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O ano da fome

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Vicente Serejo
Quem põe os olhos no prefácio que Câmara Cascudo escreveu para explicar como surgiu a ideia genial de escrever a ‘História da Alimentação no Brasil’, hoje na terceira edição e, quem sabe, o mais vendido, vai descobrir que a fome impediu a reunião dos três maiores estudiosos, à época, da mesa no Brasil. O desejo de Cascudo era escrevê-la com A. da Silva Melo e Josué de Castro, uma sacada que teria dado ao Brasil a grande e definitiva enciclopédia da fome brasileira. 
Cascudo, na condição de bom glutão no manejo do garfo e da faca, culpou a própria fome e com toda razão. Silva Melo, um médico, desprezava a fome por ser um homem interessado na composição dos nutrientes de cada alimento, funções e disfunções na digestão humana. E Josué não acreditava na mesa como algo verdadeiro na vida do brasileiro e denunciava as desigualdades sociais, erguendo uma revolta justa que o levaria ao exílio acusado de ser um comunista faminto.
Cada um seguiu sua trilha. Silva Melo construiu, a seu tempo, o maior conjunto de ensaios e estudos sobre a alimentação no sentido nutricional, inclusive do Nordeste. Josué de Castro deu ao Brasil a sociologia da fome, das suas raízes e consequências ao aprofundamento que se agrava a cada dia. E Cascudo viu na fome e no sexo os esteios do homem, daí todas as suas visões – etnográficas e antropológicas – ao retratar, desde as raízes, nossos hábitos, costumes e tradições. 
Imagine, Senhor Redator, o que pode significar, num país de grande patamar cultural em torno da história científica, social e antropológica da alimentação, mesmo por entre as ramagens do bom humor, encontrar alguém a afirmar, como se já não bastasse a peste, que o ano de 2021, no Brasil, será o ano da fome? Quem afirmou? Marcos Nogueira, especialista em gastronomia, em artigo na Folha de S. Paulo, avisando: vai faltar, ainda mais, comida na mesa do brasileiro.  
E ele avisa: não consultou o World Global Style Network, a grande bússola dos senhores da gastronomia: “Foi com base na minha pindaíba que tracei o cenário acre para o ano que vem”. Pensemos num país cercado de fome e desemprego, e orquestrado por um desabrido no desvario do patriotismo. Só é possível pensar o pior. Corremos o risco de um genocídio, não em nome da eugenia da raça, como no sonho macabro de Hitler, mas pela desgraça que muitos não enxergam. 
A inquietação social que o presidente promove, incentivando o maniqueísmo que separa os brasileiros, só serve a ele e a mais ninguém. Nega-se, depois de eleito, e vítima da inegável estupidez de uma facada que quase lhe tira a vida, a exercer seu dever de ser um símbolo a serviço de todos. Arrota e arrosta, vomita e regurgita. Como avisa Nogueira na premonição trágica para todos nós: “Já temos a peste. A fome está a caminho. A guerra mandou avisar que está atrasada”.  
SUSPEIÇÃO – Vale o lugar comum: bem que esta coluna avisou do risco dos fura-filas contra o rigor da vacinação dos profissionais de saúde. O MP suspeita de furos na Prefeitura e no Governo. 

ALIÁS – Muito antes da vacina chegar, o Poder Judiciário, em Brasília, foi o primeiro a tentar o privilégio. Parou diante da reação da sociedade que não teme conde, viscondes e suas condessas.  
BRILHO – Aos 82 anos, o ex-ministro do STJ, José Delgado, mostra toda sua lucidez e elevado padrão jurídico no “Caso Kerinho”. Mantém a tradição jurídica do RN desde Amaro Cavalcanti.  
PETISMO – As várias faixas dirigidas, indiretamente, à Justiça Eleitoral – ‘Devolvam o mandato de Mineiro’ – é o exemplo típico da deselegância petista. Quem tomou, por acaso? Foi a Justiça?
VIVA! – Laurita Arruda informou a reabertura da Nick, criada por D. Inês Mota. Voltam a Natal o melhor pudim de claras e o papo de anjo da cidade. A Nick representa o próprio sabor de Natal. 
POESIA – Do poeta Fernando Moreira Salles, no ‘Diário do Porto Pim’, Iluminuras, SP, 2020, este belíssimo fragmento poético dos abandonados: ‘Na dor das calçadas / na noite indiferente”. 
QUEM? – Ainda bem que a equipe do Itep identificou a paciente de vinte anos, inconsciente, internada no Walfredo Gurgel. Não há pobreza humana maior do que um ser humano sem dono. 
SERÁ? – As línguas catilinárias da imortalidade vaticinavam na manhã de ontem que o candidato da lisonja, considerado donatário do favoritismo, pode não sair da urna com a maioria que espera.  
CIRCO – Bonito “O Circo Chegou”, poemas de Diógenes da Cunha. Pena ele, bom leitor de Câmara Cascudo, não ter homenageado o pioneirismo de Cascudo com o ensaio “Os Velhos Entremezes Circenses”, publicado na revista Douro Litoral, Porto, Portugal, 1951. Há 70 anos. 
MAS – Nem por isso, a poesia ficou menor em “O Circo chegou’ (Espelho D’Alma’, SP, 2020), com ilustrações e apresentação de Iaperi Araújo, entre elefantes, camelos e bailarinas: “Homens que trazem tristeza / vendem sonhos, fantasias / Eu trago a boa riqueza / sou produtor de alegria”. 
FEITIÇO – É com feitiçaria e licença poética que Diógenes arma o circo dos versos à sombra do Baobá e deixa avisos assim: “Todo mágico é sacerdote”, “Todo mágico é sedutor”, “Todo mágico é feiticeiro”. Como bem diz Iaperi Araújo, “louva a tradição dos fazeres e dos saberes do povo”.
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