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O caminho do empreendedorismo

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Renata Moura e Andrielle Mendes – Editora e repórter de economia

Tecidos, linhas, tesouras, 50 máquinas de costura overloque e 40 trabalhadores, com carteira assinada. No município de Ceará Mirim (RN), onde as atividades  de agropecuária, pesca, extrativismo e comércio são fonte de renda para grande parte da população, a indústria de confecção montada há 17 anos por Maria Lúcia Silva de Medeiros ganha força. A aproximadamente 30 Km dali, próximo a Natal, capital potiguar, o ex-garçom Joaldo Fernandes de Souza está atrás do balcão, em meio a prateleiras abarrotadas de bocas de fogão, peças para liquidificadores, estilingues e toda a sorte de utensílios domésticos. Ele virou comerciante e empregou o técnico de gerência de produção Djean Nascimento, de 23 anos.

Joaldo, ex-garçom, faz parte de um batalhão formado por mais de 26 mil autônomos que formalizaram seus negócios no RN por meio do Empreendedor Individual. Nos últimos anos, uma conjunção de fatores estimulou o empreendedorismo no Brasil. O crescimento da economia adubou o terreno para a abertura, manutenção e crescimento dos negócios. Nesse processo, as micro e pequenas empresas contaram com um incentivo extra. A entrada em vigor da Lei Geral, em 2007, e a criação do Empreendedor Individual reduziram a carga tributária, facilitaram a abertura e o fechamento das empresas, diminuíram a burocracia e abriram portas para que se formalizassem, expandissem, gerassem mais empregos e ocupassem cada vez mais posição de destaque no mercado.

A Pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM  2010), que mede as taxas de empreendedorismo no mundo, dá mostras dos resultados dessa transformação. De acordo com os dados, 17,5% da população brasileira estão, atualmente, atuando como empreendedores.  Considerando a população adulta do país, na faixa de 120 milhões, isso significa que 21,1 milhões de brasileiros são empreendedores, sendo 2/3 empreendedores por oportunidade – aqueles que abrem um negócio porque identificaram uma oportunidade de mercado e que são maioria no Brasil desde 2003 – e 1/3 deles  empreendedores por necessidade, pela falta de melhores alternativas profissionais ou de emprego.

Num ambiente tão fértil para empreender, Joaldo de Souza aprendeu, no Rio Grande do Norte, a equilibrar mais do que bandejas. O homem, de fala rápida e “pacato”, como se define, aprendeu a se equilibrar no mundo dos negócios. Montou uma loja, pegou crédito no banco, formalizou a empresa, mudou-se para um espaço três vezes maior e assinou a carteira de trabalho de Djean, com quem divide diariamente a missão de administrar o comércio. Maria Lúcia, que começou com uma máquina de costura, multiplicou o número de encomendas, de máquinas e assinou 40 carteiras de trabalho também aproveitou a maré favorável para crescer. Hoje, a TRIBUNA DO NORTE inicia uma série de reportagens que conta essa e outras histórias. Mas que também mostra que é necessário eliminar ainda várias barreiras que comprometem a prosperidade dos negócios.

Nova lei de apoio estimula negócios no RN e no país

Um reportagem especial publicada na revista The Economist, em março de 2009, já dizia que os empreendedores estão vendo o nascimento de um mundo novo, de maior valorização da atividade empreendedora. Afirmava ainda que, apesar da crise, o empreendedorismo e a inovação têm o apoio de líderes políticos, inclusive de países de economia fechada. No Brasil, uma mostra desse apoio foi dada em novembro deste ano quando a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei que amplia o Simples Nacional e o Microempreendedor Individual (MEI), regimes especiais de tributação. A nova legislação ampliou as faixas de enquadramento nos regimes.

Com a medida, os valores máximos que as empresas poderão faturar anualmente para permanecer no programa sobem de R$ 240 mil para R$ 360 mil para as microempresas e de R$ 2,4 milhões para R$ 3,6 milhões para as pequenas empresas. O teto para os empreendedores individuais – profissionais autônomos que contribuem para a Previdência Social e podem empregar até um funcionário – passou de R$ 36 mil para R$ 60 mil por ano. A lei era nacional. Mas foi seguida pelo Rio Grande do Norte, onde os limites também foram ampliados. “A ampliação dos limites abre uma perspectiva positiva”, diz o coordenador do Núcleo de Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral e um dos especialistas  entrevistados para elaboração da pesquisa GEM, Afonso Cozzi.

Com limites maiores de enquadramento, empresas com faturamento maior poderão fazer adesão e as que já estão dentro do programa poderão crescer, sem perder os benefícios. Um deles é a redução da alíquota de tributos estaduais e federais, a partir de janeiro de 2012.

Outras mudanças serão implementadas a partir do próximo ano em benefício do segmento. Com a nova lei, o empreendedor individual passará a poder alterar e fechar o negócio pela internet e a qualquer momento.

O projeto também dá sinal verde para que as empresas do Simples parcelem em até 60 meses os débitos tributários, o que até agora não era permitido. Sem o parcelamento, elas seriam retiradas do sistema em janeiro.

