Ramon Ribeiro
Repórter
Gabriel Andrade Jr, desenhista
Nesta entrevista Gabriel fala da rotina como quadrinista em Macau. Lembra de algumas histórias na cidade e explica porque, mesmo com vários convites para trabalhar em outros lugares (inclusive fora do país), ele continua em solo potiguar.
Xuxa e Superman
Cheguei em Macau com quatro anos de idade. A cidade ainda tinha cinema nesse tempo. Fui a duas de suas últimas sessões, num sábado nublado. O primeiro filme que assisti foi uma reapresentação de “Lua de Cristal”, da Xuxa. Odiei. Mas o segundo foi “Superman”, do Richard Donner. Foi um das coisas mais mágicas e maravilhosas que eu já tinha visto.
Lampião à querosene
Do tempo da Jardineira
Nos finais de semana, quando sobrava um dinheiro, meu pais me levavam a praia de Camapum. Era um lugar muito agradável e cheio de vida, com músicos cantando e muitas pessoas de vários lugares diferentes. Como a praia fica a 2km da cidade, havia um transporte, que nós chamávamos de “Jardineira”, era uma caminhonete com vários bancos de madeira e uma espécie de cobertura de lona, parecia um barco. Era uma época bem diferente. Os carnavais eram um período brilhante, recebíamos muitos familiares que vinham de toda parte. Era uma festa recheada de muita música boa e também de muita diversão. Haviam muitos blocos organizados e um campeonato esportivo, circos itinerantes com atrações bizarras e palhaços mequetrefes, parques enferrujados que pareciam resquícios de antigos filmes dos anos 80, tudo fazia parte da brincadeira.
Cidade barulhenta
Eu fiz poucas coisas inspiradas em Macau. Acredito que isso tenha muito a ver com o pesar que sentia a cada ano que passava aqui. Eu vi aos poucos a cidade se afundar em barulhos, drogas e violência. Na minha adolescência tudo que eu queria era ir embora. Hoje, depois que voltei, praticamente nenhum dos meus amigos mora aqui, e a cidade passa por um persistente período de estagnação. Mas isso não impediu que novas manifestações culturais e projetos independentes nascessem.
Driblar os problemas
Morar aqui é bem difícil, é uma cidade muito barulhenta, com poucas opções. Em alguns aspectos, é até cômodo. E a distância torna a visita dos amigos um evento especial. Trabalhar também não é fácil e as vezes é um profundo sacrifício. Tentar ler um roteiro e ignorar o barulho dos carros de som e paredões nas ruas é uma tarefa injusta, não se acostuma com isso, mas é possível administrar à duras penas. No entanto o que restou das amizades tem me sustentado até aqui.
Responsabilidades com a família
Desde que me tornei músico e artista profissional dos quadrinhos que eu recebo propostas para trabalhar fora da cidade. Mas eu tenho muitas responsabilidades com a minha família. Minha mãe cuida sozinha do meu pai e de minha irmã. Ambos são completamente dependentes de nós. Como no meu trabalho eu posso morar onde eu quiser, resolvi por morar o mais próximo possível deles para poder dar assistência sempre que preciso.
Alan Moore
A grande maioria dos artistas que me parabenizou (pelo convite de Alan Moore) também me deu os pêsames. Mas não era nada do que eles estavam pensando. Não foi nada difícil trabalhar com ele. Somos duas pessoas bem exigentes então “rolou uma química” quase que imediata. Depois que ele percebeu que podia confiar no meu trabalho as coisas foram se tornando ainda mais fluidas. Neste momento estamos trabalhando num novo projeto que deve ser lançado ainda este ano, espero.
Pouco publicado no Brasil
Acabou de sair pela Panini o encadernado “Cinema Purgatorio”. É uma antologia de terror e ficção, um projeto do Alan Moore com vários artistas e escritores. Todos os outros trabalhos feitos por mim infelizmente não chegaram por aqui. O mercado de quadrinhos ainda é pouco eclético no Brasil, uma realidade que tem mudado nos últimos anos. Em Natal, tive uma HQ publicada numa edição da revista Maturi, em 2008, pouco antes de eu me tornar um quadrinista profissional.
Trabalhar com amor
Eu trabalho cerca de seis à nove horas por dia, dependendo do humor. Eu sempre recebo os roteiros antes de começar o mês. Se precisar, ou tiver alguma dúvida, marco uma reunião com o roteirista, mas posso falar na hora em que eu precisar com os editores, que estão sempre a postos para qualquer dificuldade no trabalho. É uma rotina simples e prazerosa, amo meu trabalho.
Novos projetos