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O adeus ao mestre Rubem Fonseca

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Um dos principais escritores da literatura brasileira, dono de um estilo seco, direto, e capaz de construir uma narrativa eficiente e afiada, Rubem Fonseca morreu na quarta-feira, 15, aos 94 anos. Ele foi vítima de um enfarte, em seu apartamento no Rio de Janeiro. Ele chegou a ser levado para o Hospital Samaritano Botafogo, mas já chegou sem vida.
Rubem Fonseca morreu nesta quarta-feira, 15, aos 94 anos
Considerado um revolucionário do conto, Fonseca desenvolvia sua narrativa com fluidez precisa, adequando formas de expressão aos tipos selecionados para fazer parte de seus contos. E que tipos – personagens antológicos que moldaram gerações ao expor as feridas de uma sociedade cada vez mais corrompida pelas hipocrisias cotidianas.
Dono de uma narrativa ácida e bem-humorada, situada no Rio de Janeiro ao largo dos últimos 80 anos, Fonseca não tinha receio de empregar no texto elementos de extrema violência – componente utilizado como mecanismo desencadeador, em sua literatura, de todas as relações humanas, fossem elas humorísticas, eróticas, reflexivas ou trágicas.
Sua estreia na literatura aconteceu em 1963, com os contos de Os Prisioneiros. Gumercindo Rocha Dórea, editor da GRD, que descobriu Fonseca e o publicou pela primeira vez, contou em uma entrevista ao Estado que, na época, como o escritor trabalhava na Light, não queria tornar públicos seus escritos. Quem passou os originais a Dórea, sem que Fonseca soubesse, foi sua secretária. Conhecido por ser extremamente discreto e pouco afeito a aparições públicas, o autor relutou a permitir que o editor lançasse Os Prisioneiros, dando início assim à sua carreira literária.
A chegada de Rubem Fonseca ao cenário da literatura brasileira introduziu o gênero policial na época contemporânea. Em seguida, vieram A Coleira do Cão (1965), Lúcia McCartney (1969), Feliz Ano Novo (1975), O Cobrador (1979) e Agosto (1990), para ficar nos mais notáveis. 
O Cobrador e Feliz Ano Novo, aliás, foram censurados pela ditadura militar. O conto que dá nome ao segundo livro faz uma alusão a dois extremos de vida que propiciam um choque e, portanto, a violência, apresentando-a como componente subversivo em resposta ao sem-número de leis que, inflexíveis, tornariam impossíveis as relações humanas.
A desconfiança sempre rondou os personagens de Fonseca: o advogado não confia nos clientes, o juiz não acredita em nenhum dos dois, as amantes desconfiam do advogado que, por sua vez, aceita as evidências contra elas. Não é de se estranhar, portanto, que o crime seja o resultado natural da impossibilidade de convivência entre eles.
Entre diversos outros prêmios, Fonseca venceu cinco vezes o Jabuti de contos. Na categoria romance, ganhou apenas uma vez, com A Grande Arte (1983), mas um de seus trabalhos mais reconhecidos é Agosto, narrativa histórica que conta os eventos que culminaram no suicídio do ex-presidente do Getúlio Vargas em agosto de 1954.
Fonseca inspirou também a obra de outros autores como Patrícia Melo, Joaquim Nogueira, Tony Bellotto e, principalmente, Luiz Alfredo Garcia-Roza, um dos grandes nomes da atualidade. Em 2016, seu filho, o diretor José Henrique Fonseca, adaptou Lúcia McCartney para uma minissérie da HBO, e o personagem Mandrake também ganhou uma versão em vídeo na emissora.
“É um conto muito importante para a literatura brasileira. Quebrou uma série de paradigmas”, disse José Henrique ao Estado, na ocasião do lançamento da série. “Não me lembrava, especificamente, da riqueza da escrita. Rubem trabalha muito com elipses e eu fui viajando nelas, pensando que seria muito cinematográfico transformar em imagem e som essa narrativa inquietante”, resumiu, numa frase que poderia se aplicar sem injustiça à obra completa de Rubem.
O escritor também era avesso a entrevistas e fotos, o que lhe garantia tranquilidade para passear diariamente pela praia de Copacabana sem ser incomodado. Uma de suas raras aparições públicas aconteceu em 2015, na Academia Brasileira de Letras, onde recebeu o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra. “Sou um homem idiossincrático e idiossincrasias não se explicam”, disse, na ocasião. Em um discurso de pouco mais de 10 minutos, comentou sobre sua relação com a literatura, amante que foi de obras clássicas e modernas, além de romances policiais. Dispensou o púlpito e falou sobre o pequeno palco, agradecendo a presença de todos. Na saída, fez selfies. 
Personalidades lamentam morte de Rubem
Personalidades lamentaram a morte do romancista e contista Rubem Fonseca, aos 94 anos, nesta quarta-feira, 15. O autor de Agosto e Feliz Ano Novo sofreu um enfarte em seu apartamento, no Rio de Janeiro.
