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O defensor dos investigados

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Ivan Maciel de Andrade                                                                                                           
Advogado   

Os regimes ditatoriais se dão ao luxo de criar a obrigatoriedade de participação no processo penal de um advogado de defesa do acusado. Com isso, acham que dão legitimidade às condenações que todos sabem estarem preestabelecidas, fatais e inevitáveis. A convicção do julgador – a disposição de condenar, melhor dizendo – é anterior à produção das provas e à apresentação dos argumentos destinados a demonstrar a inocência do réu. Alguém dirá: mas, se trata então de pura encenação, uma espécie de espetáculo teatral para enganar tolos e fanáticos (o que dá no mesmo).

É verdade. Trata-se de uma ridicularia, uma palhaçada. Menos para o acusado, lógico. Mas o papel do advogado nos países em que não há – ainda que momentaneamente ou em certos casos –  independência e imparcialidade do Poder Judiciário serve apenas para criar uma aparência de Direito. A defesa é “pro forma”. Por mais que o defensor tente assumir o seu verdadeiro papel, esbarra em “verdades” e “certezas” já sedimentadas e irremovíveis. Apesar de estranhas e alheias ao processo.

Em nosso país, qualquer tentativa que se aproxime desse padrão anômalo de julgamento – mesmo que seja para atender a expectativas e pressões populares – terá de ser rejeitada com firmeza e desassombro. Sobretudo porque tal prática colide com a isenção e prudência (no sentido clássico da palavra, de equilíbrio e comedimento) com que o Judiciário deve exercer a sua função de instância mediadora de conflitos sociais. É inaceitável nas sociedades democráticas um Judiciário “engajado”.

Diante da divulgação constante e sistemática do trabalho desenvolvido exemplarmente – com seriedade, coragem, competência – pela Lava Jato, qualquer um de nós sabe o quanto a corrupção tem sido danosa, de muitas e variadas formas, ao nosso país. Em última análise, avilta as condições de prestação dos serviços públicos e bloqueia as perspectivas de construção de uma nação humana, cultural, política e economicamente desenvolvida. Mas nem por isso é lícito a um magistrado assumir o papel de predestinado vingador da sociedade brasileira. Para isso, ele teria que abdicar da vocação de magistrado para ingressar, aí sim, na arena dos embates político-eleitorais. Sem qualquer desdouro.

Foi o que aconteceu com os juízes que funcionaram na célebre Operação Mãos Limpas deflagrada na Itália, que tem servido de paradigma e diretriz para a nossa Lava Jato. Quase todos se tornaram, com grande apoio popular, políticos militantes. Na linha de frente do combate à corrupção. 

Deve prevalecer no Direito Processual o brocardo latino de que “o que não está nos autos não está no mundo”. Pouco importa se há um clamor popular exigindo a condenação dos políticos que exploraram a boa-fé dos eleitores, recebendo propinas para custear campanhas e enriquecer-se.  O julgamento da ação penal deve basear-se em provas. E a palavra do delator não constitui prova, não podendo, assim, fundamentar uma decisão condenatória (Lei n. 12.850/13, art. 4º, § 16). O espetáculo midiático dos vídeos das delações cria uma forte expectativa de que os investigados sejam punidos sumariamente. A defesa passa a ser vista, então, como um estorvo para se chegar a esse resultado.      

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