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‘Nos anos 70 já se sabia do pré-sal’

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Sílvia Ribeiro Dantas – Repórter de Economia

Especializado nas variações climáticas pelas quais a Terra vem passando ao longo de sua formação, o geofísico potiguar Ricardo Trindade explica nessa entrevista como um período de aquecimento que ocorreu há mais de 100 milhões de anos provocou o surgimento de uma camada de sal entre a América do Sul e a África, logo acima de um dos mais importantes reservatórios de petróleo descobertos recentemente. Batizado de pré-sal, o imenso reservatório na costa brasileira pode fazer com que o país chegue a ser o 4º maior produtor mundial de petróleo, passando a exportar a riqueza. Trindade cursou geologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em seguida fez especialização em São Paulo e pós-doutorado na França. Atualmente, ele é professor da Universidade de São Paulo (USP) e desenvolve pesquisas no sentido de compreender a configuração terrestre no passado, bem como as consequências das variações climáticas na história do planeta.

Como foi o processo de formação do reservatório no pré-sal?
A camada de sal se formou no período em que a África e a América do Sul se separaram. O pré-sal, como está sendo definido, na verdade diz respeito à camada mais importante por estar relacionada a grandes reservatórios de petróleo e gás e se formou há mais de 100 milhões de anos. Nessa época, a América do Norte e a Europa já haviam se separado. No sul, quando começou a separação formou-se um mar fechado e raso. Chamamos essa fase de rift. Quando esse mar começou a se abrir, naquilo que viria a se transformar no Oceano Atlântico, o aquecimento provocou a formação de uma espessa camada de sal.

Como podemos explicar o que é o pré-sal?
É uma camada de rocha, que tem acumulados petróleo e gás, fica abaixo dessa camada de sal e foi formada nos primeiros estágios de abertura dos continentes. Isso ocorreu durante a existência do mar que citei anteriormente, devido a processos importantes de evaporação. É bom lembrar que essa camada de sal pode chegar a ter dois mil metros de espessura.

E qual a importância dessa extensa camada de sal? Qual a relação entre o sal e a qualidade do óleo encontrado no pré-sal?
Na verdade, o sal não tem nada a ver com o óleo. A função do sal, nesse caso, foi a de isolar, de selar, impedindo que o óleo migrasse para camadas superiores. Então, o sal fez com que o óleo ficasse acumulado na camada abaixo do sal. O sistema do pré-sal consiste em uma rocha na qual o petróleo foi gerado, que depende de condições específicas para isso, junto à camada que impediu o óleo de passar para outros locais. Podemos dizer, sim, que o sal manteve o petróleo na rocha localizada abaixo dele, mas a qualidade desse óleo está ligada apenas à rocha que o gerou e não à camada de sal. Só que, de fato, pelos relatos que vemos, o óleo do pré-sal tem uma qualidade bastante superior ao das camadas superiores, chamadas de pós-sal, inclusive nas mesmas regiões.

A descoberta dessa camada contendo grandes reservatórios de óleo é recente?
Desde a década de 1970 já se tinha a ideia de que essa camada existia, até porque há depósitos equivalentes no pré-sal em territórios da África. Então, a descoberta do pré-sal em sim não é tão recente assim.

E por que só agora essa camada está sendo explorada?
Isso ocorre porque, embora houvesse suspeita de sua existência, ainda não havia tecnologia suficiente para fazer uma imagem de mapa da superfície abaixo do sal, pois tecnologicamente falando, é difícil fazer isso. Apenas nos últimos anos foi que se criaram técnicas sísmicas equivalentes a uma ultrassonografia, que chamamos de sísmica 3D e 4D. Essas técnicas de imagens em profundidade é o que nos permite investigar em detalhes e definir onde é mais provável encontrar óleo. A comprovação de óleo no pré-sal ocorreu há cerca de três anos, na bacia de Santos, quando já era explorada a camada pós-sal e foram perfurando mais profundamente. Mas isso não foi por acaso, uma vez que já se imaginava existir óleo no pré-sal naquela região. Ocorre que os investimentos são muito altos e para se furar um único poço no pré-sal são gastos algumas centenas de milhões de dólares.

E o investimento alto compensa?
Segundo a Petrobras, os dez primeiros poços perfurados no pré-sal deram óleo, que é uma taxa de sucesso quase impossível. A empresa divulga também que vem tendo uma taxa de sucesso entre 87% e 88% na região.

Para compararmos, qual a taxa de sucesso na perfuração dos poços aqui no Estado, por exemplo?
Não sei dizer exatamente como ocorre no Rio Grande do Norte, mas em geral a taxa de sucesso em terra fica em torno de 50%. Por isso, consideramos que uma taxa de sucesso de quase 100% é uma coisa enorme, ainda mais considerando o tamanho da reserva e, volto a dizer, a grande questão é o custo. Mas vemos que compensa pela reserva ser enorme, o óleo ter muito boa qualidade e o preço do petróleo ainda ser bom, então tudo também depende da cotação do petróleo.

