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No tempo em que os animais falavam

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Paulo Coelho
Escritor

Quando eu era criança, grande parte das histórias começavam com duas frases: a primeira e mais conhecida é “Era uma vez…”

A segunda, e também muito conhecida do brasileiro, era: “No tempo em que os animais falavam…” Talvez esta tradição tenha começado com as fábulas de um antigo escravo, Esopo, que viveu há mais de 2.500 anos. Sua origem é também lendária; seu lugar de nascimento varia, segundo a enciclopédia consultada, da Grécia à Etiópia. Mas isso não tem a menor importância, seu legado atravessou o tempo, fez sucesso em todas as gerações, e continua vivo até hoje.

Volta e meia releio seus ensinamentos, e me parecem mais importantes que o de muitos filósofos atuais. A seguir, algumas das fábulas onde usa a raposa como tema; a força de suas histórias é tão forte que até hoje o pobre animal passou a ser sinônimo de esperteza.

A raposa e o rei macaco

Os animais decidiram que o rei do grupo seria eleito por aquele que dançasse melhor. Depois de uma grande festa, onde todos participaram, o macaco recebeu a coroa.

Ciumenta, a raposa foi passear pelas redondezas. Ali descobriu uma armadilha intacta, com comida dentro. Mais do que depressa, pegou-a e a trouxe até o grupo:

– Achei este banquete, e me vi na obrigação de entregá-lo ao nosso rei, que terá prioridade sobre tudo.

Sem pensar muito, o macaco colocou a mão para pegar a comida, e ficou preso na armadilha.

– Você me traiu! – gritava ele.

– Como assim? Eu nem tentei pegar a comida! Mas pelo menos vimos que não estás preparado para o cargo; um animal inteligente jamais toma uma decisão sem antes pensar muito sobre todas as possibilidades e perigos envolvidos.

A raposa com o rabo cortado

Uma raposa caiu por acaso em uma armadilha. Conseguiu escapar, mas teve seu rabo cortado. A partir daí, passou a considerar-se monstruosa. Mas achou uma solução, ao encontrar-se com suas amigas:

– Penso que a nova moda é cortarmos o rabo. Desperta a cobiça dos caçadores, não nos serve para nada, e é um peso inútil que carregamos.

– Querida irmã –respondeu uma delas – Se tivesses rabo, estaria nos dando este conselho? Somos sábias o suficiente para saber quando alguém deseja nosso bem, ou quando está querendo apenas nos igualar às suas deficiências.

A raposa é o lavrador

Cansado de ver sua colheita sempre sendo parcialmente destruída por aquele pequeno animal, o lavrador conseguiu capturar a raposa. Sem a menor piedade, colocou aguardente em seu corpo e ateou fogo.

Sabendo que ia morrer, ela começou a correr pelo meio da colheita, e tudo a sua volta começou a incendiar-se também. Enquanto se afastava, dizia:

– Da próxima vez, procura ser compreensivo e indulgente! É melhor sempre dar um pouco do que se tem, do que querer guardar tudo! Sempre que fazemos o mal, ele termina se voltando contra nós mesmos!

A raposa e o corvo

O corvo roubou dos pastores um pedaço de queijo, e foi instalar-se em uma árvore para comê-lo. Naquele momento passava uma raposa esfomeada, que pediu um pedaço, mas o corvo fez um sinal negativo com a cabeça.

Foi então que ela começou a dizer que ele tinha todas as qualidades: era sagaz, voava, tinha uma linda plumagem negra. Só tinha um defeito: não sabia cantar como os outros pássaros.

Para provar que ela estava errada, o corvo abriu a boca para cantar, e o queijo caiu no chão. Ela o pegou imediatamente, e saiu dali, dizendo:

– Querido amigo, esse é o preço da vaidade! Quando alguém está lhe elogiando muito, deves sempre ficar desconfiado!

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