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O amor

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Andreia Clara Galvao
Psicanalista

Sobre o amor, diz Jacques Lacan, o psicanalista francês: “O amor faz suplência à inexistência da relação sexual.” Talvez você, meu querido leitor, esteja dizendo que Lacan devia ser maluco: como alguém pode dizer que a relação sexual não existe? Que insensatez seria essa? É claro que a relação sexual existe, diremos. Senão o que é isso que faz os bebês nascerem, que acontece na cama quando duas pessoas ardem de desejo uma pela outra, por exemplo?

Como alguém fala da “inexistência da relação sexual” se justamente  ela é um dos motores da vida de cada ser humano, se é nela  que a gente pode encontrar um prazer muito importante? Ainda  poderia qualquer um, muito pertinentemente argumentar,  que neste exato momento em que escrevo esse texto, nas diversas partes do mundo, muitas relações sexuais estão acontecendo. E, de modo geral, para o prazer e alegria dos que nela estão enredados.

O  que Lacan estava falando, na verdade, é da desproporção entre os sexos, entre os parceiros, entre os desejos de cada um em relação ao outro. Relação então, no sentido de proporção. Rapport.

Com certeza, você sabe do que estou falando, leitor. Com certeza você já experimentou essa desproporção, essa falta de encaixe entre o que você espera do outro, do seu parceiro ou parceira e o que ele ou ela pode lhe dar. É que encontrar com outra pessoa no sexo, no tesão ou na paixão traz uma dose importantíssima de prazer, de vontade de encontrar, de enamoramento mesmo.   “Queria poder gritar /Esta loucura saudável/Que é estar em teus braços/Perdido pelos teus beijos”. Disse Drumond em seu poema “Inconfesso Desejo”.

Mas basta que o encontro abra espaço para outros encontros e os parceiros se encontrarão também com as diferenças, as desproporções, a inexistência da relação- proporção sexual. Aquele ponto em que não dá para entender, não dá para conciliar e que nenhum dos dois está disposto abrir mão de suas convicções, de suas referências. Para além de ser hétero ou homossexual, um par amoroso ou um encontro erótico sempre aponta para o hétero. Porque o outro é, inevitavelmente, não a repetição de nós mesmos. O outro é a diferença. Heteros. O outro é nota dissonante nos pensamentos e sentimentos organizado pela ótica e lógica de um dos pares. Por isso a desproporção. Por isso a inexistência da relação sexual de que falou, Lacan.

Amamos o outro a partir mesmo do que nos falta. ? o outro busca na gente, o que supõe que temos. Equação jamais exata. Encontro desencontrado. Quem nunca experimentou isso? O amor vem para fazer suplência, para inventar pontes no abismos das diferenças. Amor tem a ver com aposta, com poder ir adiante suportando o obscuro, o que não está claro, o que não parece compreensível. É acolhimento. No amor não são dois em um. É justamente porque o amor fracassa na tentativa de fazer Um, que volta-se a amar e a desejar. Amor como tessitura, fio perpassando, costurando e cortando, separando e juntando. O amor produzindo acontecimentos. Seja no corpo, animando a vida, fazendo pensar, arrumando e desarrumando para tentar novos arranjos. O amor produzindo agrupamentos, laços e pactos civilizatórios.

Incansável amor de todos os tempos e de infinitas formas e modos de apresentação. Amor dom e falta, amor entrega e resistência, amor presença e ausência, amor distância e proximidade, amor encontro e obstáculo. O amor e suas complexidades. Amor dentro do tempo e mais além dele. Amor luminosidade dos instantes de  encontro, onde a ilusão de fazer um irradia seus claros. Deixo você com o poema de Adélia Prado que fala do Amor, mesmo quando ele não é nomeado. Chama-se “A coisa mais fina do mundo. Veja, leia, ouça leitor: Minha mãe achava estudo/ A  coisa mais fina do mundo./ Não é/   A coisa mais fina do mundo é sentimento./Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,/ ela falou comigo:/“Coitado, até essa hora no serviço pesado”./ Arrumou pão, deixou tacho no fogão com água quente./Não me falou em amor./ Essa palavra de luxo.

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