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Natal tem 223 moradores de rua

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Vitor Leite veio tentar a sorte em Natal depois de perder emprego e se separar da mulher, com quem tem uma filha de sete mesesSara Vasconcelos – Repórter

Moradores de rua quase sempre são vistos como um incômodo problema social, tanto por gestores públicos, que não conseguem encontrar mecanismos para mudar a realidade, quanto por quem é abordado na busca por um trocado. Em Natal, de acordo com a Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua, realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), de agosto de 2007 a março de 2008, foram identificadas 223 pessoas em situação de rua.  Desse total, segundo o levantamento, 83% do sexo masculino e 17% do sexo feminino. Mais da metade, 55%, é considerada adulta com faixa etária entre 25 e 44 anos, analfabetas ou semi-analfabetas. Em geral, estas pessoas trazem históricos de dependência química, conflitos familiares ou mesmo doença mental. Alguns estão desde a infância nas ruas.

Um estudo realizado em janeiro deste ano, pela Secretaria Municipal de Trabalho e Ação Social (Semtas), identificou que somente 70 deles são de Natal. Os demais são oriundos de cidades do interior  ou mesmo de Estados vizinhos. Entretanto, conforme reconhece a assistente social e coordenadora-geral  do Departamento de Proteção e Ação Social Especial, Verônica Dantas, não há como especificar um total, uma vez que boa parte se caracteriza como andarilhos, que percorrem várias cidades com permanências irregulares em cada uma delas. Ou ainda o movimento sazonal percebido durante algumas épocas, como período natalino e verão, aproveitando o sentimento de solidariedade e presença maior de turistas na cidade.

Os programas de assistência a esta população se limitam hoje ao mapeamento e identificação dos casos, realizado por meio do projeto Busca Ativa, e a tentativas de reinserção familiar, além de inclusão em cursos profissionalizantes ou educativos, e cadastros em programas sociais, como o Bolsa Família, Peti, dentre outros. “É um trabalho de articulação e conscientização, no sentido de buscar soluções, enquanto não há espaço físico para abrigar. Não temos para onde levar”, explica a assistente social Giselle Mary Paiva da Cruz Silva, coordenadora do Centro de referencia Especializada em Ação Social. O projeto viabiliza ainda a obtenção de documentos e assistência médica.

A assistente social ressalta que o problema é maior do que demonstram os números, por recair em situações de “estratégias de sobrevivência”. Significa dizer que assegurar uma renda mínima nem sempre é sinônimo de solução. Boa parte dos indivíduos em situação de rua, possui casa e família, mas para não perder o benefício, resistem a sair da condição de extrema pobreza.      

Albergue Noturno terá  72 moradores de rua

Para tentar amenizar a situação de quem dorme ao relento, um albergue noturno será aberto nos próximos 45 dias, segundo estimativa da Prefeitura do Natal. O abrigo será instalado no prédio onde funcionou o antigo Hotel Central, na Ribeira. Outros dois equipamentos – uma casa de passagem para adultos, na Rua Trairi,  e uma Central de acolhimento, serão abertos até outubro. O abrigo provisório representa um investimento de  R$ 127.535,24, para reforma do prédio. A contrapartida da prefeitura é de  R$ 11 mil e o restante do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS).

O albergue atenderá a 72 pessoas em situação de risco e vulnerabilidade social, com idade superior a 18 e inferior a 60 anos. Os albergados serão acomodados em 19 quartos com, no máximo, quatro pessoas por ambiente, distribuídas em ala masculina e feminina. O horário de atendimento será das 17 às 9h do dia seguinte. “Precisaríamos de mais vagas, mas este é o primeiro e a capacidade corresponde a estrutura do antigo hotel”, afirma a diretora do Departamento de Proteção e Ação Social, Verônica Dantas. 

O critério para ter direito a passar a noite em local aquecido, com cama,  jantar e café da manhã, pontua Verônica Dantas, será a comprovação de não ter para onde ir. “Quem não tem casa ou familiar que possa receber”. O recrutamento será feito por abordagem em rondas durante as noites, além de demanda espontânea.

No contraturno, os usuários poderão participar de cursos profissionalizantes, oficinas, seminários, palestras e atividades de convivência, arte e lazer, oferecidos pelo Departamento de Qualificação Profissional da Semtas.  “Trabalharemos o problema de drogadição, com encaminhamento para fazendas e comunidades terapêuticas, para dar opção de tratamento”, conta. A secretaria possui convênios com sete fazendas no Estado e Pernambuco.