Em novembro, quando aprovou as medidas, a presidente Dilma Rousseff disse que “o governo estava dando uma demonstração de que está preocupado com a economia real do Brasil, com aquilo que gera riqueza para o País e com o que vai assegurar que tenhamos todas as condições (para crescer e enfrentar a crise)”.

“Principalmente no mundo pós-crise, os empreendedores têm um papel central na criação de novas empresas e postos de trabalho e novas idéias e projetos inovadores”, analisa Afonso Cozzi, da Fundação Dom Cabral.

Edmund Phelps, um dos ganhadores do prêmio Nobel, argumenta que a atitude empreendedora tem um grande impacto no crescimento econômico, nos dias atuais. Para  Marcelo Bavelloni, professor convidado de Administração, Finanças e Marketing da Universidade Potiguar (UnP), coordenador do Núcleo de Empreendedorismo da universidade e professor do curso de Gestão Empresarial/Marketing da Fundação Getúlio Vargas, “o mercado está abrindo novas oportunidades, o governo está mudando as regras para se abrir um negócio, os bancos estão sendo mais flexíveis. Tudo está avançando junto; entrando numa sinergia”, diz.

O QUE É EMPREENDEDORISMO

Em suas origens, há 200 anos, o empreendedorismo aparece associado ao desenvolvimento econômico, à inovação e ao aproveitamento de oportunidades em negócios, diz o coordenador do Nucleo de Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral, Afonso Cozzi. De forma mais ampla, como lembra Dolabela (2008), o empreendedorismo está ligado à geração de riquezas, seja pela transformação de conhecimentos em produtos e serviços, seja pela inovação. “A inovação, aliás, é um atributo essencial ao empreendedor”,observa Cozzi. Ele acrescenta que o  empreendedorismo não trata somente da criação de novas empresas, mas da atitude empreendedora de uma pessoa frente ao trabalho e à própria vida, lançando um novo olhar sobre a capacidade empreendedora. Esse novo olhar aumentou a abrangência do termo empreendedor, que passou a incluir vários grupos, tais como os empreendedores do terceiro setor, os empregados de empresas privadas e de instituições públicas (intraempreendedores), os que estão nas funções de ensino, pesquisa, dentre outros. 

Oportunidade e necessidade mudam histórias de vida

O número de brasileiros que empreendem por oportunidade – que optam por iniciar um novo negócio, mesmo quando possuem alternativas de emprego e renda – aumentou no Brasil. Mas muitas vezes é a falta de emprego que serve de ímã para o mundo dos negócios.

  Maria Lúcia Silva de Medeiros, Dilú, dona de uma confecção em Ceará Mirim, e Joaldo, dono de uma loja de utensílios domésticos, encaixam-se neste cenário. Ela tornou-se empreendedora por necessidade, mas hoje empreende por oportunidade. Ele, apesar de só ter  aberto o próprio negócio após sair do antigo emprego, uma pizzaria onde trabalhava como garçom, diz que identificou uma oportunidade de mercado. “Meu cunhado já trabalhava nesse ramo, na área de atacado, e eu também observei que a concorrência  não era grande na área. Encontrei um ponto para colocar a loja e deu certo”, conta. O negócio, criado em 1999, foi formalizado há um ano. Joaldo virou empreendedor individual. “Pago poucos impostos, tenho direitos como aposentadoriae  ainda ganhei confiança dos fornecedores. Hoje, em vez de comprar com dinheiro, uso cheque pré-datado”, destaca. 

A história de Dilú é mais antiga. Em 1992, ela perdeu o emprego. Professora contratada, não pôde participar do concurso que a efetivaria. Saiu às pressas de casa no dia da avaliação, mas para a maternidade, onde deu a luz ao primeiro filho. Para ajudar o marido, ela vendeu o enxoval do casamento, que confeccionou com a máquina de costura doméstica que ganhou da mãe, presente de formatura do ensino médio.     Com parte do dinheiro obtido com a venda, abriu um armarinho com a irmã, em 1993.

Dois anos depois, comprou a parte da irmã. Nesta época, o marido de Dilú foi dispensado. Os dois resolveram aplicar o FGTS no negócio, já formalizado. Foram a Caruaru, Pernambuco, compraram uma máquina de costura overloque, e vários metros de sulanca, um tecido mais barato. Começaram a vender calcinhas numa banca na feira livre de Ceará Mirim. Não demorou muito e Dilú passou a revender o produto para os colegas de feira.    

 Nesse mesmo período Dilú teve oportunidade de costurar camisas para um evento na cidade. “Vi que a margem de lucro era maior e o retorno mais rápido”. Novos clientes surgiram e ela deixou de confeccionar calcinhas. Surgia a Dilú Camisetas, hoje a Dilú Uniformes. A fábrica, que produz uniformes escolares, esportivos, promocionais, profissionais e hospitalares, em malha e tecido plano, tem capacidade de produzir até 500 peças por dia. Entre os clientes, estão grandes empresas privadas, colégios particulares e universidades. Além da fábrica, Dilú abriu duas lojas: uma em Ceará Mirim e outra em Natal. Ela planeja ampliar a fábrica em 2012 e abrir a terceira loja em Mossoró, mas ainda sonda o mercado.

