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O Caminho

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Cláudio Emerenciano [Professor da UFRN]

As marcas perenes de uma civilização não se revelam pelas aparências nem pelo fausto de coisas efêmeras, as quais não explicitam nem se ajustam ao verdadeiro sentido da vida. As civilizações antigas legaram à humanidade uma percepção de grandiosidade em função das superações de obstáculos e adversidades por homens que nutriam fé e esperança. Napoleão, diante das pirâmides egípcias, sentenciou aos seus soldados que, ali, quarenta séculos os contemplavam. Mas o historiador Taine, seu amigo e admirador, advertiu que a monumentalidade dessas construções revelava, sobretudo, a coragem, a arte, a paciência e a obstinação dos seus obreiros. E acrescentou: a arte em si mesma dessas pirâmides, da Acrópole, do Coliseu, do Pantheon e até de Versalhes, tudo isso é expressão do dom de criação dos homens. Há – proclamou por sua vez Arnold Toynbee – um enigma paradoxal entre a fragilidade física dos homens e a substância e o conteúdo de suas ações no âmbito da cultura, da ciência e das coisas do espírito. Eis quando o sopro do Espírito sobre a argila faz nascer o Homem…  

 O elo infinito entre os homens emerge do amor, da paz e da busca de felicidade. Há uma melancolia inesgotável em viver deserdado da paz. Paz interior. Paz social. Paz espiritual, que não exclui ninguém por ser universal. A paz é o estado de espírito do universo. Obra da manifestação infinita de Deus. Eis por que é impossível, nas pequenas e grandes coisas, excluir a ligação e a presença do sentido da vida. A violência, a injustiça, as vaidades, a maldade, enfim, os egoísmos, não são nada. Perdem-se na poeira do tempo. Desaparecem, esfumam-se, excluem-se como algo inútil por não se identificar com a ordem e o curso natural da vida. Fonte de harmonia sem fim. O Papa Francisco, repetidas vezes, invoca as palavras de Cristo quando disse que veio trazer misericórdia. Seu último diálogo com o Pai, na Cruz, foi pelo perdão ao gênero humano: “Pai, perdoai-os, pois não sabem o que fazem”. Até Albert Camus, em “A inteligência e o cadafalso”, foi de certa forma premonitório em relação aos novos tempos: “Martin du Gard (Nobel da literatura, autor de “O drama de Jean Barrois” e “Os Thibault”) partilha com Tolstoi o gosto pelos seres, a arte de retratá-los em sua natureza carnal e a ciência do perdão, virtudes que estão hoje fora de moda”. Eis percepções que não se chocam, mas revelam convergências indiscutíveis. O surto de terror, fanatismo e violência dos nossos dias é a negação da existência humana. O futuro da humanidade se delimita entre a possibilidade de paz interior e paz coletiva dos homens, em contraposição às trevas que renegam a luz, a paz e a verdade. Desafios que infelizmente nos acometemapós percursos luminosos da humanidade. Não é possível que os povos se submetam, aqui e ali, à destruição do legado dos que acreditaram e o sofreamento da busca dos que acreditam numa vida fundada na liberdade, na razão, na justiça e na paz

A crise brasileira germina miopia e confusão na identificação dos nossos valores permanentes. Estamos perdendo, gradativamente, a visibilidade do que nos é essencial como civilização. A crise nos arrasta e nos leva a um tipo de sociedade incompatível com a nossa fé cristã. Fruto do testemunho de amor e paz de Jesus Cristo. A nossa civilização, tolerante e pacífica, consagrada por homens como Câmara Cascudo, Gilberto Freyre, AfonsoArinos, Joaquim Nabuco, Oliveira Viana, Ronald de Carvalho, San Thiago Dantas, Paulo Prado, Oswaldo Aranha, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Darcy Ribeiro, funda-se no ideal da partilha de bens e sentimentos entre todos os brasileiros. O que não está mais acontecendo. Talvez convenha relembrar que Jesus Cristo, após Sua Crucificação, Morte e Ressurreição, foi identificado por discípulos em Emaús pela maneira como abençoou e partiu o pão. O alimento é um instrumentode doação e solidariedade entre os homens. Eis alicerces de uma comunidade cristã. Princípios espirituais, éticos e morais. Em certo momento de sua vida, Jesus comentou que o Filho do Homem não tinha onde reclinar sua cabeça. Ele e seus discípulos dormiam ao relento. Sua cama era o chão e seu lençol as estrelas. Mas o Brasil de hoje, atormentado por questões que chamaríamos genericamente de viscerais, não pode, apesar de tudo, sucumbir à sanha dos que destilam fanatismo, ódio, intolerância, ressentimentos, preconceitos, ambições, maniqueísmos, estupidez, cinismo, hipocrisia, mentiras e felonias. Nada disso germina futuro, Só infelicidade.

A palavra “caminho” se investe de vários sentidos para os cristãos. O “caminho” é o próprio Cristo: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida” (João 14,6). Mas os Atos dos Apóstolos, escritos provavelmente por São Lucas, referem-se ao Caminho como o nome da primeira comunidade cristã em Jerusalém. Repetidas vezes. O próprio São Paulo também designou “Caminho” o lugar onde São Pedro residia e assistia aos pobres, doentes e desvalidos de Jerusalém. O Padre Anchieta, ao iniciar sua catequese entre os indígenas em São Paulo, enviou carta aos superiores, informando que, finalmente, realizaria sua missão e perseguiria o Caminho. Caminho sem fim…

O Caminho do Brasil se chama Paz. Paz que Jesus conferiu à humanidade: “Eu vos deixo a Paz, Eu vos dou a minha Paz”. Paz que o Papa Paulo VI identificou também ser desenvolvimento integral para todos os homens e todos os povos.  Ainda agora, limiar do ano, peçamos a Deus Paz para o Brasil e a humanidade.

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