern) prometeu sucessivos inícios de operação, sem sucesso. Um ano depois,  falhas operacionais adiam ainda mais o aumento dos índices de saneamento em Natal. Somente 33% da população natalense tem esgoto coletado e desse volume, apenas 30% é  tratado.

Com um plano de mobilidade orçado em R$ 72 milhões advindos do Programa Pró-Transporte e gerido pela Prefeitura Municipal, o complexo viário do conjunto Nova Natal está pronto e inútil. A população que mora às margens do viaduto sofreram com as obras, visualizam acidentes no entorno das vias quase todos os dias e questionam os motivos pelos quais a obra não é, de fato, entregue a quem mais precisa.

Obras:

Espaço João Paulo II – Papódromo
Espaço João Paulo II (Papódromo) - Valor da Obra: Cr$ 270 milhões - Cerca de R$ 15 milhões atuais
– Valor da Obra: Cr$ 270 milhões – Cerca de R$ 15 milhões atuais
– Objetivo: Receber o Papa João Paulo II e em seguida se tornar centro de cultura
– Situação atual: Abandono total. Inaugurado em 1991,  criou-se a esperança de que o espaço fosse um local apropriado para apresentações artísticas e culturais direcionadas a grandes públicos. O local está com infiltrações nas paredes, mato e lixo por todos os lados. 
O objetivo da última
reforma era abrigar restaurante e atividades direcionadas para o público em geral. Só funciona o restaurante.

Complexo Cultural da zona norte
Complexo Cultural da Zona Norte - Valor da obra: R$ 4.985.000,01
– Valor da obra: R$ 4.985.000,01
– Objetivo: Ser um centro de cultura
– Situação atual: Subutilizado. Com a desativação do complexo prisional e com o objetivo de apagar da mente da população da zona Norte, as cenas de terror vividas nos anos em que a prisão abrigou centenas de detentos, o Governo Estadual decidiu construir o Complexo Cultural, entregue noprimeiro semestre do ano passado. Estrutura moderna, salas amplas, auditórios modernos. A maior parte do Centro está, porém, sem ser utilizada. Estima-se que com a conclusão do prédio da Universidade Estadual, funcione em sua plenitude.

Ecocentro do IDEMA
Ecocentro do Idema - Valor da Obra: R$ 5.102.728,73
– Valor da Obra: R$ 5.102.728,73
– Objetivo: Difundir ações de proteção ao meio ambiente
– Situação atual: Obra física praticamente concluída. Deveria ter sido entregue em  31 de dezembro passado. Ocupando uma área de 4,6 hectares, o Ecocentro receberia a parte de gerência ambiental do Estado, como a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) e o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Conema). Além disso, um espaço multimídia, contendo informações dos ecossistemas do estado, seria  disponibilizado.

Viaduto do Pró-Transporte
Viaduto do Pró-Transporte - Valor das obras: Parte dos R$ 72.808.475,86 do projeto
– Valor das obras: Parte dos R$ 72.808.475,86 do projeto
– Objetivo: Desafogar as principais vias utilizadas da zona Norte
– Situação atual: Obra inutilizada O principal objetivo era otimizar o uso da Ponte Newton Navarro, desafogando o trânsito nas vias tradicionalmente utilizadas. A série de modificações integra o programa Pró-Transporte, do Governo Federal. Grande parte do valor foi conseguida com um empréstimo com o Ministério das Cidades, na ordem de R$ 57 milhões além da parceria do  Estado e Prefeitura. O viaduto na Av das Fronteiras está pronto mas liga nada a lugar nenhum.

Parque da Cidade
Parque da Cidade - Valor da Obra: R$ 17.000.000,00
– Valor da Obra: R$ 17.000.000,00 (quando entregue funcionando)
– Valor da reforma: R$ 3,7 milhões
– Objetivo: Área de lazer e proteção ambiental
– Situação atual: Há quase dois anos fechado, por isso precisa de obras derecuperação que estão  atrasadas e sem data para ser concluídas. Aquele que deveria ser um dos principais cartões postais da cidade, por sua beleza, vive dias de penúria. Exemplo de que alguns gestores colocam questões políticas acima da pública.  A população natalense e turistas deixam de usufruir uma bela obra de Oscar Niemeyer.

