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O adeus ao guardião da memória

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Yuno Silva e Tádzio França – repórteres

A clássica “Royal Cinema”, composição do potiguar Tonheca Dantas, anunciou aos amigos e familiares que era chegada a hora do derradeiro adeus a Enélio Lima Petrovich, nome que entra para a história como o mais longevo dos gestores à frente de uma instituição pública no Estado. Lembrado por sua dedicação à preservação de documentos e registros históricos que guardam a memória social, cultural e política do RN, Petrovich fez questão de deixar escrito de próprio punho seu último pedido na contra-capa de um CD: “Para meu velório no salão nobre do IHG/RN. E quando? Só Deus sabe…”
Morre o advogado e escritor Enélio Lima Petrovich. Ele esteve à frente, por quase cinco décadas, da mais antiga entidade do Estado, o Instituto Histórico e geográfico
Enélio tinha 77 anos, três filhos, sete netos, deixou viúva dona Miriam Petrovich e em setembro foi acometido por um AVC que o deixou fora do combate nas trincheiras da Cultura potiguar. Falecido na manhã de ontem, foi velado no salão nobre do lugar que mais amava estar: o Instituto Histórico e Geográfico do RN, entidade fundada em 1902 da qual esteve à frente por 49 anos completos – ou uma vida inteira de dedicação, que por sinal foi a palavra mais repetida na tarde de ontem: dedicação. Essa é a principal imagem que fica sobre seu trabalho. O enterro aconteceu ontem mesmo, no fim da tarde da própria sexta-feira, no Cemitério Morada da Paz.

Figura querida, transitava por vários círculos e seu velório recebeu a presença de acadêmicos, intelectuais, artistas, personalidades da política e da sociedade. Durante o período que esteve internado no hospital, cerca de três meses, o IHG/RN chegou a ser brevemente comandado pelo filho Célio Petrovich – que logo passou o bastão para o vice-presidente Jurandir Navarro após polêmica deflagrada no meio intelecto-cultural. “Estava aqui por um chamado dele, nunca confundi as coisas”, disse. Navarro permanece no gargo até o mês de março de 2013, quando haverá nova eleição.

“Acredito que a recuperação do acervo será o principal desafio da próxima diretoria”, disse o escritor e pesquisador Cláudio Galvão, que declarou ser, “provavelmente”, o amigo mais antigo presente no velório. Galvão, que conheceu Enélio há mais de 60 anos quando ainda eram adolescentes e moravam na rua Vigário Bartolomeu, sabe o que diz, pois contabiliza horas e horas de pesquisa nos arquivos do Instituto. “Muita coisa se perdeu pela deterioração natural, mas não podemos descartar o manuseio inadequado. Teve gente, inclusive, que chegou a rasgar alguns jornais antigos, material raro do século 19. Mas sei e tenho certeza que Enélio fez o que pôde dentro das limitações impostas ao longo do tempo.”

Em 1988, Enélio chegou a ser empossado “presidente perpétuo”

Foram quase cinco décadas dedicadas a cuidar da mais antiga entidade cultural do Estado. Enélio Lima Petrovich foi eleito presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte em 25 de agosto de 1963, e desde então se manteve à frente da instituição, passando por várias eleições, até ser empossado “presidente perpétuo” em 1988, por decisão de uma assembleia geral. Câmara Cascudo sempre ressaltou os méritos do amigo e contemporâneo em sua longevidade administrativa: “…prorrogado o seu mandato, pois nele reconhecia grande força valorizadora em defesa do patrimônio intelectual do nosso Estado”. E assim foi. 
O velório na sede do Instituto Histórico foi um dos pedidos dele.
Enélio teve uma vida cultural bastante movimentada. Advogado por formação, estendeu seus interesses para muito além do Direito. Interessado desde cedo em estudos literários e históricos, escreveu livros e muitos artigos para jornais, revistas e publicações da área jurídica em geral. Foi colaborador das revistas Inter-Brasil, do Rio de Janeiro, e da potiguar Cactus. Há escritos seus no campo do Direito Previdenciário na “Revista de Previdência Social”, em São Paulo. Durante a vida universitária teve participação em todos os movimentos culturais, pronunciando conferências e palestras.

A história de Enélio junto ao IHGRN começa quando ele se torna sócio efetivo da casa em 29 de março de 1959 – em abril do mesmo ano já era segundo secretário. Mesmo à frente do instituto, a partir de 1963, ele não parou de escrever, pesquisar e atuar em diversos departamentos culturais e jurídicos. Durante o governo de Aluízio Alves, Enélio ocupou as funções de sub-chefe da Casa Civil (64), e diretor dos departamentos de Administração e Estatística (65).

