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O confisco de livros

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Ivan Maciel de Andrade                                                                                                           
Procurador de Justiça e professor da UFRN (inativo) 

Os compêndios de História registram que em 1559 (pouco depois do descobrimento do Brasil) o Papa Paulo IV autorizou a publicação de um “Índice dos livros proibidos”. O Concílio de Trento (1546-1563) homologou essa iniciativa papal. Somente em 1966 a Igreja Católica aboliria o “Index Librorum Prohibitorum” por ato do Papa Paulo VI. Mas esse índice foi ressuscitado recentemente pelo governo de Rondônia. A área da educação do governo elaborou uma lista de 43 livros que teriam “conteúdos inadequados para crianças e adolescentes” e seriam proscritos das escolas. Diante da reação da mídia e das redes sociais, houve a tentativa do governo de Rondônia de caracterizar o fato como fake news. Mas foi fácil comprovar a veracidade da medida estapafúrdia e o governo desistiu de sua aplicação.

Por que será que “O castelo” de Franz Kafka foi incluído na lista de livros perigosos? As obras de Franz Kafka têm forte timbre judaico (nelas haveria uma antevisão do Holocausto). Mas é absurdo supor que os censores de Rondônia sejam antissemitas. A razão obscura e obscurantista deve ter sido outra. O pretexto mais provável: o de proteger os alunos de influências intelectuais perniciosas. O método: proibir a leitura de livros, como fazem os regimes totalitários. Mas o danado é escolher os livros. Ora, alguém sugeriu: “Dizem que esse tal de Kakfa tem romances estranhos. Inclua aí Kafka.” 

E quanto a Euclides da Cunha? “Os sertões” constituem um livro-reportagem sobre a guerra de Canudos (1896-1897), publicado em 1902. O livro inspirou, por sinal, um romance de Vargas Llosa (“A guerra do fim do mundo”). É incrível que um governante ou alguém a seu serviço tenha o desplante de retirar das escolas uma rara obra-prima de nossa literatura. Como reparação, deveria o governador de Rondônia baixar um ato que tornasse “Os sertões” leitura obrigatória para ele e o seu secretariado.  

Não posso imaginar o que os censores viram de tão deletério em Rubem Fonseca. Incluíram 18 livros dele no índex de obras proibidas. A intenção terá sido a de evitar o contato dos adolescentes com uma ficção que retrata a realidade urbana brasileira? Mas esses obtusos censores não sabem que a violência de nossas cidades entra diariamente pelos olhos através dos noticiários televisivos?

A censura do livro “O ato e o fato” de Carlos Heitor Cony – o mais vibrante depoimento sobre a ditadura de 64 – forneceu boa pista para se saber quais foram as verdadeiras razões da proibição…

Rubem Alves teve os seus livros condenados e excluídos por atacado, mediante recomendação colocada abaixo da malsinada relação. Atribui-se essa punição rigorosa ao fato de que Rubem Alves critica em suas obras o desempenho de nosso sistema educacional. Onde fica o direito de crítica? 

A ideia maluca de perseguição à literatura previa o confisco de livros de Edgar Allan Poe, Mário de Andrade e Machado de Assis. Essa é uma ótima oportunidade para que o governador de Rondônia e seus assessores leiam com atenção as “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Talvez consigam descobrir por que o célebre crítico literário americano Harold Bloom considerava Machado de Assis o “maior escritor negro da história da literatura universal”. E por que Brás Cubas é eterno e cosmopolita.

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