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O cinema engajado de Santiago Zannou

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Yuno Silva – Repórter

Em Pindorama, o cineasta espanhol Santiago Zannou circula despercebido; é só mais um no meio da multidão de mulatos, caboclos e cafuzos. Aos 36 anos de idade, poucas foram as vezes que saiu para passear sem ser apontado como ‘diferente’: filho de imigrante africano com uma espanhola, é visto como branco na África e negro na Europa. Em Natal desde o dia 5 de novembro, como diretor convidado do Cine Natal no seminário “E por falar em cinema…” promovido pela Fundação Capitania das Artes semana passada, Zannou aproveita sua primeira visita ao Brasil para conhecer um pouco mais sobre a Cultura que brota em solo potiguar – não, ele não esticou por conta própria sua estadia por causa das praias ou das dunas, quer conhecer pessoas, ouvir histórias e trocar ideias; coisa de cineasta engajado.
Santiago Zannou, 36, é cineasta e professor de cinema na Espanha
#saibamais#Antes de fazer o caminho de volta, rumo ao Velho Mundo no próximo sábado (16), Santiago Zannou ministra oficina gratuita sobre curta-metragem nas manhãs desta quarta (13) e quinta-feira (14) no auditório do Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão, Ribeira. A oficina é gratuita e os interessados em participar podem se inscrever na Funcarte ou através do e-mail [email protected].

Realizador de longas, curtas e documentários, professor de Cinema na Universidade de Barcelona há dez anos e vencedor na categoria Diretor Revelação do Prêmio Goya (o Oscar espanhol) em 2008 com o filme “El truco del manco”, Zannou tem seu nome vinculado a produções “mestiças”, politicamente engajadas e socialmente comprometidas com as minorias. Atualmente está em fase de divulgação de seu segundo longa-metragem de ficção, “Alacrán Enamorado”, filme baseado em romance do escritor Carlos Bardem, irmão do astro espanhol Javier Bardem (“Onde os fracos não tem vez”), que inclusive faz um papel secundário na película como um ideólogo neonazista. Seu próximo trabalho, ainda na fase pré-produção e escolha do elenco, já tem confirmado o ator  Viggo Mortensen (O Senhor dos Anéis, Senhores do Crime, 28 dias).

O diretor espanhol  conversou com o VIVER sobre indústria do cinema, incentivo público, crise na Europa, preconceito e a importância da diversidade cultural.

Qual a impressão que você leva de Natal, das pessoas daqui, do pouco que conheceu?

Essa é minha primeira vez no Brasil, já estive outras vezes na América Latina, e antes de mais nada é importante dizer que cada país tem sua personalidade. Temos que falar desse continente como um grande conjunto de culturas variadas. Aqui em Natal, percebi que há um movimento cultural em construção. Vi pessoas com gana, interesse e, sobretudo, com inquietude. Do pouco que conheci, vejo que a cidade está aberta para intercâmbios, para absorver conhecimento e construir sua identidade.

Há como traçar um paralelo entre o cinema Latino-americano e o espanhol?

De modo geral não temos como comparar, mas é importante ressaltar as crescentes co-produções entre realizadores espanhóis e latino-americanos. Em comum, está a necessidade de haver um apoio maior do Governo para a circulação e exibição dos filmes nacionais. Películas feitas na Espanha, em Portugal, no Brasil, na Argentina, no Chile… contam histórias mais próximas da nossa realidade, por isso deve-se proteger um pouco mais de dar visibilidade a essa produção.

E quanto ao cinema brasileiro?

Durante o seminário aqui em Natal tive o privilégio de conhecer um diretor pernambucano (Cláudio Assis). Sem dúvida uma das coisas que levo na bagagem é o atrevimento do filme “Febre do Rato”, uma produção ousada, politizada, original, que muitos diretores da Espanha precisam ver, principalmente os mais jovens. Vivemos uma grande crise de valores, de identidade, e esse filme tem a capacidade de despertar uma consciência. A diferença entre o cinema brasileiro e o espanhol está no medo que temos da crise. Nas crises é que devemos ser ainda mais criativos, não ter medo de reivindicar e lutar. A diversidade cultural brasileira deve ser vista como motivo de orgulho, é ela que driblou todas as crises que o país já enfrentou.

Cinema é uma indústria cara em qualquer lugar do mundo. Na Espanha também há subsídio público?

Diretores sempre tiveram problemas para finalizar seus filmes. Na Espanha também temos subvenção do Governo, mas uma coisa que precisa ser revista quando se utiliza dinheiro público é a impressão de que só serve para se produzir alguma coisa física. Mesmo considerando o cinema uma indústria, o lado emocional é muito mais importante. Então, assim como a pesca e a agricultura, a Cultura também precisa de atenção. É um trabalho, somos muitos, movimenta toda uma cadeia de profissionais, e é preciso explicar ao povo, ao políticos, que a Cultura é necessária, que é uma indústria importante, que gera emprego.

Seus filmes têm dinheiro público?

Têm sim, e fico feliz por isso; é uma responsabilidade a mais saber que estamos produzindo com dinheiro público. Quero que os espectadores vejam meus filmes e percebam que represento uma parte da sociedade na tela, que isso gere orgulho e sirva como referência. Essa é uma das minhas missões como cineasta. Cinema militante, engajado, independente do nome, vejo na dificuldade o combustível para ser criativo.

Sente preconceito no seu país por ser negro e cineasta?

Primeiramente, quando soube que viria para o Brasil, pensei que pela primeira vez vou caminhar sem me sentir diferente. A Espanha é um país racista, muito difícil um negro servir de referência para as pessoas se sentirem orgulhosas. Aqui vejo as crianças daqui dizendo “quero ser como esse escritor ou aquele jogador de futebol”, e pensar em chegar a presidência,  independente da cor, da raça. Na Espanha isso não existe. Por ignorância pensam que você não pode ser igual aos demais. Falta uma compreensão maior do que significa mestiçagem.

E você se sente responsável em colaborar com a mudança desse olhar?

Sim, é o que me motiva a trabalhar em cinema. Como creio que um outro mundo é possível, levo isso para o meu trabalho por trás das câmeras. Meus filmes são mestiços, misturo atores profissionais com não profissionais; gente de diferentes raças e ideologias políticas, ao ponto de montar uma equipe técnica metade de Barcelona e metade de Madri.

O que pretende ensinar durante sua oficina?
Técnicas de produção de curtas que desenvolvi como professor, funciona para quem está interessado em contar suas histórias sem precisar sofrer com um papel em branco na hora de escrever um roteiro. Minha orientação é para que as pessoas construam uma história se divertindo. É o mínimo. Entre outras coisas, o método traz coisas básicas como fazer um roteiro e uma edição enxuta, rápida.

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