Estação de Tratamento Baldo
Estação de Tratamento do Baldo - - Valor da Obra: R$ 82.000.000,00
– Valor da Obra: R$ 82.000.000,00
– Objetivo: Tratar esgotos de 21 bairros da capital
– Situação atual: Obra concluída e sem funcionamento. Foi inaugurada oficialmente em março do ano passado, mas até hoje não funcionou.  A ETE do Baldo cumpria desde sua “inauguração” uma interminável programação de testes antes de iniciar suas operações  propriamente ditas. A maior obra de saneamento básico do Rio Grande do Norte, parou de funcionar em caráter de pré-operação desde o dia 23 de janeiro sem qualquer comunicado público.

Presépio de Natal
Presépio de Natal - Valor da Obra: R$ 1.700.000,00
 Valor da Obra: R$ 1.700.000,00
– Objetivo: Ser um ponto de cultura e lazer
– Situação atual: Abandono total. Inaugurada em dezembro de 2006, o Monumento foi idealizado pelos imortais da Academia Norte-rio-grandense de Letras. O projeto arquitetônico foi de Oscar Niemeyer e o painel artístico assinado por Dorian Gray Caldas. O local possui espaço para seis lojas, uma lanchonete, uma área administrativa; dois banheiros públicos; uma praça de 3.200 metros quadrados;  estacionamento e jardim.

Pista do Aeroporto de São Gonçalo
Aeroporto de São Gonçalo - Valor da obra (pista): R$ 60.877.137,46
– Valor da obra: R$ 60.877.137,46
– Objetivo: Pista de pouso e decolagem
– Situação atual: Pista pronta. O acesso à pista é proibido por oficiais do Exército que fazem a segurança no entorno do futuro aeroporto. A estrada que leva ao portão principal ainda é de barro e não há nenhum sinal de obra de infraestrutura das demais partes do aeroporto. O processo burocrático para a construção do Aeroporto se arrasta, mesmo assim já recebeu investimentos de mais de R$ 600 milhões. O início da licitação é previsto para abril.

Construções sem uso somam, pelo menos, R$ 212 milhões

Se dividido pela atual população natalense, aproximadamente 804 mil habitantes, o valor “doado” através dos impostos por cada cidadão para a construção das obras a seguir elencadas, o total individual giraria em torno de R$ 2,63. À primeira vista, um valor um pouco superior à tarifa cobrada pelo transporte público  na capital. Porém, quando multiplicado pelo total de habitantes, a cifra chega à casa dos R$ 212 milhões. Isso sem levar em conta os aditivos contratuais presentes em quase todos os contratos que originaram as obras listadas abaixo. Para se ter uma ideia, o valor aproxima-se da soma dos dois últimos prêmios pagos pela Mega Sena nos finais de 2009 e 2010.

Para muitas pessoas que passam em frente às construções diariamente, aqueles “elefantes” estão ali inofensivos. A população esquece, porém, de que o dinheiro utilizado para erguer obras que estão sem utilidade, saiu dos seus bolsos através dos inúmeros impostos pagos aos Governos Estadual e Municipal e União. Veja abaixo quanto já se gastou com estas obras, os objetivos de cada uma e a situação atual daquilo que se transformou, conforme o dito popular, num “elefante branco”.

Obras de Niemeyer em Natal estão esquecidas

Natal é uma das poucas cidades no Brasil, e até mesmo no mundo, que pode contar com duas obras assinadas pelo renomado arquiteto Oscar Niemeyer. Seus traços estão presentes no Presépio de Natal, no alto da Candelária, e na torre cujo topo lembra o formato de um olho no Parque Dom Nivaldo Monte (conhecido também como Parque da Cidade, no prolongamento da Avenida Prudente de Morais).

 O Presépio de Natal foi inaugurado em 2006e nunca teve uma utilização específica, sendo utilizados esporadicamente para feiras de artesanato. Nem mesmo nas festividades de final de ano, o espaço é utilizado como destino turístico ou palco de eventos culturais.

