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Nobel

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Dácio Galvão
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A curadora da edição da Festa Literária de Paraty-2017, Josélia Aguiar, em entrevista ao programa Metrópolis, da TV Cultura, esta semana revelou que a cotação de Bob Dylan na bolsa de apostas para concorrer ao Nobel de Literatura já vinha sendo aqui acolá especulado há alguns anos. Portanto, nem tanta surpresa para os mais antenados no setor.

O maior espanto e estranhamento parece mesmo ter sido a dificuldade de alguns conservadores em assimilar que um autor de um único livro, Tarântula, de abordagem ficcional, de 1971, com tradução de Paulo Henriques Britto ganhasse a ambicionada premiação. Caduco preconceito que reside na iconoclastia de se tentar aprisionar a linguagem literária em um só suporte quando de há muito se tradicionalizou em teoria (Walter Benjamin) e prática (Sthéfane Mallarmé e Claude Debussy) essa ruptura contemporaneamente. O poeta francês trouxe a experiência limite para as páginas do seu livro, Um coup de dés jamais n’1abolira le hasard, de 1897, um extremo poema-música ou uma partitura onde os intervalos brancos nas páginas seriam pontuais para as pausas, silêncios e explosões de novos ícones tipogáficos explorando variados campos semânticos. O diferencial reside no fato da expressão poética de Dylan utilizar o canto para expandí-las.

O escritor Ezra Pound apontou para o suprassumo da amálgama poética do trovadorismo provençal do século XXII repercutindo até hoje na literatura ocidental. Ou seja, desde o século XII que a canção projetava o maior arrojo poético no sul da frança. Então me parece não haver novidade nenhuma. No livro de Pound, Os Cantos, ele faz referência a Born. Dante Alighieri, na Divina Comédia, sacou essa potencialidade da carga liguística-sonora e engajada de Bertran de Born, fina flor do canto-poesia provençal e o registrou na Divina Comédia. As vanguardas poéticas históricas assimilaram esses passos adiante e os mais variados suportes foram absorvidos já não causa absolutamente frisson nem novidade. Virou causa comum e incorporada.

Leitor de William Shakespeare, Leon Tolstói, James Joyce (disco Together Through Life, de 2009) dos franceses Arhtur Rimbaud, Paul Verlaine e dos poetas da geração beat dentre os quais cultivou a amizade de Allen Ginsberg o bardo de Minnesota tem uma lista de escritores prediletos. A relação é eclética e quase infinda. Impossível de caber aqui. Arrisco e risco alguns: os iluministas Voltaire, Rosseau, Montesquieu e Locke. Lewis Carrol e os irmãos Grimm. Friedrich Niettzsche e Wilhelm Reich. Archibald MacLaich e Jacques Keurouac. T.S. Eliot, William Faulkner e Scott Fitzgerald. What Whitman e o inglês Dylan Thomas.

As quatro canções do bardo judeu romântico de Minnensota tatuadas para sempre no meu imaginário de saudosas cores contraculturais foram Mr. Tambourine Man, Lake a Rolling Stones, Just Like Woman e Blowin’ in the Wind. Claro que mais que depressa fui fazer novas audições depois de anunciado o vencedor do Premio Nobel de Literatura, 2016. Naqueles tempos áureos a predominância sem dúvida nenhuma ficava na curtição disparada, na frente de todos os Lp’s, com a escuta do Concert for Bangladesh. Álbum triplo acondicionado num tremendo portfólio. Gravado ao vivo no Madison Square Garden, em agosto de 1971, o concerto beneficente foi realizado para arrecadar fundos com o intuito de aliviar sobreviventes de guerra. Articulado por Ravi Shankar e George Harrison destacou luxuosas participações indo de Billy Preston, Leon Russel, Eric Clapton, Ringo Starr e… Até Bob Dylan! A grana arrecadada pelo evento seria destinada para refugiados da guerra separatista de então no Paquistão oriental. Shankar tinha raízes ancestrais nessas paragens. Música clássica indiana, rock e moderno folk americano. Cabelo ao vento gente jovem reunida pregando solidariamente a paz, o amor e a tolerância étnica. Belíssima atitude.

Fato é que a Academia Sueca quebra paradigmas dentro do conceito usual do que se pode considerar literatura fora do livro impresso. O ebook já é banal. Holografia e interatividade de mídias… Nem se fala! Todas as formas de suportes para a linguagem literária valem a pena.

No mais é comemorar o poeta-cantor Bob Dylan. Passando os olhos na crônica nacional vi que repercutiu legal em Nelson Mota e José Eduardo Agualusa. Através do aplicativo whatsapp entusiasticamente ricocheteou no poeta e ensaísta Eucanaã Ferraz e ainda no artista plástico zen  Bené Fonteles. Ambos celebraram e comigo se dividiram.

 E o livro, objeto transcendental, não morreu nem morrerá. Mas a bola da vez é do poema cantado e a abolição da frustrada dicotomia poesia/letra de música versus letra/poesia. Basta. Ufa! Até que enfim o óbvio triunfa de vez no dominante. Vindo deste último. Instituição legitimamente canônica. Desde 1786! Antes tarde do que nunca!

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