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O ativista da cultura nordestina

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Ramon Ribeiro
Repórter

No movimento de valorização da cultura popular nordestina no Sudeste, um potiguar tem atuação destacada. Cantor, compositor e cordelista, o mossoroense Marcus Lucenna é mais conhecido no Rio de Janeiro que em sua terra natal. Ele chegou na Cidade Maravilhosa em 1977, aos 16 anos, trazendo na bagagem o sonho de fazer carreira artística. Nas quatro décadas no Rio, tanto quanto artista, ele se tornou um grande ativista cultural.

Cantor, compositor e cordelista, o potiguar Marcus Lucenna é referência no movimento de valorização da cultura popular nordestina


Cantor, compositor e cordelista, o potiguar Marcus Lucenna é
referência no movimento de valorização da cultura popular nordestina

Durante seis anos Lucenna foi gestor do Centro Municipal Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, a famosa feira de São Cristóvão, meca do forró no Rio. Como poeta popular, foi eleito em 2000 para ocupar a cadeira 7 da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC). Na música, tem 15 álbuns lançados, o mais recente é “Marcus Lucenna na Corte do Rei Luiz”, disponibilizado nas plataformas digitais em agosto deste ano.

O disco novo traz na faixa “A Mala do Folheteiro” uma homenagem ao universo cordelista, de forma premonitória ao registro do cordel como Patrimônio Imaterial do Brasil, definido semana passada pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural – órgão colegiado de decisão máxima do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A composição é uma parceria com o poeta Klévisson Viana.

“Nós antecipamos a aprovação do Iphan. Na época que compus a música eu era diretor cultural da ABLC, estava procurando focos de produção de cordel, ai me inspirei para fazer esta música”, diz Lucenna por telefone ao VIVER. “A música fala de uma figura muito importante, o folheteiro, o cara que chega numa feira livre, abre a mala de cordéis e começa a declamar as poesias para juntar gente. Nem sempre o poeta é bom vendedor. Por isso a importância dos folheteiros. Foram eles que conseguiu espalhar o cordel pelo Brasil”.

Lucenna regrava “A Mala do Folheteiro”, na qual previu o registro do cordel como Patrimônio


Lucenna regrava “A Mala do Folheteiro”, na qual previu o registro do cordel como Patrimônio
O disco “Marcus Lucenna na Corte do Rei Luiz” conta com 15 faixas, dentre regravações de sucessos autorais, parcerias com outros artistas e regravações de clássicos de compositores que lhe serviram de inspiração, como Luiz Gonzaga.

Por enquanto Marcus Lucenna não tem shows confirmados no RN, mas ele garante que até o fim do ano estará pelo Nordeste. Confira os principais trechos da entrevista o artista, em que fala um pouco do disco novo, da sua relação com o cordel e da militância em prol da cultura nordestina no Sudeste.

Cordéis icônicos
Na música “A Mala do Folheteiro” eu cito cordéis famosos, como “O Romance do Pavão Misterioso”, “A Vida de Pedro Cem”, “O encontro de João Grilo com Pedro Malazarte”, “As perguntas do Rei e as respostas de Camões”. O cordel teve várias fases. Teve o ciclo dos vaqueiros, que fez muito sucesso, teve o ciclo do cangaço. Um cordel que não cito na música mas é um dos meus prediletos é ‘O Cachorro dos Mortos’, o mais importante de Leandro Gomes de Barro. Fala de um crime praticado na frente de um cachorro”, comenta o potiguar.

Disco novo e livro para 2019
Eu atuo no forró pé-de-serra. Para esse meu 15º disco, peguei algumas músicas importantes na minha carreira. “Tome cheiro”, meu maior sucesso, gravado em 1992. “Salvador daqui”, regravei essa música em todos os meus discos. Acho que agora cheguei na versão definitiva. Trago duas regravações de Luiz Gonzaga. Gravei também “Caboclo Sonhador”, com participação de Maciel Melo. É uma música emblemática. No ano que vem completo 30 anos de carreira. Vou lançar um livro em janeiro. Vai mostrar um pouco da trajetória do forró desde os primórdios até os dias atuais.

