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O encontro com o navegador

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Woden Madruga 

Na noite do lançamento do livro de Osair Vasconcelos, Retratos fora da parede, dia 13, me encontrei na fila dos autógrafos com o navegador de longo curso Nelson Mattos Filho, que também exerce o ofício de bom prosador. Durante vários anos assinou nas páginas destas TN a coluna “Diário do Avoante”, crônicas que depois reuniu num livro com o mesmo título, publicado em 2013. Nelson estava acompanhado da esposa Lucia, também companheira nas tantas navegações que fizeram pelos mares do Brasil. 

Apesar de tantos anos escrevendo nesta velha Tribuna ancorada numa das esquinas da Ribeira, nunca nos encontramos para um papo por estas salas, corredores e escadarias. Nossa primeira conversa foi a da noite do dia 13, um se apresentando ao outro.  Fiquei, então, sabendo que Nelson deixou o comando do seu veleiro, o “Avoante”, a bordo do qual percorreu por muitos anos todo litoral brasileiro e montou com Lucia moradia na praia de Enxu Queimada, município de Pedra Grande. Mas continua escrevendo crônicas, sobre coisas que vão ocorrendo no mundo e que ele pega através de sua luneta de ótimas lentes. O escriba mantém vivo o seu blogue “Diário do Avoante”.
Terça-feira, 19, tive uma agradável surpresa: caiu na minha bacia das almas um imeio de Nelson, dizendo assim: “Caro jornalista, fomos apresentados no lançamento do livro de Osair e falei sobre as Cartas de Enxu, que tenho rabiscado no blog Diário do Avoante. Uma delas foi endereçado a você. Abraços, Nelson e Lucia. ” Outra surpresa: a carta de Nelson não é de agora. Está datada de 25 de março de 2017, já passa de um ano, quando foi ancorado em seu blogue.
Aproveito este domingo, dia de São João, para transcrever a carta (“Cartas de Enxu 12”) até porque um de seus motes é a chuva que mexe muito com a alma do nordestino:
“Enxu Queimado, 25 de março de 2017
Sabe meu caro Woden, não o conheço pessoalmente, mas admiro seu trabalho, sua resistência jornalística e leio assiduamente a ‘Coluna do WM’ nas páginas do jornal papa jerimum ‘Tribuna do Norte’, sei que isso não me credencia a sua amizade, porém, me sinto seu amigo pela via do seu filho Woden Júnior, parceiro “derna” dos bons tempos de uma Natal apaixonante e que deixou saudades em quem a viveu. Como dizia o personagem ‘Lilico, o “Homem do Bumbo”, do programa ‘A Praça é Nossa’: “Tempo bom, não volta mais: saudade… de outros tempos iguais! ”. Depois desse breve e simplória apresentação, sigo em frente no rastro da chuva que acompanho de minha cabaninha de praia.
O texto de sua coluna do dia 24 de março, depois de discorrer sobre os meandros e segredos do tempo, coisa que os meteorologistas andam mais perdidos do que cego em tiroteio você fechou o firo com a frase “O Nordeste é mesmo uma Academia”. Pois digo que é mesmo e os estudiosos do clima precisam tirar um tiquinho a atenção dos satélites e computadores para dar um passeio pelas Academias das feiras livres e bancos de praça do interior, pois é ali que se passam as verdades verdadeiras e as esperanças tomam ciência do sim ou do não. E tem mais, esse negócio de “normal” e “abaixo da média” é palavreado de arrodeio.
‘Seu Woden’, não sou do campo, gosto mesmo é das diabruras do mar, pois é nos verdes campos de Netuno e Iemanjá que a vida conta léguas para tirar a prova dos nove daqueles que dizem saber das coisas das navegações. Já vi muito valente acabrunhado diante de uns torinhos de mar, mas também já vi muitos grumetes de alma lavada, pois na lei dos oceanos o que vale mais é o reconhecimento do medo e a vontade do constante aprendizado. Porém, digo que no terreiro dessa cabaninha de praia, que vim ficar debaixo depois que desembarquei do Avoante, me arvorei a espalhar umas sementinhas pelo chão e não me canso de procurar nuvens de chuva nos quadrantes do céu. O feijão já tá boa, não bota. O milho, que plantei um dia desses, já apontou, o inhame está bonito que só vendo e as fruteiras estão faceiras e botando safra. Para quem até uns dias passados estava balançando num veleirinho no meio do mar, até que estou indo bem.
Fico vendo suas notícias de volume de chuva pelo Rio Grande do Norte afora e fico imaginando onde danado você consegue esses números tão milimétricos. Por aqui, nessa Enxu Queimado de uma peque Pedra Grande, essas informações estão mais raras do que onça brava. E por falar em onça, de vez em quando algumas davam as caras por aqui, mas depois que os parques de energia dos ventos tomaram conta da caatinga, passando o trator em tudo que é pé de jurema, os bichamos se escafederam. Jornalista, se fosse só na mata nativa do sertão estava até bom, mas o trator passou raspando tudo que é duna e daqui uns dias vamos saber apenas que existiu umas tais areias andantes que engoliam cidades.
Mas voltando a frase que fechou sua coluna do dia 24 de março, comentei com Lucia, a dona do meu ser, e como ela pergunta tudo ao pé da letra, tratou logo de interrogar: ‘Academia de que’? Respondi que era Academia de ensino e que seu artigo falava dos erros e acertos dos homens que estudam o tempo. Ela deu um gole no café e disparou:  – ‘Eles erram porque não se apegam aos ventos, se prestassem atenção no que dizem os ventos não errariam tanto’. Eu ainda quis argumentar falando nos “meninos” dos Andes, mas fiquei quieto. Em nosso tempo de vida a bordo nunca acertei uma quando o assunto era se iria chover ou não. Quando eu dizia que vinha chuva, Lucia botava a cabeça fora da gaiuta, olhava para o poente e sustentava: – ‘Vem não! ’ Aí eu dizia: Mas amor, o vento está vindo de lá e vem trazendo muitas nuvens escuras. ‘Mas não vai e pode tratar de terminar o serviço que começou ontem, viu! ’  Pronto, acabava o assunto e a chuva.
Meu caro jornalista Woden Madruga, não sei onde fica Queimada de Baixo, recantinho de terra que você tem com carinho e que acolhe uns rebanhos de bondes manhosos, mas um dia vou dar um passeio por lá. Agora, se quiser comer umas postas de bicuda gorda e uns galos do alto mimosos, apareça em Enxu Queimado que garanto que ‘Dona Lucia’ prepara um pirão de fazer pareia com o da Comadre. Minha casa é fácil de achar, basta chegar e perguntar, porém, se ninguém souber é porque você não está em Enxu.
Eita que já ia esquecendo de assuntar que o tempo hoje, 25 de março, sábado de quaresma, foi de Sol forte e poucas nuvens, porém, o chão está bem chovido. Anote em seu caderninho da chuva, viu!
Nelson Mattos Filho”
Poesia
“Quero abraçar, na fuga, o pensamento/ da brisa, das areias, dos sargaços;/ quero partir levando nos meus braços/ a paisagem que bebo no momento. // Quero que os céus me levem; meu intento/ é ganhar novas rotas; mas os traços/ do virgem mar molhando-me de abraços/ serão brancas tristezas, meu tormento. // Legando-te meus mares e rochedos, / serei tranquila. Rumarei sei medos/ de arrancar dessas praias meu carinho. // Amando-as me verás nas puras vagas. / Eu te verei nos ventos de outras plagas:/ juntos – o mar em nós será caminho. ” (De Zila Mamede, em seu poema ‘Partida’, do livro “Salinas”)
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