 No local ainda é possível visualizar uma tela de 10 metros de comprimento por 2 metros de altura do artista plástico potiguar, Dorian Grey Caldas. A pintura foi feita em parceria com Oscar Niemeyer e ilustra diversas passagens bíblicas de acordo com a interpretação do arquiteto e do artista plástico. Para Dorian Grey, a obra “morrerá” se nada for feito a tempo. “Meu sentimento é de tristeza, de pesar”, afirma.

O pintor ressalta que poucos tem a honra de trabalhar com Niemeyer. Além disso, as cidades nas quais existem obras do arquiteto, são respeitadas pela oportunidade de ter um projeto assinado por um dos ícones da arquitetura mundial. “Em todas as cidades em que o arquiteto está presente com suas obras, há uma valorização cultural. Aqui, não existe isso”, comenta Dorian.

Já o Parque da Cidade, que foi inaugurado em 2008 e funcionou em sua plenitude até o início de 2009, encontra-se numa situação lastimável. Após decisões político-administrativas da prefeita Micarla de Sousa, o Parque foi fechado com a desculpa de que obras remanescentes teriam que ser feitas. As obras que ocupavam o salão nobre da torre estão em depósitos.

A estrutura do prédio que abrigava uma biblioteca, salas de áudio-visual, administração e apoio está comprometida após mais de dois anos sem uso. Algumas portas de vidro estão quebradas, parte do teto foi retirada para conserto do ar condicionado e não foi reposta e as placas e monumentos na parte externa do prédio, envelhecem sem manutenção.

De acordo com funcionários que trabalham no local e pediram sigilo de suas identidades temendo represálias da Prefeitura, as obras de recuperação da estrutura– necessárias devido o abandono do Poder Público – caminham a passos de “tartaruga baiana”, conforme descreveu um dos empregados. A empresa contratada para realizar os serviços deveria concluir a reforma este mês, mas solicitou mais 90 dias à Prefeitura.

Para professora, quem paga pelo descaso é o cidadão

A professora Maria do Livramento afirma que, empreendimentos como o Papódromo, por exemplo, foram construídos para uma ocasião passageira e depois foram esquecidos. “Equipamentos como este não foram pensados para integrar uma gestão pública”, analisa. Para ela, a única saída para ressuscitar obras como esta seria um choque de gestão intergovernos (Estadual e Municipal).

Ainda em 1991, o então secretário que respondia pela pasta da Indústria e Comércio Estadual, Mário Roberto Filgueiras Barreto, assegurou que o Papódromo seria utilizado para realização de eventos artísticos e culturais. Inúmeras tentativas foram realizadas, todas fracassaram.

Na tentativa de modificar o histórico de abandono do local, o Governo Estadual realizou uma obra de revitalização do espaço. O complexo foi incorporado ao Centro Administrativo com o intuito de abrigar restaurantes, feiras de artesanatos, espaço para a apresentação de manifestações culturais e educativas. Desde então, somente o projeto do restaurante foi posto em prática.

Referindo-se não apenas ao Papódromo, mas a todas as obras que estão sem utilidade hoje, Maria do Livramento diz que: “Falta integrar estes equipamentos urbanos a uma política cultural mais ampla. Os governos devem interagir e discutir o que fazer com essas obras. Quem paga pelo descaso é o cidadão”, ressalta.

Embora Natal seja carente de espaços culturais, as principais obras já concluídas e ainda sem utilidade na Capital deveriam estar disponíveis para a cultura e o lazer da população. Um outro exemplo de falta de planejamento de utilização é o Centro Cultural da Zona Norte, inaugurado no primeiro semestre do ano passado. A obra – que deveria abrigar uma galeria/pinacoteca, praça de alimentação, cinco salas para a realização de oficinas de trabalhos manuais, uma sala para inclusão digital, seis lojas de artesanato, quatro lojas para alimentação, dois mini-auditórios – cada um com capacidade para 60 pessoas – e um auditório para 260 pessoas – está sendo subutilizado e não há qualquer projeto de aproveitamento total da área construída.

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