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No tempo de Meira

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Abro o envelope grande de papel madeira e de lá de dentro tiro um maço de cartas e bilhetes de Meira Pires. São muitas. Passam de duzentas: cartas, bilhetes, cartões. Devo ter outras dezenas por outros cantos, misturadas com outros papéis que não consigo organizar apesar de várias tentativas. Bilhetes que encontro às vezes entre as páginas de livros que descansam em seus cantos. Meira era vulcânico também em sua correspondência. Tinha dia que me chegavam aqui na redação três bilhetes seus em horas alternadas. Coquinho e Pedro secaram as pernas de tanto vir e ir entre a Tavares de Lira ou a Nísia Floresta e o Teatro. Pedro está vivo aí para confirmar. Isso durou mais de vinte anos. Acho que uns trinta. Este envelope tem as cartas e bilhetes dos anos 70, entre 75 beirando 80 e a carta que abro agora é datada (muitas Meira não datava) de 28 de agosto de 1975 e diz assim:

“Estimado e querido Woden:

Acho que as notas abaixo interessam a você e a Tribuna, até mesmo pra entrevista. Ei-las:

1 – Orlando Miranda, Diretor do Serviço Nacional de Teatro, e Aldomar Conrado, Diretor do Museu do Som desse órgão, estarão em Natal no dia 2 de setembro para gravar o meu depoimento para o Museu, destinados à memória do teatro brasileiro. Os entrevistadores locais: você, Celso Silveira, Sanderson Negreiros, Newton Navarro e Veríssimo de Melo. A gravação será feita no dia 03 de setembro às 10 horas da manhã no Teatro.

2 – Agora, a BOMBA: Está concluída minha transa com Nelson Pereira dos Santos. Junto cópia xerox do telegrama que dele acabo de receber. Estou aguardando a carta. Na primeira quinzena de setembro, no final da mesma, ele virá a Natal acertar tudo comigo. Passará aqui o fim de semana conforme disse, ontem, por telefone a Marcus, meu filho. Continuo, assim, embora modestamente, honrando a nossa terra e lutando só e bravamente. Acho que as notas aqui descritas merecem acolhida. Um forte abraço de Meira Pires.”

Meira lutava bravamente para que a sua peça “João Farrapo”, que trata do drama da seca, fosse filmada. Tinha sido um sucesso teatral na montagem dirigida por Hermilo Borba Filho. Fiz parte do elenco e foi um sufoco conviver com as pressões do autor. Meira era implacável na sua ansiedade, vinte e quatro horas de marcação inflexível dentro da grande área. Quando surgiu a possibilidade do seu texto ir para o cinema foi, então, uma loucura. Confira o telegrama do diretor Nelson Pereira dos Santos, que ainda passeava sobre o sucesso de Vidas Secas, de Graciliano, já um mito do cinema novo, e hoje gozando o ócio da imortalidade acadêmica durante os chás semanais da Academia Brasileira de Letras:

“Prof. Meira Pires – Teatro Alberto Maranhão – Natal RN: Li João Farrapo vg Excelente material argumento cinematográfico pt Aguarde carta pt Nelson Pereira dos Santos”

Nelson veio. Foi recebido pelo governador do Estado, que era Tarcísio Maia, esteve no Conselho Estadual de Cultura, deu entrevistas à imprensa. Muito festejado. Houve um jantar na casa de Meira, que era na rua Conselheiro Brito Guerra, sombreada pelos morros do Tirol. Lembro-me bem dos belos olhos da atriz Maria do Rosário Nascimento, que acompanhava Nelson. O filme ia sair. Entusiasmo geral. O Bandern iria financiar, a Embrafilme patrocinar. O elenco escolhido. Os atores Othon Bastos e Jofre Soares, definidos, e falava-se até na Norma Benguell.

