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“O Brasil passa por uma crise moral sem precedentes”

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VILLAS-BÔAS CORRÊA:

Às vésperas de completar 83 anos de idade e já chegando aos 60 anos de reportagem política, o jornalista Villas-Bôas Corrêa veio a Natal participar do encontro de Escritores promovido pela Fundação Capitania das Artes. A TRIBUNA DO NORTE aproveitou a oportunidade para mais uma vez ouvir a “voz da experiência” sobre assuntos como reeleição, governo Lula e pressões sociais.

Quanto a este último, Villas-Bôas Corrêa alerta para o cenário atual. Segundo ele passamos por uma crise sem precedentes, de ordem ética e moral; e que não tem como prever no que vai resultar. Pessimismo? Pode ser, mas os argumentos são bastante consistentes. E não só sobre a crise, mas sobre o atual governo Lula e também acerca da  reeleição do presidente, análise que ele iniciou sem que fosse preciso fazer a pergunta. Com ele, a palavra:

Como o Sr. vê o governo Lula?
Villas-Bôas Corrêa: À margem da avaliação de se o governo Lula foi bom ou ruim, que eu acho que é algo polêmico porque acertou em algumas coisas e em outras cometeu erros brutais; evidente que um candidato com as qualidades do Lula, com sua liderança e seu governo popular; com o grande desembaraço da comunicação popular…

O carisma que ele possui…
VC: O carisma. Ele fala uma linguagem inteiramente errada – pobre da concordância – mas ninguém pode negar que ele é um grande comunicador. Tanto é que do nada se transformou na maior liderança sindical da história do País. Lula foi candidato com a vantagem extra não desprezível de disputar o mandato no exercício do cargo, o que eu acho uma excrescência indefensável que é esse sistema de reeleição.

O senhor sempre foi contra a reeleição?
VC: Sempre fui contra. Porque a reeleição privilegia o candidato no cargo.

Mesmo quando o político tem de se afastar do cargo?
VC: Bem, essa é a forma palatável da reeleição. Mas no exercício do cargo, não. Voltando a Lula: além disso tudo, distribuindo 11 milhões de cestas básicas, quem agüenta isso? Ele distribui 11 milhões, o que corresponde ao atendimento direto de cerca de 44 milhões de pessoas. Em cima disso, a oposição – por falta de uma alternativa viável –  saiu com um péssimo candidato.  

Por que Alckmim era tão ruim?
VC: Ele é um sujeito altamente respeitável. Mas foi simplesmente isso: para enfrentar o Lula colocaram um paulista branquelo, sem cabelo e com um linguagem muito arrumada. E um paulista tão paulista que parecia ser candidato a mais um mandato de governador de São Paulo. Quer dizer, ele deixou Lula dançar e bailar sozinho no salão.

O senhor concorda com a avaliação de que Alckmim foi ‘leão quando tinha de ser cordeiro’?
VC: Mas a violência dele também não bateu. Os dois candidatos deixaram o cenário em aberto. O Lula por indiferença. E o Alckmim por incompetência. Eles não tocaram na questão da defesa do meio ambiente, na devastação da Amazônia, a devastação do país…. O país está sendo devastado e enquanto isso Alckmim foi ver o problema de delegacias abandonadas, segurança na fronteira; e não viu a devastação. Que é muito mais importante que a questão do contrabando. Ele foi um péssimo candidato. Não bateu no lugar certo. Bateu no lugar errado.

Como o senhor avalia o segundo mandato Lula?

VC: Por enquanto de maneira muito pessimista. Porque não é só o Lula. O País como um todo está mergulhando numa crise que ninguém sabe como vai terminar. Uma crise institucional. E que tem várias conotações. A mais séria delas hoje é a crise ética e moral. O Congresso está desmoralizado. É o mais desmoralizado Congresso que eu conheci em todos esses anos de repórter político.

O senhor concedeu uma entrevista recente e disse que temia pela qualidade do próximo Congresso, eleito para 2007. O temor se confirmou?
VC: Eu duvido que o próximo consiga ser pior do que este que foi eleito. Por que não sei o que vão inventar mais. E é um Congresso que não está revelando a menor sensibilidade moral e ética para uma reação a esta crise. Ao contrário: está claramente havendo um abafamento. O que está se armando aí é que os parlamentares devem começar a ganhar aí em torno de R$ 140 a 150 mil por mês, em salário diretos e indiretos. Isso compreende um aumento de R$ 24,5 mil de subsídio (que é o teto do Supremo). Isso vai na certa. Porque evidentemente vai ter quorum à vontade. Não vai faltar quem vote nisso. Pode haver uma reação durante um, dois, três dias mas não vai passar disso. Em cima disso, eles vão incluir a verba indenizatória de R$ 15 mil. Em cima disso ainda tem quatro passagens mensais para seus estados; R$ 512 mil para contratar assessores, para muitos que não vão nem lá; e para completar há uma mancha negra (como uma nuvem de chuva) que é o número dos que rateiam os valores pagos aos assessores.

Há algo mais?
VC: Tem uma verba de R$ 4 mil  para selos. E não há nenhuma sensibilidade para acabar com isso.

E porque não há uma reação? Ou: onde começa essa reação? Nas urnas?
VC: Nas urnas a reação foi muito fraca. Houve um bom número de deputados envolvidos em escândalos que não foram reeleitos. Mas há casos escabrosos como o João Paulo Cunha, apanhado colocando a mulher para receber mensalão. Pra completar, em cima disso tem o problema do PT. Parece que o PT está se afastando do Lula. Ou o Lula está se afastando do PT. Porque o Lula não agüenta mais a gatunagem do PT. E não tem competência para resolver esse problema.

Há uma charge feita aqui no Estado na qual Lula está na cama com o PT mas diz: ‘sai pra lá!’. Na prática, o Lula ainda está PT?
VC: Olha o Lula é o PT e o PT é o Lula. Isso é indissolúvel. Mas há uma crise no casal. Eles estão amuados. Porque nenhum partido aceita redução de participação no governo. Por outro lado ainda tem a pauta de projetos do Lula que não passa de uma pauta de pretensões. Tem a reforma política. Mas que reforma é essa? A reforma política vai desde esse esparadrapozinho da cláusula de barreira e acabar com os pequenos e passa pela fidelidade partidária…. Não é que não seja importante. Mas isso é secundário. O que tem de ser feito é moralizar o Congresso. E como vai moralizar o Congresso se pela primeira vez o Supremo começa a entrar nessa gandaia. Absolutamente inaceitável essa sugestão que o Supremo deu de aumentar o teto de R$ 24.500 mil para R$ 33,300. Há também a questão dos movimentos sociais…

A pressão social que eles exercem…
VC: Pois bem, esses movimentos sociais que deram uma trégua, eles vão voltar já com a cobrança. Como Lula vai atender eles? Como ele vai atender o MST, que está sendo mantido ao Bolsa Família; um projeto emergencial que matou a fome de muita gente mas que deveria ser pensado de forma em transformar esses bolsistas em pessoas com emprego. Mas Lula não tem rotina administrativa. E além do MST tem os outros, que se envolvem com a questão do mínimo, por exemplo.

O senhor acha que o país vai ferver?
VC: Vai. Acho que isso bate em março. Se ferver antes significa que o fracasso de Lula vai ser antecipado. Pode ser que ele se saia bem.

Com a eleição de Lula se chega ao fim de um ciclo político no qual não há novos expoentes políticos que possam disputar a presidência?
VC: Hoje não há um divisor de águas. E a política reclama uma polarização. Sempre foi assim. Desde a queda do Estado Novo. Perpassando tudo isso aí teve o grande confronto ideológico que foi marca da redemocratização. A partir daí o sistema partidária começou a se organizar dentro de um confronto ideológico básico, de direita e esquerda, independente do que quer dizer isso hoje. E isso hoje está virando um borrão. E quem vai recuperar isso? E eu não sei nem se essas polarizações se manterão dessa forma.

E o futuro? Quem atualmente tem potencial para ser presidente? Aécio Neves?
VC: Hoje é o mais forte. Ele vem muito bem. Mas há quatro anos pela frente. E do lado de Lula também há um problema: quem vai substituir ele? No caso do PT, se um governador tiver um desempenho bom, pode consolidar uma liderança. Mas sempre é difícil consolidar uma liderança debaixo do poder mas não ser o preferido do ninho.

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