Paixão pela cultura popular
Sou filho de poeta, o Major Lucenna. Cresci ouvindo ele declamar poesia. Também ouvia muito a programação da Rádio Comércio de Pernambuco, que tinha programas sobre cultura popular. Severino, Irmãos Lima, Juvenal Evangelista, ouvi bastante, todos poetas da geração do meu pai. Aprendi cedo os rudimentos do cordel e do repente. Mas decidi que queria ser cantador.

Academia Brasileira de Cordel
A academia do cordel é como uma confraria. Temos 40 cadeiras vitalícias. As reuniões são mensais e abertas. A última foi no dia 19, quando o IPHAN reconheceu o cordel como Patrimônio Imaterial do Brasil. A academia estava lotada.

Cordel como Patrimônio imaterial
Quem deu início no pedido de registro no IPHAN foi a ABLC, por volta de 2008 ou 2009. Mas foi só em 2013 que o processo foi intensificado. É muito trabalho  fazer a pesquisa, requer orçamento. O Iphan tem que ir em todos os focos de produção de cordel. É feita uma radiografia nacional, com fotos, vídeos, entrevistas. Acredito que com o registro de Patrimônio Imaterial, do ponto de vista institucional, o cordel não vai mais morrer.

Forró como Patrimônio Imaterial

O que fizemos com o cordel estão fazendo com o forró, desde 2011. Joana Alves, do Balaio do Nordeste, que deu entrada no pedido de registro no Iphan. Já promovemos reuniões aqui no Rio. Sei que está tendo em outras cidades do Brasil. É algo muito importante. Adoro o mundo do samba, mas o forró não tem igual.  É uma cultura muito forte.

Na base do forró pé-de-serra, o álbum traz sucessos como Tome Cheiro, e regravação da emblemática Caboclo Sonhador, com participação de Maciel Melo


Na base do forró pé-de-serra, o álbum traz sucessos como “Tome Cheiro”, e
regravação da emblemática “Caboclo Sonhador”, com participação de Maciel
Melo

A Feira de São Cristóvão
A Feira de São Cristóvão é o maior espaço dedicado a cultura nordestina fora do Nordeste. Temos seis palcos aqui. A feira é a meca do forró no Rio de Janeiro. Mas na cidade temos casas de show que abrem espaço para o forró, inclusive na Lapa. Antes tínhamos o Malagueta, foi um templo do Forró, e uma banda que fez sucesso foi Forró Sacana.


Nordestinos cariocas

Estamos na terceira geração de nordestinos no Rio de Janeiro. Temos artistas voltados para cultura nordestina mas que não nasceram no Nordeste. Marcelo Mimoso, filho de sanfoneiro, nasceu no Rio. Chambinho, fez Gonzagão no cinema, nasceu no Sudeste. Temos cordelistas bons aqui que nunca pisaram no Nordeste.

A profecia de Gonzagão
Luiz Gonzaga tinha uma profecia. Dizia que a música nordestina tinha ciclos de 20 anos. Tem a ver com olhar pra trás, descobrir a importância de quem veio antes e fazer algo novo. Teve a geração do Luiz nos anos 40, depois veio os baianos da Tropicália, nos anos 60. Nos 80, foi a geração de Belchior, Alceu Valença, Elba Ramalho, Fagner. Nos anos 2000, não foi no Nordeste, o grupo Falamansa estoura bebendo nas nossas raízes. O próximo ciclo será em 2020. Acredito que será capitaneado por forrozeiros já conhecidos no Nordeste, mas que não chegaram a estourar nacionalmente. Nessa levada por vir o Flávio José, Petrúcio Amorim, Santana Cantador, eu…

Antônio Francisco
Moro há 40 anos no Rio. O pessoal de Mossoró me conhece dos shows que faço no período de São João. Mas mesmo distante, tento acompanhar o que o pessoal tem produzido na minha cidade. O Antônio Francisco sei que faz um grande sucesso. Aquele livro dele, “Dez cordéis num cordel só”, eu adorei. Eu lia os poemas dele numa rádio aqui no Rio. Trouxe ele para a ABLC. Foi eleito para a cadeira de Patativa do Assaré.

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