Abandonado pela mulher, eletrotécnico mora na rua

Os bons modos e o jeito polido de se comunicar não deixaram o eletrotécnico Vitor Osmar Leite, 36 anos, passar despercebido em meio ao grupo de moradores de rua, abrigados sob a marquise de uma loja de informática, na Avenida Prudente de Morais, numa noite fria de julho. O pernambucano veio tentar a sorte em Natal, depois de perder o emprego e se separar da mulher, com quem tem uma filha de sete meses. “Dois dias depois que cheguei aqui, fui assaltado e perdi documentos e tudo que tinha. E há dois meses durmo na rua”, conta. Vitor lembra que buscou em vão assistência junto à Prefeitura, para conseguir passagem para retornar a Recife e retirar novos documentos, mas sequer conseguiu  entrar no prédio. A recusa ao pedido serve como estímulo. “Resolvi que se cheguei aqui como gente, vou voltar como gente”. Para isso, o artesão, que cursou até o 3º período do curso de Matemática na UFPE, passa o dia catando latinhas de refrigerante, que são transformadas em pequenos cinzeiros, vendidos a R$ 1. Na sacola, que serve como travesseiro, duas mudas de roupa e um cobertor  o acompanham o dia todo. À noite, a calçada serve de cama para outros dez. A realidade de pobreza e violência, acentuada pela falta de políticas públicas específicas para esta parcela da população  “faz de todos ali, vítimas e resistentes”, acrescenta o pernambucano em referencia aos “parceiros” da calçada. Durante a entrevista, alguns deles afiavam facas no chão, como forma de intimidar a equipe. Outros, visivelmente embriagados, questionavam a importância que tinham para estar em matérias de jornal e pediam soluções para suas vidas. Ao lado, enrolado em lençóis sujos, o cearense Francisco Ferreira tentava dormir. Imerso desde criança naquele universo paralelo, disse não se importar com o barulho, ou os flashes da câmara. A sopa distribuída por voluntários da Paróquia de Cristo Rei, em Pirangi, por volta das 21h, era a primeira refeição do dia. “A vida é essa mesmo, não espero nada mais. Quando não está bom, procuro outro destino”, disse o andarilho.

O comércio fecha as portas. E logo a avenida Coronel José Bento (antiga Avenida 3) e adjacências, no Alecrim, passam a ser território de quem não tem para onde ir. Ou tem, mas por algum motivo não retorna. Há quase dez anos, a via é o endereço adotado por João Maria Paulino da Silva, 29, desde que decidiu não voltar para Monte Alegre. Usuário de crack, teve o primeiro contato com drogas aos sete anos, quando fugia de casa para pedir esmola nos sinais. “Era pra matar a fome ou curtir um barato, que a gente cheirava cola. Mas o crack é uma praga. Destrói tudo e não consigo parar”. As internações temporários para desintoxicação no Hospital João Machado não surtem efeito e ele critica a falta de tratamento continuado no sistema de saúde pública. “Não adianta. Vou, mas acabo voltando. É mais forte. Se eu pegar dinheiro, eu desço pra boca. A solução é ir pra fazenda”, diz em referência às unidades terapêuticas para tratamento de usuários de drogas e álcool. A poucos metros dali, protegendo pedaços de papelão como rico patrimônio, o menor André Soares, 17, lamenta a saudade da família. Há três meses, ele está proibido de voltar devido a rixas com gangues no bairro onde mora, na zona Oeste de Natal. “Não é a primeira vez”, revela.

Sopão

Quarta-feira é dia de comida quente e palavras de fé distribuídas pela pastoral do sopão, da paróquia de Pirangi, zona Sul. Há mais de dez anos, o grupo de voluntários percorre as ruas da cidade. Segundo o pároco Alfredo Costa de Oliveira Filho, a iniciativa é inspirada nas ações de madre Tereza de Calcutá de acolher “entre os pobres os mais pobres”. Todos os produtos usados na preparação de quase 100 litros de sopa são comprados pelo dízimo. Cerca de 20 pessoas aguardam a pick-up no primeiro ponto de parada, nas proximidades do Makro. Entre eles está Carlos Roberto da Cruz, 49, que está nas ruas há mais de 15 anos “desde que perdeu a batalha para o álcool”. O morador de rua já foi comerciante, pintor e servente de pedreiro, não tem notícias dos filhos há anos. “Sei do desgosto que causei”. Para garantir a refeição, ele está a cada noite em um ponto diferente. O coordenador do projeto Fabiano Machado Melo conta que ao longo do tempo, se estabelecem vínculos e os voluntários conhecem a todos pelo nome. “Quando alguém falta a gente percebe. Os outros dão notícias. É um trabalho gratificante e humano”.

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