sábado, 20 de abril, 2024
28.1 C
Natal
sábado, 20 de abril, 2024

O escritor e o tempo

- Publicidade -
As nações e suas encruzilhadas. O homem, a civilização e o sentido da vida social. A felicidade de cada um e o bem-estar coletivo. A consciência do momento histórico e seus desdobramentos. Os retrocessos, que embargam os rumos da civilização e fazem murchar as flores da esperança. Flores, sementes, raízes e frutos que fecundam e renovam sonhos, expectativas e ideais. Tudo emerge do coração e da consciência dos homens. Será? Impõe-se uma indagação (dúvida) planetária. Não ignora nação alguma. Nesse olhar sobre o mundo e a humanidade, sem excluir crentes de todas as religiões e descrentes, configura-se, na visão persistentemente atual de François Mauriac, um “deserto de amor”. Recorro a São Paulo em Epístola aos Coríntios (1 Coríntios, 4-13): “O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba… permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor”. Entenda-se que o perdão e a tolerância são inerentes ao amor. Mas é impossível, até hoje, na vertente dos tempos, dissociar utopias da realidade, visão de futuro do “déjà vu”,  sentimentos da pura racionalidade, lucidez das ilusões e espiritualidade da vida material. Contrastes comuns e inevitáveis na vida humana. Desafios intemporais e sem fim.  
 Há governantes e líderes construtores do avanço. Fazem seu povo caminhar adiante. Sob inspiração de lideranças carismáticas, religiosas, visionárias, pacifistas, revolucionárias ou militares, segundo tipologia de Max Weber. Moisés, milênios atrás, conduziu seu povo em busca da Terra Prometida. Gandhi, no século XX,  demoliu um império vivenciando a paz e a “não-violência”. Alicerçou sua luta num testemunho universal de amor, esperança, caridade e solidariedade. Albert Einstein o chamou de “a consciência da humanidade”. Nelson Mandela assomou de cativeiro desumano, por 30 anos, para liderar a África do Sul com perdão, tolerância e paz na alma e no coração. Mas há outros que, por facciosismo, estupidez, incompetência, sectarismo, intolerância, preconceito, ressentimento, mentira e ódio, fazem mergulhar seus povos no atraso. Transformam esperança em angústia,  sonho em pesadelo e ideal em desespero. A existência humana converte-se em palco de egoísmos, insegurança, violência, medos e destruição. São artífices do retrocesso.
Nenhum povo pode perder a capacidade de sonhar. André Malraux,  combatente na Guerra Civil da Espanha, disse em “A Esperança”, espécie de romance-reportagem do conflito, que a mentira é arma letal nas mãos de governos sem compromisso ético nem valores humanos. Sabe-se que Hitler, apoiando Franco, converteu a Espanha em teatro de experimentos bélicos (não esquecer Guernica). Graciliano Ramos em “Angústia”, e Albert Camus em “A peste”, denunciaram o consequente estado de espírito de desalento, desespero e descrença. Pessimismo que esmaga a alegria de viver. Porém Par Lagerkvist (Nobel da literatura), em romances e poesias, enfrentou essas questões do século XX.
Um dos escritores mais influentes na minha geração foi Aldous Huxley. Romancista, novelista, ensaísta, dramaturgo, filósofo, biógrafo, antropólogo e sociólogo. Sua obra é uma ode à condição humana em dimensão universal. Sua preocupação essencial: a felicidade do homem. Sua angústia: a erosão da fé e dos sentimentos. Otto Maria Carpeaux, em “História da Literatura Ocidental”, disse que “seus romances são ensaios disfarçados em ficção”. Inovou a estrutura do romance com “Contraponto”. Alguns de outros romances, todos magistrais: “Admirável Mundo Novo”, “A ilha”, “Sem olhos em Gaza”, “Também o cisne morre”, “Geração perdida”, “O gênio e a deusa” e “Ronda Grotesca”. Principais ensaios: “A Eminência Parda”, “O sorriso da Gioconda”, “A Filosofia Perene”, “A situação humana” e “Visionários e precursores”.  Em “A situação humana” advertiu: “O que é a religião senão uma preocupação com o destino do indivíduo e com o destino da sociedade e da humanidade? Isto está bem colocado nos Evangelhos, quando Jesus diz que o Reino de Deus está dentro de nós, mas ao mesmo tempo devemos contribuir para que se funde o Reino de Deus na Terra”. É quase impossível ao escritor dissociar-se do espírito do seu tempo. Marcel Proust, Romain Rolland, Somerset Maugham, Graham Greene, Roger Martin du Gard, Ernest Hemingway, Garcia Márquez, Vargas Llosa, John Steinbeck, José Saramago, Octavio Paz, Albert Camus, William Faulkner, Pearl S. Buck, Nagib Mahfuz, Nadine Gordimer, entre milhares, talvez milhões, dignificaram o Homem. Nesse contexto a Academia Sueca igualou Churchill a César e a Cícero. Exaltou sua defesa dos valores humanos, sua identidade com ideais do seu tempo e modernizador do idioma inglês.       
A literatura brasileira é fertilíssima em temas universais. Machado de Assis, insuperável e inimitável, em dez romances, duzentos contos, dez peças teatrais, cinco coletâneas de poemas e sonetos, e mais de seiscentas crônicas, captou sentimentos, valores, atitudes e aspirações, ou seja, a visão de vida predominante no meio urbano do Brasil de 1854 a 1908 quando faleceu.  A obra de Jorge Amado imergiu, sobretudo, na maneira de ser daqueles que Cascudo chamava de “a gente do povo”. Revelou seus sentimentos, sonhos, tradições, valores, preconceitos, injustiças, buscas e tolerância. Temática também de Gilberto Freyre, Euclides da Cunha, José Lins do Rego, Rachel de Queiros, Guimarães Rosa, Érico Veríssimo, Viana Moog e muitos outros. Todos consagrando nossos caracteres e valores universais. Sem esquecer que o amor se estende das pequenas coisas  ao infinito. Enfim Cascudo, em “Civilização e Cultura”, sustentou que “será sempre o universal no regional” e que o homem é o mesmo em todos os tempos e culturas.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem, necessariamente, a opinião da TRIBUNA DO NORTE, sendo de responsabilidade total do autor.
- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas