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“Nós queremos ser ouvidos sobre a Síria”

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Renata Moura* – repórter

A estudante e ativista Sara Al-Suri quer dizer ao mundo inteiro que há uma “guerra sangrenta” em curso e que jovens, crianças e adultos estão morrendo porque foram às ruas pedir liberdade. O desabafo é sobre a guerra que desde 2011 assola a Síria, país árabe onde nasceu e de onde teve de fugir em meio a atos de violência que, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), já deixaram mais de 100 mil mortos, destruíram mais de um milhão de casas e obrigaram milhares de pessoas a buscarem refúgio em países vizinhos. Sara, que usa um sobrenome “de guerra” para proteger a família, partiu em 2011 para o Líbano. Mas não ficou estanque. Passou por várias cidades brasileiras e por outros países para pedir não só solidariedade, mas principalmente para contar o terror que tem sido viver na Síria. A população do país tenta derrubar o regime do presidente Bachar Al-Assad. “Ele governou o país em uma ditadura militar por mais de 40 anos. Uma ditadura brutal que decidiu punir uma população inteira por pedir liberdade”, disse ela, à TRIBUNA DO NORTE.
Sara Al-Suri: Espero que as pessoas conheçam a história dos revolucionários, das massas, da classe trabalhadora, dos jovens estudantes, que saíram às ruas exigindo liberdade
Em passagem por Natal, esta semana, a ativista afirmou que não teve familiares mortos, mas que viu amigos e  pessoas que conheceu durante a revolução sendo mortos em prisões, torturados pelo regime sírio ou mortos nos bombardeios. Ela também critica a atuação da polícia militar brasileira e diz que a corporação é um “resquício da ditadura”.  Confira a entrevista:

Temos visto muita gente morrendo na Síria. Houve, inclusive, o uso de armas químicas no país. Como você analisa esse conflito?

É muito importante falar sobre todas essas mortes, que na verdade tem sido uma crise humanitária. Mas não fora de contexto. A razão de tantas pessoas estarem morrendo é porque elas foram às ruas pedir liberdade. Pessoas inundaram as ruas em 2011 exigindo o fim da ditadura de Assad. Porque ele governou o país em uma ditadura militar por mais de 40 anos. É precisamente por isso que existem os genocídios e massacres.  Além disso, há muita confusão internacional sobre quem usou armas químicas na Síria. Mas é muito claro, no contexto da batalha entre a base social dos rebeldes e a oposição que os rebeldes não atacaram a si mesmos. Isso estava muito claro. As armas químicas do regime de Assad foram fornecidas com apoio do Irã e da Rússia, que implementaram as armas químicas.

Qual é a parte mais difícil nesse conflito? Ver crianças morrendo, cidades sendo destruídas, por exemplo?

É difícil para cada sírio que nasceu e cresceu nessas cidades. É muito difícil. Para mim, como uma ativista síria, a parte mais difícil é a falta de solidariedade internacional. Mais de 150 mil sírios estão mortos hoje. Mais de 7 milhões, dos 22 milhões de habitantes são agora refugiados internos e externos. E isso não é apenas um massacre humanitário. É um massacre de pessoas que saíram para pedir liberdade. E para mim a parte mais difícil é a falta de solidariedade internacional.

A quem – ou a que país – você se refere exatamente quando diz isso?

A todos os países e à comunidade internacional em geral.

 Que tipo de solidariedade internacional está faltando?

Ajuda humanitária, política e material.

Você esteve no país durante esses conflitos?

Sim. Eu estava lá no início de 2011, quando a revolução eclodiu. Saí um ano depois de a revolução ter começado.

Que tipo de ajuda você espera obter ao viajar e falar sobre esses problemas?

Eu espero não apenas solidariedade política. Eu espero que as pessoas conheçam a história dos revolucionários, das massas, da classe trabalhadora, dos jovens estudantes, que saíram às ruas exigindo liberdade. A principal coisa que eu espero é evitar que essa história se transforme em uma história de ontem. A principal coisa que eu espero é não transformar Assad, que era um assassino em massa, em um herói. E isso é muito importante. Nós precisamos não apenas de solidariedade política. Precisamos que nossa história seja ouvida porque não nos foi dada voz. Nós também precisamos de solidariedade material.

Do que exatamente o país precisa e como o Brasil poderia ajudá-los nisso?

Rompendo relações diplomáticas com a ditadura Síria e mandando ajuda humanitária (comida, medicamentos…)

Temos acompanhado esta guerra civil e eu me pergunto se ainda é possível ter uma vida normal na Síria. Fazer coisas simples, como ir à escola, ir a uma padaria...

Bem, antes era possível, mas agora o regime está usando uma forma que está massacrando a base social. O regime não mata os rebeldes cirurgicamente. Ele massacra a base social da revolução. Um dos mais famosos massacres na Síria foi o chamado “massacre na padaria”, quando havia uma fila gigantesca, uma fila de cidadãos. Idosos, jovens, mulheres e crianças. Esperando para pegar pão, porque eles estavam sitiados. O regime não está permitindo que os alimentos penetrem nessas áreas. E eles foram bombardeados por aviões. Esse foi apenas um entre os massacres que estão ocorrendo. Nós estamos sendo torturados com cada tipo de arma moderna que está disponível. Aviões militares, tanques. Algumas cidades na Síria, algumas áreas como Yarmouk, em Damasco, tem mais de um milhão de pessoas sitiadas, sem permissão para entrar e sair dessas áreas, sem permissão para levar os feridos aos hospitais… Sem permissão para alimentar seus filhos, sem permissão de ter um pedaço de pão. Então esta é uma genuína crise humanitária. Mas isso não caiu do céu. Nós não éramos assim antes. Isso foi causado por uma ditadura brutal que decidiu punir uma população inteira por pedir liberdade

Sua família ainda vive na Síria?