A fábrica, que começou num pequeno cômodo, com uma máquina overloque, hoje conta com 50, entre outros equipamentos, e ocupa vários terrenos, no centro da cidade. Dilú e o marido foram comprando os quintais dos vizinhos. Hoje a fábrica, uma das poucas da cidade, emprega 42 pessoas,

todas com carteira assinada. Maria Conceição da Silva, Ceiça, é uma delas. Ela trabalha na confecção há cinco anos. Neste período, conseguiu comprar a casa própria e uma moto usada. Este é o seu primeiro emprego com carteira assinada. “Agradeço todos os dias por este trabalho. Antes, eu trabalhava numa casa de família, mas nãorecebia salário”.

SERVIÇO:

Para saber mais:

– Empreendedor individual: http://www.portaldoempreendedor.gov.br/modulos/inicio/index.htm

– Simples Nacional: http://www8.receita.fazenda.gov.br/SimplesNacional/

Bate-papo: ZECA MELO » Superintendente do Sebrae/RN
“O ambiente é melhor, mas temos coisas para resolver”

O ambiente é atualmente favorável ao empreendedorismo?

Poderia ser melhor. Já avançamos em alguns aspectos.  A Lei Geral ocasionou uma verdadeira reforma tributária, extremamente positiva para os pequenos. Simplificou, desburocratizou e reduziu a carga tributária para eles. A lei também abriu caminho para avanços em outras áreas. Tornou mais fácil abrir um negócio, permite que isso seja feito pela internet, estimula a inovação, prevê, por exemplo, preferência para o segmento na hora de vender para os governos. Esse, aliás, é um mercado gigante que se abre, mas ainda acessado somente por 14,4% dos pequenos negócios. O ambiente é melhor, mas temos algumas coisas para resolver. Em termos de Brasil, temos que resolver urgentemente a questão dos encargos sociais da folha de pagamento. Não é possível que uma pequena empresa, pequena gráfica, padaria pague a mesma coisa que uma multinacional. Vamos  discutir o assunto em 2012. Discutir também a mpliação do empreendedor indiviadual para o pequeno empresário rural, discutir a entrada de novos setores na lei. No caso do RN, os indicadores das micro e pequenas empresas são muito bons. É até preocupante de tão bons.

Por que?

Porque você não monta uma economia estável só com base na micro e pequena empresa. É muito importante que se tenha grandes. Um grande hotel movimenta um cem número de empresas de alimentação, prestação de serviços e lazer. As pequenas precisam de investimentos para que continuem orbitando em relação às grandes e surfando na onda do crescimento. Do ponto de vista do RN, acho que é preciso avançar em algumas coisas em termos de políticas públicas. Uma coisa importante é que, hoje, dos 167 municípios do estado, 147 aprovaram uma lei geral municipal. Isso representa mais de 90% da população do estado.

Qual é o desafio?

O desafio agora é fazer isso funcionar. É preciso inserir definitivamente os pequenos negócios, por exemplo, nas compras governamentais. Não tem sentido os municípios se abastecerem de merenda, de compras na área de saúde, de prestação de serviços fora de seus municípios quando podem comprar tudo isso dentro deles. Temos que criar condições para que essas vendas sejam feitas por pequenas empresas locais. É preciso fazer a lei funcionar com três coisas importantes. Uma na questão do crédito para o pequeno. É preciso haver uma linha específica, atrelada aos interesses do estado. Um programa de compras governametais também é muito importante. Trabalhar sem pararar a questão da inovação também. Quanto às linhas de crédito, precisamos de linhas que possibilitem descontar os recebíveis na agência de fometo. Fazer com que o empresário consiga vender para o poder público e fazer com que possa receber esse dinheiro num programa casado com a agência de fomento. A AGN pde ser bem utilizada nisso. Negociamos isso este ano, mas foi um ano de dificuldade para o govero. Acho que vamos conseguir fazer isso em 2012. Outra coisa é atrelar definitivamente a pequena empresa nos grandes projetos do RN. A gente conseguiu fazer isso com a Petrobras, para quem não vendemos hoje só boné e camiseta. Temos uma estrutura de mais de 100 pequenas empresas no Oeste do estado que empregam milhares de pessoas que vivem em função do negócio do petróleo. Conseguimos inserir a pequena empresa do RN no negócio do petróleo, na parte de prestação de serviços.

Que outros investimentos podem oferecer oportunidades para o setor?

Grandes obras. Como por exemplo, do estádio de futebol, o aeroporto e as grande indústrias que chegam. Precisamos de um grande programa de capacitação de fornecedor para identificar se há espaço para as empresas e dar apoio a elas. É uma política específica de apoio a crescimento das empresas. Outro grande desafio é a questão da eólica. Iniciamos trabalho com a Fiern e o BNB – contratamos UFRN e IFRN – para tentar descobrir na cadeia da eólica onde o pequeno pode entrar. São desafios.

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