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Nem tudo era a paz de Deus

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Tomislav R. Femenick
Escritor
A cidadezinha tinha uma população de um pouco mais de trinta mil pessoas, composta por católicos (cerca de oitenta por cento) e membros da Assembleia de Deus, que conviviam pacificamente. O padre sempre era convidado (e comparecia) às festas maiores dos evangélicos, assim como o pastor se fazia presente às celebrações maiores dos católicos, inclusive na procissão de São Sebastião, o padroeiro local. O padre, por ser padre, vivia sozinho na casinha paroquial e o pastor, desde que enviuvara, também morava só. Além de pregadores da palavra de Deus, um outro assunto os unia: ambos eram viciados no jogo de xadrez. O problema era que os outros jogadores do lugar eram principiantes ou desajeitados. Então, todas as noites, logo após o frugal jantar de cada um deles, os dois iam jogar uma partida de xadrez, tomando café e fumando charuto – estes sempre presentes dos respectivos rebanhos.
O único ponto de divergência, porém não de atrito, entre as duas comunidades era o badalar dos sinos na igreja católica, quando morria algum de seus integrantes e, também, durante o cotejo do enterro. Eram quatro batidas em staccato, duas graves e duas agudas. O pastor sempre protestava, o padre alegava que não tinha o que fazer e tudo se repetia até a próxima morte.
Outra peculiaridade: as batidas de chamamento de missas e outras celebrações católicas eram efetuadas por João Aleixo, enquanto que as que anunciavam morte e enterros eram feitas por Sebastião Nunes. Além de atuarem juntos na igreja, eles eram bons amigos, tanto é que viviam em casa conjugadas e ambos eram mestres pedreiros, no mais das vezes trabalhando juntos. 
  Certa noite, estavam o padre e pastor jogando xadrez, tomando café e fumando charuto, quando o sino da igreja tocou enfurecido e, após reduzir o badalar, terminou por silenciar. Os dois saíram correndo para a igreja. Lá chegando, encontram os vizinhos aglomerados na porta, que estava fechada à chave. O Sebastião já estava com a sua chave na mão, abrindo a porta principal do templo. Quando entraram, deram com uma cena desconcertante: João Aleixo estava pendurado pelo pescoço, na corda do sino. Ao chegarem perto, notaram que ele também tinha um corte na barriga, porém sem que houvesse sangue no local. Conclusão óbvia: o sineiro tinha sido esfaqueado e morto em outro lugar, trazido para a igreja e pendurado na corda do sino, para simular um suicídio.
Chamada a polícia, esta veio e trouxe o escrivão Pereira, conhecido por desbaratar enigmas. Sua análise dos fatos foi simples: se a igreja somente tinha duas chaves e uma delas estava com o morto, o assassino era quem tinha a outra chave, pois saíra e fechara a porta.
 Portanto, Sebastião Nunes era o criminoso. Restava saber o porquê do crime. Antevendo uma ação ligado a crime passional, o escrivão interrogou a viúva e essa confessou tudo: estava tendo um caso amoroso com João Aleixo, seu marido descobriu e matou o rival com uma facada. Após o crime, levou o corpo para a igreja e o pendurou na corda do sino, para fazer parecer suicídio. 
Com um dos sineiros morto e o outro preso, ficou criado um problema para o padre: arranjar pelo menos um substituto para tocar as batidas de chamamento de missas e outras celebrações católicas. Ninguém quer assumir o cargo de sineiro. 
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