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O carnaval de Vereda

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No amanhecer de segunda-feira caiu na minha bacia das almas a primeira carta do ano do mestre Laurentino Vereda, que ainda no seu mundo do Jalapão arrumava as malas para pegar o rumo de Palmas. De lá, baldeando em Brasília, num vôo direto para Natal, pretendia chegar aqui na quinta-feira juntando-se à maloca na festa da abertura do carnaval. Sim, Vereda veio passar o carnaval por estas bandas. Tempo atrás me havia dito que era um velho sonho dele conhecer o carnaval natalense depois que viu na televisão uma reportagem que mostrava o sensual bloco “Baicu na Vara” se ensaboando na lama dos mangues da Redinha e, logo em seguida, o desfile das tribos de índios na Avenida Duque de Caxias.

Florentino Vereda considera o desfile dessas “tribos” o máximo, irresistível, “incrível”.  Tanto assim que fez questão de trazer, como convidado especial (despesas todas pagas), o amigo Asdrúbal Nóbrega Krahô, diretor do escritório da Funai em Tocantins, doutor em Antropologia e autor, entre tantas teses acadêmicas, de um estudo sobre as tribos Carajás e Apinajês, as mais importantes daquele Estado. O doutor Asdrúbal, segundo Vereda, sempre desejou ver um índio folião. Vai ver agora em Natal.

Bom, depois desse enchimento de linguiça, passemos para a carta de Vereda, que está escrita assim:
“Meu caro Woden que, depois de um merecido descanso, retoma ao batente. Bem-vindo seja. “No caminho da volta ninguém se perde”.

Não espere encontrar aqui em Natal, a pachorra e o sossego de Lagoa de Velhos, onde pretendo brincar o carnaval, junto com Sanderson, Volonté, Caio, Alex, Zé Delfino e Careca, depois de uma passada pela Redinha e a Ribeira, onde chagarei no meio da semana. Creio que lá a censura ainda não deve ter chegado. Aqui não se sabe nem o que cantar. Estão proibidas quase todas as marchas que fizeram sucesso num passado não muito distante: “Maria Sapatão”, “A Cabeleira do Zezé” e “O Teu Cabelo Não Nega”, entre outras. E a pendenga deverá chegar ao STF onde os ministros – abarrotados de processos – terão que suspender a “Lava-Jato” para decidir sobre a periculosidade da obra de Monteiro Lobato e as mensagens politicamente incorretas das músicas que cantávamos no “Jardim de Infância”, sem que soubéssemos sequer o que queriam dizer.

Imagine se hoje alguém se atreve a cantar o “ESPALHA MERDA” de Tota Zerôncio. Aí, até a Sociedade Protetora dos Animais protestaria, pois “(…) isto não se faz, aonde já se viu? / Espalha-merda é o (…) da PQP”. Chegará o dia em que nos sambódromos, os carnavais serão animados pelos blocos “Anjos caídos” e “Segura-me não mão de Deus”, ao som dos hinos religiosos. A NÓS DESCEI DIVINA LUZ”, “QUEREMOS DEUS”, “TANTUM ERGO SACRAMENTUR”, puxados pelo trio elétrico do Padre Zezinho, bebendo vinho Dom Bosco com tira-gosto de cavaco chinês.

Já não basta a luta contra a vaquejada, enquanto na televisão um tal de UFC arrebenta de uns gorilas e mastodontes, sob gritos frenéticos das torcidas nas salas dos apartamentos, frente às TVs, clamando por sangue enquanto emborcam uísques 12 anos, comprados em dez pagamentos mensais. Acontece que, assim como os lutadores de UFC se divertem – mesmo apanhando que nem couro de pisar fumo – vai que os bois das vaquejadas também gostam do esporte, podendo até vibrar quando conseguem enganar os cavaleiros. Isso ninguém nunca perguntou a eles. Talvez os bovinos se sintam ofendidos por serem puxados pelo rabo, atitude que sugere homofobia. Tampouco se deveria puxá-los pelos chifres, pois estariam ofendendo a vaca, sua honrada consorte.

É uma questão de difícil solução. Mas, como querem resolver tudo por consulta popular, por que não fazer uma votação entre os envolvidos? São um boi, dois cavalos e dois cavaleiros. Teoricamente os animais venceriam a eleição e, democraticamente, o assunto estaria encerrado. A não ser que os cavalos queiram continuar a dividir a atenção com os fidumaséguas que aproveitam a festa para conquistar umas potrancas nas arquibancadas.

Quando chegar do Jalapão vou lhe procurar pra jogar conversa fora, falar desse mundo velho sem porteira. Como sei que na sua fazenda não tem internet ou rede sem fio – só as redes nos tornos do copiar – talvez não saiba de tudo o que tem acontecido neste mundo, aqui e alhures como diria Paulo Macedo. Nos istêites, um presidente foi eleito com a ajuda duma “brejeira” digna do “Majó” Teodorico – montada pela Rússia – e hoje, casado com uma ex-comunista nascida na Eslovênia, é a síntese perfeita de que na história, capitalismo e comunismo se encontram no infinito, algo parecido com o que aconteceu com os “cumpanhêros” aqui no Brasil. Ainda que a primeira-dama tenha preferido permanecer em Nova Iorque, pois não suportava mais o arrastar de correntes nos portões da Casa Branca, pelos espíritos revoltados de Marx, Lênin e Stalin que nunca pensaram em dividir a mesma cama com um capitalista de carteirinha, com uma trunfa de Elvis Presley e um bico de peixe de aquário.

Em Brasília, depois de mudanças profundas, tudo está como d’antes no quartel d’Abrantes. Novidade, só no racionamento de água, talvez porque, entre os vários desvios ocorridos em vergonhosas transações, algumas autoridades devem ter desviado as águas do Lago Paranoá para as suas piscinas e ofurôs. Vamos esperar pra ver se alguém decide fazer uma molhação premiada. Espero que o inquérito dê em água, para amenizar a crise hídrica. Tem gente que há mais de um mês está sem tomar banho e, de tanta sujeira, já é confundido com algum parlamentar do baixo clero.

Então, vamos criar, em Lagoa de Velhos, o “Carnavelhos”. E vamos desfilar com o bloco “Me segura se não eu Caio”, ao redor da Cajarana. Lá só entra quem trouxer algum alimento não perecível. Uma garrafa de Old Parr, por exemplo.

Ah, se eu soubesse cantar o “Espalha merda”.

Poesia  “Eu estava contigo. Os nossos dominós eram negros, e negras eram as nossas máscaras. / Íamos, por entre a turba, com solenidade, / Bem conscientes do nosso ar lúgubre / Tão contrastado pelo sentimento de felicidade / Que  nos penetrava. Um lento, suave júbilo / Que nos penetrava… Que nos penetrava como uma espada de fogo… / Como a espada de fogo que apunhalava as santas extáticas…. (…) Nós caminhávamos de mãos dadas, com solenidade, / O ar lúgubre, negros, negros… / Mas dentro em nós era tudo claro, luminoso. / Nem a alegria estava ali, fora de nós. / A alegria estava em nós. / Era dentro de nós que estava a alegria, / – A profunda, silenciosa alegria…” (Do poema “Sonho de uma terça-feira gorda”, de Manuel Bandeira, de seu livro Carnaval, publicado em 1919).

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