Merval Pereira
Além disso, como alegou na ocasião a ministra Cármen Lúcia, as regras do decreto “dão concretude à situação de impunidade, em especial aos denominados crimes de colarinho branco, desguarnecendo o Erário e a sociedade de providências legais voltadas a coibir a atuação deletéria de sujeitos descompromissados com valores éticos e com o interesse público garantidores pela integridade do sistema jurídico”.
Já a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, escreveu que “o chefe do Poder Executivo não tem poder ilimitado de conceder indulto”. O relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, fixou quatro situações em que o indulto continuará proibido:
1) Crimes de peculato, concussão, corrupção passiva, corrupção ativa, tráfico de influência, os praticados contra o sistema financeiro nacional, os previstos na Lei de Licitações, os crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, os previstos na Lei de Organizações Criminosas e a associação criminosa;
2) Presos que cumpriram menos de um terço da pena (o decreto presidencial estipulava período menor, de 20%) e tiveram condenação superior a oito anos de prisão (não havia limite no texto de Temer);
3) Condenados que já tiveram pena privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos e foram beneficiados pela suspensão condicional do processo;
4) Quando a pena final não foi fixada, pois ainda está pendente recurso da acusação.
O ministro ainda impediu o benefício para penas de multa. Para ele, dispensar o pagamento é “desviar a finalidade” do indulto e violar os princípios da moralidade e da separação dos poderes.
A medida é vista como um compromisso de Temer de livrar da cadeia seus aliados condenados pela Operação Lava-Jato, neutralizando uma das mais importantes armas da investigação, a delação premiada. O coordenador dos procuradores de Curitiba, Deltan Dallagnol, advertia na ocasião, e insiste hoje, que, com a perspectiva de receber o indulto depois de cumprir apenas um quinto da pena, não haverá quem se disponha a fazer delação.
A ampliação do indulto seria uma medida entre tantas que tentam aprovar, em diversas esferas de poder, para esvaziar a ação da Lava-Jato. Agora mesmo, no final da legislatura, há pressões de grupos para aprovar medidas no Congresso que esvaziam o combate à corrupção.
O futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, criticou na ocasião o decreto, classificando-o de “excessivamente generoso”, dando à sociedade a sensação de impunidade. E ontem voltou à carga, pedindo que pelo menos os condenados por corrupção não sejam incluídos no indulto. E que projetos relacionados ao combate à corrupção sejam deixados para decisão para o novo Congresso, com o governo eleito já em funcionamento.
Caberá agora ao Supremo Tribunal Federal decidir a questão, num momento delicado em que o Judiciário está posto em xeque devido ao reajuste de seus salários, sancionado ontem pelo presidente Michel Temer. O fim do auxílio-moradia, instrumento que era usado para compensar a defasagem dos salários, foi determinado pelo ministro Luiz Fux, amenizando os impactos do aumento.
Mas o reencontro do Supremo com a sociedade dependerá das decisões que a Corte vier a tomar em relação à impunidade dos crimes de colarinho branco.