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O declínio anunciado da orquestra

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Yuno Silva – Repórter

A crise que já rondava a Orquestra Sinfônica do RN e o Coral Canto do Povo há algum tempo se agravou com a divulgação de que o maestro Padre Pedro Ferreira deixou a batuta da Orquestra e do Coral que esteve à frente desde fevereiro de 2011. As consequências ainda são incalculáveis diante das indefinições impostas pela falta de planejamento que ambos enfrentam, no momento em que deveriam estar retomando as atividades pós-recesso. Os dois grupos vinculados à Fundação José Augusto estão parados desde o dia 5 de março, quando o maestro avisou que estaria deixando o cargo. Uma reunião foi realizada ontem à tarde para formar a comissão que irá representar os artistas na conversa desta terça-feira, com a direção da FJA/Secult-RN.
Erinaldo Dantas, trompetista da OSRN: O que vemos é uma evasão de músicos, que acabam indo trabalhar em outros estados devido os baixos salários oferecidos aqui no RN.
A TRIBUNA DO NORTE acompanhou a reunião de ontem com presença de 50 músicos da Orquestra e alguns membros do Coral Canto do Povo na sala de ensaios da OSRN, no Teatro Alberto Maranhão, e constatou o descaso: falta até água para beber, e dois músicos portadores de deficiência estão afastados dos ensaios há cinco anos por falta de acessibilidade da sala. “Existem problemas e nenhum deles é de ordem musical. Não existe essa conversa dos músicos da Orquestra não quererem tocar, o que está faltando é condições de trabalho”, garantiu Ricardo Cracium, violinista e spalla da Orquestra Sinfônica do RN, que atualmente possui 43 músicos efetivos – o número mínimo para configurar uma orquestra é de 68 instrumentistas.

“Estamos desfalcados em todos os naipes (famílias) de instrumentos”, verifica Cracium. Para ele, uma orquestra funciona como um time de futebol: “não dá para jogar sem goleiro, sem atacantes, sem defesa. Neste momento não temos nenhum oboé no grupo, por exemplo”, disse o spalla, ou o primeiro-violino e auxiliar direto do maestro. “Não queremos encontrar culpados, estamos atrás de soluções. Acredito que contratar mais 25 músicos não irá quebrar o Estado.”

ORQUESTRA ESTÁ “CAPENGA”

Uma das alternativas defendidas pelos integrantes da OSRN é a realização de novo concurso público, “mas o Governo do Estado diz não pode abrir concurso e nem pagar cachês para músicos convidados. Querem que toquemos de qualquer jeito, assim mesmo como estamos, mas como ensaiar se não temos uma orquestra? Não há repertório para uma Orquestra manca!”, analisa Sarkis.

O músico lembra que o grupo não esteve completo desde de formação em 1976, e desde então muitos se aposentaram, outros faleceram e outros saíram – foram trabalhar em outros estados com melhores condições salariais e trabalhistas. “Sugerem autogestão, mas não nos oferecem condições para isso. Precisamos de gente especializada para ocupar os cargos técnicos”, garante Paulo Sarkis. “Estamos com os instrumentos prontos para ensaiar e reivindicamos condições de trabalho. Muito da renúncia do maestro (Padre Pedro) se justificam por esses impasses”, acredita.

Os músicos lembraram que no curto período que o violonista Luís Antônio de Paiva respondeu pela administração da Orquestra, foram firmadas parcerias e até uma viagem internacional foi articulada. “Só posso aceitar o cargo se tiver autonomia”, informou Luís Antônio durante a reunião na tarde de ontem. A violinista Diana Alves acrescentou que há “uma intenção de propor outros formatos (de Câmara) para não contratar novos músicos, e com isso deixaremos de ser uma orquestra”, analisa.

A reportagem do VIVER tentou manter contato com o Padre Pedro Ferreira e com Marinho, mas nenhum deles atendeu as ligações nem deram retorno. Às 11h30, na primeira tentativa, o maestro chegou a atender a chamada e pediu para retornar a ligação em dez minutos pois estava no trânsito, porém o celular foi desligado. Marinho ainda não pediu afastamento, mas comentários dão conta de que isso poderá acontecer dependendo do resultado da reunião de hoje.

