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O drama da esquerda de hoje

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Geraldo Melo
empresário, ex- senador e ex-governador do RN

Interrompendo uma cansada cantilena sobre esquerda e direita que um velho amigo e antigo militante petista continuava recitando em nossa conversa, fiz-lhe à queima-roupa uma pergunta que parece bem simples: “Para você, o que é ser de esquerda hoje?”

Nos tempos que correm, há uma certa crueldade na pergunta. Eu sei.

Mas, perguntei assim mesmo.

“… é lutar contra a injustiça social, a intolerável distribuição de renda que temos no Brasil, é protestar contra o status quo”, foi mais ou menos a resposta.

Não foi somente pela mediocridade do que ouvi que fiquei desapontado. Mesmo sabendo que a pergunta era difícil, eu achava que merecia mais do meu amigo. Um pouco de elaboração para, quem sabe, revelar alguma coisa nova.

Mas o que ouvi foi uma resposta sem qualquer compromisso com a realidade, com a seriedade intelectual, procurando ignorar ou contornar uma conversa sobre o grande drama que, de fato, atormenta a esquerda no mundo inteiro.

Se ser de esquerda é ser contra a miséria, a injustiça social, então todo mundo é de esquerda.

Se é lutar contra o status quo, a esquerda, em Cuba, deve fazer oposição à ditadura da família Castro, no poder praticamente há 60 anos. Lá a familia Castro é o status quo.

A resposta a essa minha pergunta já foi mais fácil. Quando se imaginava – inclusive eu – que o socialismo, como forma de organização da propriedade, da produção e do Estado, era um projeto possível.

Mas, depois que fracassaram todas as tentativas de implantar o socialismo, subsistiu apenas o discurso da utopia.

Nada sobrou das teses e propostas dos que pensavam saber como realizar aquela utopia.Trazê-la para o mundo real.

A dura verdade é que, embora se possa ter um discurso bonito e elegante contra a realidade atual, não é fácil ressuscitar ideias generosas de construção de uma uma realidade diferente, com justiça, segurança e prosperidade para todos. Simplesmente porque de fato ninguém sabe como é que se faz isso.Quem diz que sabe está simplesmente sendo desonesto.

A experiência de governo do PT no Brasil foi uma escandalosa demonstração  dessa dificuldade no campo prático.

Até chegar ao poder era simples criticar o que estava sendo feito ou deixado de ser feito, mostrar a crueldade, o paradoxo, a injustiça intrínseca do nosso capitalismo em construção. Até mesmo honestamente essa crítica poderia ter sido feita.

Chegando ao poder, era preciso fazer nascer o paraiso prometido e, enquanto ele não nascia, dizer aos intelectuais que deixem de criticar e passem a defender, a explicar, a justificar.

O drama do governo petista era o mesmo drama daquele amigo que estava ali à minha frente. O drama dos intelectuais e dos “intelectuais” vivendo a “crise” de que fala magistralmente Czeslaw Milosz , ao narrar o dilema dos artistas, escritores, acadêmicos, poetas do leste europeu na década de 50. Para não caírem em desgraça, tinham que continuar sendo úteis ao sistema, falando, fazendo, produzindo coisas úteis – artigos, conferências, aulas, ensaios, poemas, telas, esculturas que servissem  à sociedade, ao povo, ao Estado, à humanidade. Ou seja, ao Partido. Era, no dizer de Milosz, a passagem do realismo crítico para o realismo socialista, se é que “socialismo” jamais existiu no Leste Europeu ou em qualquer outro lugar.

Por algum tempo o PT criou desculpas palatáveis para explicar os seus problemas, na medida em que sempre podia jogar a culpa no passado, em FHC, no PSDB, e dizer que uma força imaginária que chamavam de  “eles” estava criando dificuldades à reconstrução da sociedade.

Quando o pano final encerrou a aventura irresponsável em que o Brasil mergulhou ao longo de 13 anos, descobriu-se que o PT fora capaz apenas de transformar os seus militantes em uma espécie de nova burguesia – a “nova classe” de que falou Milovan Djilas: pose de revolucionário e carros, roupas e contas bancárias dos burgueses, dos “coxinhas” que o grupo tanto combatera.

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