O escritor André de Leones, leitor contumaz da obra de Fonseca, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo: “Rubem Fonseca é tão imprescindível em 2020 quanto era em 1963, ano em que publicou seu livro de estreia, Os Prisioneiros. Acho importante ressaltar isso porque a recepção de sua obra sofre em várias frentes, seja com a má vontade em relação aos livros mais recentes (como o excelente 
Amálgama, que resenhei para este jornal), seja com as leituras preguiçosas e contaminadas que ainda se faz por aí. Seu trabalho como passeador noturno das nossas ruínas não se esgotou com o término da Ditadura Militar, conforme demonstram obras-primas posteriores como O Buraco na Parede e Pequenas Criaturas. Pelo contrário, a brutalização que sua obra investiga só se adensou nas últimas décadas e, sobretudo, nos últimos anos. Seus contos e romances traduzem à perfeição a atmosfera asfixiante do nosso país falhado, enfermo e em processo de implosão.”
O escritor português Valter Hugo Mãe publicou uma foto com Fonseca em suas redes sociais e afirmou: “Desolado com a notícia da morte de Rubem Fonseca, essa maravilha das letras do mundo. Querido amigo, querido magnífico escritor que tanto me honrou, tanto me inspirou. Adeus, mestre. Obrigado.”
O escritor Joca Reiners Terron também lamentou a perda: “Morreu Rubem Fonseca (1925-2020). Boa viagem e obrigado por tudo, mestre do universo.”
A escritora Andréa Pachá prestou sua homenagem nas redes sociais: “Viver quase 95 anos, escrever com a potência de Rubem Fonseca, e não se submeter ao mercado, nem negociar com princípios é para poucos e raros. Não é triste uma partida assim. É um privilégio.”
José Eduardo Agualusa comentou nas redes que Fonseca foi importante para sua formação: “Tenho todos os livros dele e continuarei a lê-lo, como sempre o leio quando preciso me sentir inquieto para escrever. Escritores morrem quando deixam de ter leitores.”
O escritor, tradutor e pesquisador Fábio Fernandes se manifestou em suas redes: “Rubem Fonseca foi a minha grande referência na escrita de ficção e jornalística, junto com Hemingway.”
Incentivador da escola do romance urbano brasileiro
Uma das anedotas preferidas da escritora Lygia Fagundes Telles envolvia Rubem Fonseca: quando ela venceu o Prêmio Camões, em 2005, eles almoçaram em comemoração e ele a pediu em casamento, pois o vencedor fatura 100 mil euros. O engraçado é que o próprio Fonseca vencera dois anos antes, para gargalhadas de Lygia. O autor de Os Prisioneiros (1963) era, sim, um mestre tanto na escrita policial como na ironia, que o tornaram no grande incentivador da escola do romance urbano brasileiro. Escritor morreu nesta quarta, 15, aos 94 anos, vítima de um enfarte.
A começar pela obsessão pela privacidade e aversão a fotos e entrevistas, que o tornavam um cidadão comum em qualquer lugar, apesar da fama. Dele, sabia-se ainda que foi um camelô que vendia gravatas no centro do Rio e também delegado de polícia, nos anos 1950 e 60. A experiência policial foi decisiva na definição do estilo seco e direto com que retratou o mundo do crime em seus contos mais famosos, como os que figuram em Os Prisioneiros, A Coleira do Cão (1965), Lúcia McCartney (1967) e Feliz Ano Novo (1975), um dos livros proibidos pelo governo militar por fazer “apologia da violência” e conter cenas e expressões atentatórias “à moral e aos bons costumes”.
Com essas histórias, Fonseca inaugurou a moderna literatura urbana no Brasil, ao revelar as entranhas da sociedade e antecipar a escalada de violência no País. O que o destaca sempre foi sua habilidade em conduzir uma história, fornecendo aos poucos os detalhes para o leitor, prendendo-o à narrativa.
Critico
Apesar de ser mestre da prosa curta, que marcou o início de sua carreira literária, Fonseca também se destacou nos romances, que constituem a segunda fase de sua ficção. Como bem observou o crítico Silviano Santiago, nas obras que vão de A Grande Arte (1983) a Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos (1988), há um requinte, uma aspereza e uma depreciação no manuseio do saber armazenado pelas enciclopédias, pelos tratados das ciências exatas e humanas. “Esse saber assegura certa soberania para o trato da erudição na terceira fase, em que o ficcionista acossado se sai com coragem e brilhantismo invulgares – ou seja, com deliciosos, arrebicados, injuriosos, luxuriosos e libidinosos nonsenses”, observa.
Trata-se do momento em que Fonseca aposta novamente nas narrativas de linguagem enxuta mas mais provocativa – em Diário de um Fescenino (2003), ele aproveitou a estrutura de diário para, com fina ironia, revelar suas apreensões e confissões. Era como se conseguisse uma estranha remissão às obras passadas, especialmente quando se aventurou de forma delicada e precisa no terreno amoroso (é o caso de Secreções, Excreções e Desatinos). Se não gostava de aparecer fisicamente, Fonseca revela-se por inteiro em sua escrita.
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