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No Quartier Latin surge a radioatividade

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Carlos Alberto dos Santos
Professor aposentado pelo Instituto de Física da UFRGS / Professor Visitante da UFERSA / [email protected]

Quem descobriu a radioatividade? Invariavelmente a resposta será: Becquerel. É assim que consta em todos os livros didáticos e em toda a literatura historiográfica publicada até recentemente. No início dos anos 1990, durante seu pós-doutorado londrino, Roberto de Andrade Martins nos mostrou que a história não é bem assim. Quatro anos depois, a escritora estadunidense Suzan Quinn fez algo parecido ao escrever a biografia de Marie Curie. É verdade que foi Becquerel quem observou pela primeira vez o fenômeno que, um ano e meio depois Marie Curie identificou como sendo a radioatividade. Ou seja, o fenômeno foi observado por Becquerel, mas quem o explicou pela primeira vez foi Marie Curie, com a colaboração do seu marido Pierre Curie.

Agora, o que poucos sabem é que tudo isso aconteceu no Quartier Latin, no entorno do campus da Sorbonne, sem que houvesse qualquer contato profissional entre Becquerel e o casal Curie. Becquerel trabalhava no Museu de História Natural (MHN), na rua Cuvier, 57. Pierre Curie era professor da Escola Superior de Física e Química Industrial (ESFQI), na rua Vauquelin, 10, a um quilômetro do MHN. Marie Curie foi autorizada a realizar suas pesquisas em um inóspito galpão abandonado, pertencente à ESFQI, com saída para a rua Lhomond, 12.

Em fevereiro de 1896, Becquerel tinha observado os raios emitidos por um sal de urânio. Em dezembro de 1897, Marie começou a investigar os “raios urânicos”, e em julho de 1898 mostrou que o fenômeno não era uma particularidade do urânio. Compostos de tório também emitiam aqueles raios misteriosos que ninguém sabia do que se tratava. Logo depois ela e Pierre descobriram um novo elemento químico que também emitia os tais raios. O elemento foi batizado polônio, em homenagem ao país de nascimento de Marie. Foi aí, que a Madame Curie cunhou os termos radioatividade e elementos radioativos. Então, foi de fato ali, no número 12 da rua Lhomond, que nasceu a radioatividade.    

Em dezembro daquele ano miraculoso, o casal Curie descobriu um elemento radioativo mais potente que todos os anteriores; era o rádio. Portanto, em menos de um ano, o casal Curie identificou corretamente a natureza do fenômeno observado por Becquerel, e descobriu dois novos elementos radioativos. Em 1903 eles dividiram o prêmio Nobel de física com Becquerel.

A partir daí as condições materiais para a realização das pesquisas do casal Curie mudaram completamente. Em outubro de 1904 Pierre foi nomeado professor titular da Sorbonne, e com o cargo ganhou um pequeno laboratório na rua Cuvier, 12. Pronto, os locais da radioatividade que distavam um quilômetro, vão para a mesma rua. Naquele momento essa era a rua mais radioativa do mundo, e por uma dessas ironias do destino, Pierre foi passar seus últimos anos de vida trabalhando ao lado da casa onde nascera em 1859; no número 16 da rua Cuvier.

A parte da Sorbonne que passa na rua Cuvier é hoje o Campus Pierre e Marie Curie, ou Universidade Pierre e Marie Curie (UPMC). Antes da criação da UPMC aquele espaço era conhecido como Campus Jussieu da Sorbonne. Muitos físicos brasileiros fizeram cursos de pós-graduação e estágios de pós-doutorado ali. Trata-se de uma região rica na história científica e cultural francesa. A menos de dois quilômetros da rua Cuvier fica o icônico Hospital da Salpêtrière, onde Freud fez sua residência médica. A menos de um quilômetro fica o panteon, e para quem gosta de livros, ao lado do panteon fica a fantástica biblioteca Sainte-Geneviève.

A exatos 700 metros da rua Cuvier, fica a Mouffetard, a rua mais antiga e uma das mais pitorescas de Paris, que os parisienses chamam simplesmente de La Mouffe.  A grande quantidade de bares, restaurantes, e o seu mercado de rua, permitem a degustação de toda a culinária francesa, se preferir, em um único dia.   

Mas, se tudo isso enche o imaginário do turista eventual, algumas particularidades decepcionam o conhecedor da história da radioatividade. Por exemplo, não há qualquer placa informando que naquele número 57 da rua Cuvier Becquerel fez suas primeiras observações sobre o fenômeno. O mesmo acontece com o número 12 da mesma rua. Nenhuma placa informando que ali o casal Curie trabalhou a partir de 1904. Felizmente todas as informações sobre essa icônica descoberta encontram-se bem preservadas e magnificamente expostas no Museu Curie, que merece uma crônica especial.

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