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Nem tudo está perdido

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Cláudio Emerenciano [ Professor da UFRN]

O homem se supera em cada momento, circunstância e desafio de sua existência. Avança, inova, amplia, descobre e renasce. Tudo na vida é um novo passo. Uma etapa que agrega e move, individual e coletivamente, a ascensão da condição humana. Há retrocessos, contradições, iniqüidades, misérias, injustiças, desencantos, atos insanos de violência e estupidez. Essa torrente de negação do sentido da vida não inviabiliza a ascensão espiritual, cultural, ética e moral do gênero humano.

Viver é nascer continuamente; renascer incontidamente. Não é a civilização que define o homem. É o homem que sedimenta o teor e o peso de uma civilização. Uma iluminação transcendental, inesgotável, renovada sem fim. É a presença de Deus entre os homens. Projeta para cada pessoa o caminho das estrelas, isto é, a visão e a perspectiva do infinito. O Eclesiastes é imutável e irrevogável. Cabe-nos captar e entender seu sentido, atualizando-o: “Não há nada de novo abaixo do sol”. Sendo assim, o homem jamais pode renunciar ao seu atributo natural e legítimo de avaliar, questionar, buscar, desvendar, vincular e sonhar. Sobrepujar a si mesmo, como Ulisses na “Odisseia”.

Os tempos atuais, segunda década de um século e ainda prelúdio de um novo milênio, suscitam novos desafios. Ostentam antigos e novos enigmas. Germinam dúvidas, medos e ansiedades, que semeiam incertezas e perplexidades. As respostas, paradoxalmente, procedem muito mais dos sentimentos do que da razão. Emergem muito mais da alma e dos corações dos homens do que da aquisição e fruição de coisas materiais. Resultam, predominantemente, de crenças e valores do que de status social. Aprimoram-se no ato de partilhar e, de modo algum, na volúpia em ter e conquistar. Fundamentam-se na solidariedade e em atitudes, opções e laços sem submissão a bens e riquezas.
Não estamos enveredando num novo regresso.

Não voltamos ao passado que se perdeu. Mas ao passado que se converteu em presente para apontar, delinear e entrever os caminhos de sublimação da condição humana. O gênio de Goethe vislumbrou, no último momento de sua vida, a dimensão da identidade entre Deus e os homens; entre a origem e a destinação da humanidade. Proclamou que toda e qualquer solução para os conflitos e antagonismos à vida humana revela a supremacia da luz sobre as trevas, da luminosidade sobre a escuridão, da vida sobre a morte, da paz sobre a guerra, do amor sobre egoísmos, da fraternidade às violências. Essa consciência universal ensejaria melhor utilização das inovações científicas e tecnológicas. Sedimentaria na humanidade, irreversivelmente, o verdadeiro discernimento dos desafios existenciais: o primado da lucidez e da serenidade. Jamais o mal alçará o homem às alturas. Uma das lições destes tempos de pandemia, é o clamor do homem comum por paz, serenidade, equilíbrio, sensatez e fraternidade. Eis a verdade para o homem, alçando-o às alturas sem fim.

Thomas Merton, muito jovem, renunciou à fortuna, ao luxo, à notoriedade e às paixões do mundo. Misto de pensador e homem de fé, escritor admirável, depois frade trapista. Em “Amor e Vida” relembrou que Jesus Cristo dimensionou o papel da verdade para o homem: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. Caminho, verdade e vida se integram, misturam-se, completam-se. Harmonizam-se com o sentido da Criação. São um amálgama perfeito, indestrutível, inexcedível e insuperável. O medo, a ansiedade e a insegurança dos nossos dias refletem ausência ou abdicação de ações e valores, que emanam da original substância da vida. Os homens podem e devem identificar dentro de si mesmos o que os torna grandes, intemporais, criadores e permanentes. Em todos os lugares do mundo, nas cidades cosmopolitas ou nas aldeias mais esquecidas, pobres e perdidas de todos os continentes, o gênero humano reclama restauração de valores éticos e morais que o dignifiquem incessantemente. Há milênios atrás, na Atenas do helenismo, Péricles, em discurso monumental, que devassou os tempos até hoje, disse que o reconhecimento aos que engrandecem a coletividade não é um direito.

 É um dever. Dever de gratidão, mas essencialmente mister de dar continuidade às aspirações da alma coletiva, pelas convicções que se irradiam dessas atitudes e desses exemplos. André Malraux, na oração fúnebre de Charles de Gaulle, intitulada “Quando os carvalhos se abatem”, disse que a civilização se perpetua por atitudes e sonhos de pessoas incomuns, cujas vidas inspiram o caminhar das novas gerações. Essas reflexões foram precedidas, anos antes, em dois romances geniais do autor: “A condição humana” e “A Esperança”.

O primeiro transcorre em ambiente de degradantes misérias e injustiças no Vietnã sob domínio colonial da França. O outro em cerco da cidade de Toledo, na Guerra Civil da Espanha (1936/39). Mergulha em motivações, ansiedades, angústias e  esperanças dos combatentes, especialmente dos republicanos, que defendiam, brava e estoicamente, aquela cidade histórica, milenar e patrimônio da civilização. Passado e presente nem sempre se contrapõem. No âmbito cultural, estritamente antropológico, vinculam-se um ao outro. Convertem o transcurso do tempo pretérito num legado vigoroso de sonhos, ideais, hábitos, costumes, experiências, tradições e instituições.

 É uma vertente, que transpõe circunstâncias e tempos em amplitude planetária. É o rumar da humanidade. Incertezas, perplexidades, desânimos, temores, inseguranças, medos e decepções, que se alastram mundo afora, são circunstanciais, efêmeros, fugazes e insuscetíveis de lastrear hábitos, costumes e tradições. Pelo contrário. Deverão esgarçar-se como folhas mortas sacudidas pelo vento. É o epicentro da crise que, de tempos em tempos, assola a humanidade. O terror, a violência, a loucura frenética de certos governantes e as ameaças de rupturas, que disseminam desassossego aos cidadãos comuns, independentemente do seu status social, são estertores do mal. Mas nada extingue a substância e o sentido do bem e da vida.     

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