A OSRN completa 36 anos de atividades em 2012, enquanto o Coral Canto do Povo está prestes a comemorar 25. Além da ausência de uma agenda de apresentações, Orquestra e Coral compartilham outros problemas em comum como desfalque na equipe, falta de local adequado para ensaios e a necessidade de um novo regente – uma vez que o Padre Pedro era responsável pelas duas formações. A direção administrativa está à cargo de Francisco Alves Marinho, que se divide entre a Orquestra, o Coral e o Instituto Waldemar de Almeida. “Marinho está sobrecarregado e acaba não conseguindo fazer nada, há uma limitação humana”, afirma Paulo Sarkis.

LIMITE FISCAL

A realização de novos concursos públicos, por enquanto, não está nos planos do Governo do RN, cuja situação com relação à Lei de Responsabilidade Fiscal está no limite – a lei determina que o gasto com pagamento de pessoal não pode ultrapassar os 49% (índice máximo) do orçamento, e o RN atingiu a preocupante marca de 48,15% em agosto de 2011.

“Temos que encontrar outro caminho e um deles é a autogestão, capaz de elaborar projetos e ir buscar recursos em outras fontes”, disse Isaura Rosado, secretária Extraordinária de Cultura. Sobre a saída do Padre Pedro Ferreira, ela garante que ele não foi desligado do Governo: “Ele quer formar grupos de excelência, tanto no Coral como na Orquestra, mas é difícil gerir um grupo desses com funcionários públicos acomodados”, justificou Isaura, comentando que muitos “músicos tocam na noite, outros acumulam cargos em outras instituições.”

Na opinião da secretária, Orquestra e Coral deveriam ser transformadas em Ong ou Oscip. “Nosso papel é apoiar, mesmo diante do dilema se devemos tratar o grupo como artistas ou funcionários públicos”, analisa. Segundo ela, a OSRN custa R$ 3 milhões por ano aos cofres públicos e com uma divisão simples chega-se a cifra de R$ 1 milhão por cada uma das três apresentações realizadas em 2011 – essa conta inclui, além das despesas com a produção do evento e contratação de músicos extras, os salários dos músicos, uma média salarial de R$ 2 mil.

 A metodologia do cálculo é contestada pelo violinista Ricardo Cracium: “Cada concerto custa, em média, R$ 20 mil, e só fizemos três apresentações ano passado por falta de planejamento do próprio Governo, é ele quem faz a programação”, garante. Para Cracium, falta interesse dos gestores públicos em procurar apoio de grandes empresas como Petrobras, Cosern e Guararapes.

#saibamais#O trompetista Erinaldo Dantas lembrou que “quando a OSRN esteve em Mossoró, em setembro do ano passado, Isaura Rosado conversou conosco informando que iria contratar novos músicos, que estava disposta a resolver os problemas, a batalhar pela implantação do Plano de Cargos e Salários (estopim das greves deflagradas em 2011). “O que vemos é uma evasão de músicos, que acabam indo trabalhar em outros estados devido os baixos salários oferecidos aqui no RN”, conclui.

Artistas migram para outro grupo

O caso do Coral Canto do Povo é um pouco mais complexo, principalmente devido ao racha interno do grupo. Criado em 1988, o Coral conta hoje com 38 vozes efetivas, destas, 25 foram convidadas pelo Padre Pedro Ferreira (em foto ao lado) para formar um novo coral – o Coral Sinfônico Canto do Povo. “De uns quatro anos para cá, o Coral vem perdendo gente e não houve reposição. Para realizar algumas apresentações, que precisam de até 80 vozes, abre-se seleção para cantores voluntários”, informou Janilson Batista, membro do Coral desde a sua fundação.

O Canto do Povo contabiliza duas viagens internacionais, em 1995 para turnê de um mês pela Europa, e em 2000, quando cantou no Vaticano durante solenidade de beatificação dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu. “Depois da greve, o Padre Pedro voltou desmotivado, disse que não queria mais reger e que deveríamos procurar outra pessoa.” Ele se diz surpreso pela escolha dos 25 nomes para o novo grupo: “Não sei qual foi o critério, pois deixaram de fora pessoas experientes, foi uma escolha pessoal.” Janilson vê o Coral “abandonado, desmantelado. Ninguém foi informado de nada, foi tudo feito por baixo dos panos, e da mesma forma que o Padre Pedro merece respeito, também merecemos”, finaliza.

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