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O dinheiro do general

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Ivan Maciel de Andrade – Advogado

Há muita gente boa que abomina regimes autoritários, por um sincero respeito às liberdades democráticas, mas que rende homenagens ao governo do general Augusto Pinochet (1915-2006). Não falta quem admita que foi uma ditadura que revelou o que há de pior na condição humana – capaz de competir em selvageria com as de Hitler e Stalin. Mas que, ao mesmo tempo, se desmancha em elogios ao “milagre econômico” chileno. Para esses, até a carnificina praticada  pelo governo Pinochet é atribuída à necessidade de enfrentar a “resistência” comunista que se opunha ao golpe militar, contra Salvador Allende, de 1973. Com isso se construiu o mito de um Pinochet grande patriota, que só pensava na grandeza e prosperidade do Chile. É verdade que, com a ajuda de um grupo de economistas norte-americanos, orientados por Milton Friedman, o Chile passou, após a queda de Allende, por um período de grande expansão econômica. A estratégia teve como base a abertura da economia ao capital estrangeiro e a desregulamentação econômica do país. Pinochet posava de Margaret Thatcher chilena. Encarnava o mais ferrenho neoliberalismo e o mais rancoroso anticomunismo. Apesar de todas as ações desumanas de seu governo, tinha porte de estadista. E foi assim que manteve o Chile sob cruel ditadura durante dezessete anos. Serviu, em muitos aspectos, de exemplo aos regimes militares da Argentina (1976-1983) e do Brasil (1964-1985). Chegou até mesmo a obter o apoio da maioria dos chilenos no plebiscito de 1978.

É estranho como os crimes do governo Pinochet pareciam não influir em sua imagem de militar impecável, inflexível, “a serviço da pátria”, no melhor estilo prussiano. O mundo todo sabe que os dados da Comissão Retting – Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação Chilena – comprovaram (1991) que foram assassinadas 3.197 pessoas (das mais diferentes idades e tendências político-ideológicas), sendo que 1.192 entraram na classificação de “desaparecidas”. Levando-se em conta o tamanho da população chilena, para que a nossa ditadura militar se igualasse, em número de vítimas, à chilena, seria preciso que tivessem sido mortos cento e vinte mil brasileiros. Além disso, há os assassinatos do general Prats e do ex-ministro Orlando Letelier.

Quando estive algumas vezes no Chile, o país estava dividido entre partidários e adversários de Pinochet. Os partidários o apontavam como o maior patriota da história do Chile, responsável pela estabilidade do país e por seu crescimento econômico. Os adversários criticavam a barbárie que se instalara durante a ditadura que ele impusera, a fogo e sangue, aos chilenos. De qualquer forma, havia, em meio à opinião pública, respeito à coerência, à inteireza de caráter, à conduta correta do militar que, mesmo após deixar o governo – vencido no plebiscito de 1988, durante um momento de crise e estagnação da economia – manteve-se como “o mais alto dirigente das Forças Armadas” e, em 1998, passou a exercer um cargo político: senador vitalício do Congresso chileno.    

O que nunca se imaginou é que Pinochet fosse um grande farsante. Sim, um grande e descarado farsante: durante os longos anos de sua ditadura – enquanto mandava matar e esfolar adversários e defensores dos direitos humanos e se fantasiava, teatralmente, de grande patriota – construiu uma fortuna para nenhum outro ditador botar defeito. Primeiro, o Senado dos Estados Unidos descobriu (2004) que Pinochet “havia acumulado”, no Banco Riggs, um montante de 28 milhões de dólares (ou 24 milhões de euros). Depois, a justiça chilena apurou (2006) que Pinochet possuía barras de ouro (9600 quilogramas), “avaliadas em 190 milhões de dólares”, num banco de Hong Kong. Por fim, recentemente, o general Manuel Contreras, ex-chefe da DINA – a Polícia secreta do governo Pinochet – acusou-o de construir sua fortuna “a partir da fabricação de cocaína em instalações do exército chileno”. O nome de Pinochet causava indignação e revolta pelas mortes e torturas cometidas. Hoje, com o enriquecimento criminoso, provoca asco, repugnância.

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