Não. Minha família também é exilada em um país vizinho, no Líbano. Eles tiveram de deixar a Síria.

Você acha possível falar em paz na Síria, hoje?

Saímos para a revolução porque queremos paz. Porque os trabalhadores da Síria e os jovens iam a uma guerra mesmo antes desta crise. Todos os dias. Uma guerra de sustento, de alimentos, de ir para a universidade, de serviços públicos de saúde. Nada do que tínhamos. Então saímos para esta revolução pela paz e o que conseguimos foi uma guerra. Uma guerra muito sangrenta. Que tem sido instigada pelo regime de Assad. Só é possível ter paz após a derrota do principal inimigo do povo da Síria. E nós temos muitos inimigos. Mas o principal inimigo é Bashar al-Assad e o governo dele. Então para que possamos construir com as nossas mãos, primeiro de tudo, para que possamos retornar ao nosso país….Então, a juventude educada, a juventude secular, a juventude progressista, democrática, poderá voltar do exílio e construir o país a partir do novo. Enquanto Assad estiver lá eu não posso voltar. Eu sou uma exilada não porque escolhi ser. Eu fui expulsa do meu país. A primeira pré-condição para mim e para milhões como eu voltarem a Síria e construir um país novo é que o ditador que atacaria a mim e a minha família seja derrubado.

Então você pensa em voltar para casa?

Sim. Todos os dias.

 Você vê semelhanças entre os protestos no Brasil e os protestos na Síria?

Sim. Claro que os contextos são diferentes. Na Síria nós temos uma ditadura militar brutal. Mas não apenas nos protestos do Brasil há revolução. Há protestos também na Síria, Barein, Tunísia, Egito, Também na Espanha, em Portugal, na Grécia, em Chipre. Todos da maneira daqui do Brasil. A semelhança é que há uma geração inteira de jovens que tem sido oprimida por expressar suas opiniões. Que tem sido oprimida por querer e exigir. Nós não queremos investimentos em estádios de futebol sob a regulação da Fifa. Nós queremos investimentos na nossa educação pública. Nós, jovens, temos o direito de ter uma educação pública forte. Nós, jovens, temos o direito de sair e falar sem que haja essa opressão brutal da polícia militar do Brasil. E a semelhança é impressionante porque a polícia militar no Brasil é um resquício da ditadura militar no país. É uma instituição que não foi derrubada. E é por isso, claro, que nós podemos ver tantas semelhanças entre Brasil, Síria e outros processos na Europa também.

Você acha que a polícia se excedeu. Mas também considera que houve excessos por parte de alguns manifestantes, no Brasil?

Se houve excessos por uma pequena minoria de manifestantes, isto nunca pode ser comparado à violência da polícia. A polícia é uma organização infinitamente mais poderosa e bem armada que qualquer manifestante, e numa democracia, jamais poderia agir da forma como age no Brasil. Muito me assustou ver na internet a policia em São Paulo atacando covardemente os jornalistas, me lembrou a policia de Bashar Al Assad. Me parece que estes atos isolados são utilizados como pretexto pela polícia para criminalizar os movimentos sociais no Brasil, o que é algo que considero muito grave.

Então você acredita na revolução que vem do povo…

Sim. Pela primeira vez na história nós vimos uma revolução da massa. Não há uma cidade na Síria que não tenha participado. Os jovens estudantes, meus companheiros da universidade, das escolas, funcionários públicos, professores, cientistas, artistas, todos estão nas ruas. E isto é histórico. Porque pela primeira vez…. isto é, eu acho, os jovens brasileiros também sentiram. Pela primeira vez, nós sentimos que o coletivo, a massa, nós podemos fazer alguma coisa. Nós podemos mudar. Que um outro mundo é, de fato, possível, mesmo depois de todo o sangue que nós estamos vendo. Os massacres químicos. A destruição de cidades inteiras. Algumas pessoas não conseguem reconhecer as suas próprias casas. Mas ainda sentimos que um outro mundo é possível. E isto é, eu acho, o resultado mais significativo de todos esses processos revolucionários que estão acontecendo, especificamente na Síria.

Qual é a principal mensagem que você quer deixar para as pessoas no Brasil?

A principal mensagem que eu quero deixar é chamar a atenção para o povo sírio. Que não apenas está sendo massacrado, que não apenas está sendo enterrado sob seu próprio sangue, que não apenas tem tido suas casas destruídas sob suas cabeças. Mas eles têm sido silenciados. A mídia internacional não está nos dando voz. Está enterrando nossa voz sob a voz das bombas que estão caindo sobre nós. Eu digo as pessoas aqui no Brasil e em Natal que, assim como as massas do Brasil derrubaram a ditadura aqui, é o que estamos fazendo agora. É a nossa vez. Mas diferente das massas no Brasil, quando elas derrubaram a ditadura militar, nós não temos solidariedade internacional. Nós precisamos da voz daqueles que lutaram em seus próprios países, a classe trabalha que batalha, a juventude que foi às ruas, que nos apoiem também. Não apenas os sírios. Mas a juventude egípcia, a juventude tunisiana e a juventude libanesa. Então nós podemos ter uma forte solidariedade internacional para ser capazes de deixar nossa mensagem aqui para o Brasil e construir outro mundo. Não apenas na Síria, mas também aqui no Brasil.

Colaborou Aldo Cordeiro Sauda

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