Quais são as maiores dificuldades atualmente, para explorar petróleo no pré-sal?
Ainda existem dificuldades tecnológicas e há também a questão da legislação, que ainda está sendo definida. Mas para explorar pelo menos uma parte do pré-sal já existe tecnologia, como em Tupi e Guará, que já tem alguns poços produzindo óleo a partir dessa camada.

Em termos práticos, qual a relação entre o Rio Grande do Norte e o pré-sal? Existe a possibilidade de serem encontradas reservas na camada pré-sal na costa do Estado?
O Estado é extremamente importante no que diz respeito à produção em terra, se mantendo como um dos maiores produtores do país. Com relação à ocorrência de reservatórios na região, existe um pesquisador que afirma haver a possibilidade desses reservatórios chegarem até a costa do Ceará. O que posso garantir é que eu não tenho notícia de nenhuma descoberta nesse sentido na costa potiguar. Agora, o importante para o estado é que mesmo com reservatórios abrangendo a costa de estados das regiões sul e sudeste a ideia é que os royalties gerados a partir da exploração de óleo e gás no pré-sal sejam distribuídos entre todos os estados da federação. Só que aí, a discussão deixa de ser geológica e passa a ser política.

O que poderá mudar para o país, com a exploração dessas novas reservas de óleo e gás?
Para dar uma ideia, atualmente o Brasil ocupa o 14º lugar no ranking de produtores de petróleo no mundo e só com o que se sabe atualmente, o país deve passar para a 4ª colocação. Isso deverá gerar inúmeros empregos e a Petrobras já estima que só na parte de geologia e geofísica terá que ser contratada quase a mesma quantidade de profissionais que atua hoje na empresa, isso sem contar os empregos diretos e indiretos que são gerados pela cadeia.

Com isso, o Brasil passa a ser autossuficiente em petróleo?
Mais do que isso. Confirmando todo o volume que é esperado no pré-sal, o país passará a ser exportador de petróleo.

Trazendo a discussão mais para o âmbito local, valerá a pena trazer óleo produzido no pré-sal para ser refinado aqui no Estado?
Essa questão depende tanto de componentes políticos, quanto técnicos. Se olharmos apenas pelo ponto de vista da logística é muito mais interessante refinar o óleo produzido nas regiões próximas da refinaria.

Já existe exploração comercial de petróleo no pré-sal?
Estão explorando e refinando. Não sei exatamente qual refinaria está processando, mas o óleo que já foi explorado em Tupi tem sido refinado, sim.

Saindo um pouco do pré-sal e passando para a produção no território potiguar. A Petrobras já divulgou estimar que a exploração no Canto do Amaro, maior campo terrestre do Estado, seja possível até o ano de 2026. Depois dessa data, as pessoas que trabalham naquela região precisarão migrar para outro tipo de atividade?
Eu acredito que aqueles profissionais ligados à Petrobras deverão ser relocados e, com relação aos terceirizados não dá para prever. É difícil dizer se em tão pouco tempo o campo será desativado, só que as empresas de petróleo e mineração costumam explorar ao mesmo tempo em que realizam trabalhos de prospecção, procurando condições semelhantes no entorno. Dessa forma, não sabemos ainda o que pode ser encontrado até a desativação de Canto do Amaro, por exemplo. É importante destacar que ao longo da década passada, a UFRN tem investido bastante nas áreas ligadas ao petróleo, fazendo com que um dos mais importantes grupos brasileiros de estudo nessa área esteja aqui em Natal.

E o seu trabalho com o clima, como ele é realizado?
Eu pesquiso o que ocorreu na Terra em um passado muito distante, de várias centenas de milhões de anos atrás, quando o planeta possuía outra configuração e nem existia o Brasil ainda. O que a gente tenta é descobrir se em algum momento o planeta ficou totalmente coberto de neve e depois disso ocorreu um forte aquecimento. Para isso é preciso estudar as camadas sedimentares, verificando se existem camadas indicativas da presença de gelo.

Quais seriam as consequências desse resfriamento seguido pelo aquecimento?
Seriam várias, as consequências do ponto de vista biológico. Por exemplo, muitos dizem que logo após esse processo de variação climática sugiram os seres complexos, multicelulares. Acreditamos que essa mudança pode ter acontecido de forma muito rápida, ou seja, em torno de 10 mil anos. Aqui dá para destacar que na Antártica, o surgimento do gelo é recente, ao contrário do que se pensa.

Fala-se muito que com o aquecimento global parte das geleiras pode desaparecer. Esse temor tem fundamento?
Na verdade, existem gelos mais fáceis de desaparecer, como os que ficam nas altitudes, nas montanhas ao nível do Equador, que devem mesmo derreter. Mas na Antártica isso é mais difícil de ocorrer, porque depende de uma série de fatores. Outra coisa, o derretimento de parte do gelo do Ártico não deve provocar o aumento no nível dos oceanos. Explicando de forma simples, é só pensar em um copo com líquido e gelo que quando as pedras derretem não há um aumento no volume, pois aquele sistema já estava em equilíbrio.

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