Ele também foi um dos sócio-fundadores do segmento natalense do Lions Clube, sendo seu vice-presidente em 1966. Em 1967 foi sócio correspondente do Instituto Brasileiro de Estudos Sociais, em São Paulo, filiado à Unesco.

Em sete de dezembro de 1973, Enélio se torna membro da Academia Norte-Riograndense de Letras, ocupando a cadeira do escritor Virgílio Trindade. A saudação protocolar foi proferida pelo próprio Luís da Câmara Cascudo, patrono fundador da Academia. O ex-presidente do IHGRN lançou cerca de 30 livros, obras que abordavam História e Direito, as duas paixões. Entre os títulos estão “Quem fundou Natal?”, “A Ordem saúda a Justiça”, “Evocando Henrique Castriciano”, “Forte dos Reis Magos – Um patrimônio luso-brasileiro”, “Os arquitetos da história do Rio Grande do Norte”, “Sigmund Freud, sua ciência e a sociedade atual”, “A questão religiosa no RN”, entre outras.

O filho: ‘Ele datava artigos com nome de santo”

Célio Petrovich, 48, filho do meio de Enélio e irmão de Lírian e Enélio Antônio, contou que o pai estava há cerca de 100 dias internado devido um acidente vascular cerebral isquêmico, o tipo mais comum de AVC. Visivelmente abalado, ele lembrou que Enélio chegou a ser liberado pelos médicos, “mas 5 ou 6 dias depois foi novamente internado, e infelizmente não saiu mais do hospital”.

“Vejo meu pai como um baluarte da Cultura potiguar. Certo que ninguém é insubstituível, e podem até chegar a ser igual a ele – melhor não! Estou sem palavras e ainda não estou acreditando no que aconteceu”, disse emocionado. “Muitas vezes tirou dinheiro do próprio bolso para pagar contas aqui do IHG/RN, dedicou sua vida a esta instituição, dividiu atenções com a família e quando assumiu o Instituto, mamãe estava grávida de mim.” Um detalhe peculiar ressaltado por Célio: Enélio Petrovich assinava e datava seus artigos colocando o nome do Santo do dia – “Acredito que o Dia de Santos Reis veio para iluminar esse momento.”

Autor de 35 livros, há uma obra inédita de Enélio Petrovich editada, revisada e pronta para ser publicada: “Escrevendo, Lendo e Publicando” estava programado para sair em março próximo e traz depoimentos, artigos, transcrições de palestras e textos que escreveu apresentando outros livros. “Agora não sei mais quando será lançado, nem se será lançado”, revela Célio.

DEPOIMENTOS

“Enélio foi um abnegado que reduziu e até se afastou de suas atividades profissionais para viver seu grande amor que era o IHG/RN. Uma relação notável, que superava até a decepção de não contar com maior apoio do poder público na preservação desse extraordinário acervo.”
Cláudio Galvão, escritor e pesquisador

“Enélio representa o que nenhum outro homem representou no tocante à dedicação. Conseguiu imprimir dinâmica a uma instituição estática.”
Caio Flávio, médico

“Enélio exercia um sacerdócio aqui dentro do IGH/RN, e expressava seu amor através da preservação da nossa história. Sabia como ninguém que não se pode escrever o futuro sem conhecer o passado. ”
Rosalba Ciarlini, governadora

“Uma perda irreparável para a cultura do RN, o professor Enélio dedicou sua vida ao IHG/RN, fato que comprometia até seu convívio familiar. Ele deixa saudades e o exemplo de dever cumprido.”
Augusto Maranhão, pesquisador e empresário.

“A falta de Enélio é uma lacuna irreparável. Dedicou sua vida à tradição, à cidade, ao Estado, sempre valorizando a cultura e as pessoas. E o fato dele ter nos deixado no Dia de Santos Reis é para se refletir.”
Anna Maria Cascudo, escritora

“Enélio é um nome que jamais será esquecido por sua dedicação e seu trabalho à frente do IHG/RN, onde sempre promoveu a cultura e a preservação da memória. Um ativista incessante.”
Valério Mesquita, escritor e jurista

“Enélio fez a interligação da memória entre gerações. Sua presença era sentida em todos os segmentos culturais e leva consigo uma memória oral importante. A preocupação agora é a continuidade da instituição.
Leide Câmara, pesquisadora

“Uma perda irreparável, por onde passou deixou sua marca. Cada ser humano é único e Enélio é uma palavra que não mais se repete.”
Zélia Madruga, da Academia de Letras Jurídicas do RN

“Feliz a instituição que tem uma pessoa como ele à frente. Como dizia Cascudo: ‘Enélio Petrovich fazia intriga do bem.’ Dedicado, agregador, a cultura do RN fica menor sem ele.
Racine Santos, dramaturgo

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