O tempo passou, passou, passou. As cartas e os bilhetes de Meira se sucederam dando conta do que ia acontecendo pelos bastidores da burocracia. Nelson ainda fez umas duas ou três viagens, uma delas com o cineasta Roberto Farias, diretor da Embralfime. O tempo passou, dois, três anos e o filme não saiu.

Cascudo, Ariano, os Sertões

A revista Continente – Documento, que está nas bancas de Natal é dedicada a Luís da Câmara Cascudo, sua vida e sua obra. Reúne textos assinados por Raimundo Arrais, Humberto Hermenegildo de Araújo e Vicente Serejo, além de uma crônica de sua filha Ana Maria Cascudo Barreto. O ensaio mais amplo é do Raimundo Arraes, que é professor do Departamento de História da UFRN e tem o título de “Câmara Cascudo, a vida dentro da obra” e está dividida em vários capítulos. O trabalho de Humberto Hermenegildo, que também é professor da UFRN (Departamento de Letras), onde ensina Literatura Brasileira, tem como título “O escritor Câmara Cascudo. O artigo de Vicente Serejo recebeu o título de “Cascudo, o costume e o Direito”.

A revista traz ainda dois textos do próprio Cascudo, “A bengala de Gilberto Freyre”, que ele publicou no jornal A Imprensa, de 14 de março de 1924, e “Um provinciano incurável”, publicado em 1968 pela revista “A Província”, editada pela Fundação José Augusto. Em “Um provinciano incurável”, Cascudo pinta o seu auto-retrato em três por quatro, começando assim: “Nasci na Rua das Virgens e o Padre João Maria batizou-me no Bom Jesus das Dores, Campina da Ribeira, capela sem torre, mas o sino tocava as Trindades ao anoitecer. Criei-me olhando o Potengi, o Monte, as margens da Aldeia Velha onde vivera, menino como eu, Felipe Camarão”.

Uma edição para ler e guardar.

Já a revista Continente-Multicultural, de agosto, é também dessas que a gente lê, se delicia e guarda para aqui e acolá, reler e treler. A capa é Quaderna, de Ariano Suassuna, na montagem teatral do diretor Antunes Filho, em cartaz em São Paulo. O romance A Pedra do Reino, mostrado agora no palco. A reportagem “A volta de Quaderna” é assinada por Alexandre Bandeira. São 13 páginas sobre a obra de Ariano que também está sendo transportada para a televisão pelo diretor Luiz Fernando Carvalho. As filmagens vão começar agora em janeiro em Taperoá, Paraíba. A matéria se completa com uma entrevista com Ariano: “A Pedra do Reino é o meu universo”.

Mais adiante tem a coluna de Ronaldo Correia de Brito, “Entremez”, em que ele aborda o sertão: “A Invenção do sertão” É um dos mais belos e fortes textos que eu li sobre o sertão. Ronaldo Correia de Brito, cearense daquelas bandas do Crato, radicado no Recife, é um dos maiores escritores deste país. Faz literatura, faz teatro, faz cinema, faz música e ainda tem tempo para fazer medicina. O seu livro Faca também está no projeto de Luiz Fernando Carvalho para seriado de televisão.

Repito Ronaldo Correia de Brito:

– O sertão habita em nós, mesmo quando já não o habitamos. O sertão é como Deus definido por Hermes de Trimegisto, uma circunferência cujo centro está em todas as partes e a periferia em nenhuma. O sertão é essência, o miolo, o cerne. É marca de ferro que nos queima e não se desfaz. O sertão é o silêncio das pedras, as ausências. O sertão não existe, é pura invenção dos poetas.”

O sertão também pode ser como o sertão de Oswaldo Lamartine de Faria, que  deu esta semana bela e dolorida entrevista para Sérgio Vilar, no caderno Muito, do Diário de Natal. Sérgio  quis saber o que é hoje o sertão para o grande escritor de todos esses sertões.

– É um mundo que se foi, respondeu Oswaldo.

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