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O Filho da revolução

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Michelle Ferret – Repórter

Uma simples fita cassete fez girar em rotação diferente o pensamento de Carlos Marcelo. Era 1985 e ele caminhava até o colégio por um dos bairros da estranha Brasília. Na trilha, as primeiras músicas gravadas pelo Legião Urbana. Nos olhos, a inquietação em tentar entender como aquele cara “que fora do palco, tinha aspecto frágil e voz infantil, conseguia arrastar multidões ao escrever letras que sintetizavam angústias e sentimentos de uma geração”. O menino é hoje o jornalista Carlos Marcelo, quem se debruçou durante nove anos em uma profunda pesquisa sobre a vida de um dos ídolos da música brasileira, Renato Russo. E foi além. “Quis dar um enfoque além da “turma da colina” do rock. Renato teve diversas turmas antes do rock, a história da juventude dele é muito intensa e pouco conhecida e foi exatamente por isso percebi que seria muito rico aprofundar a pesquisa dentro desse período. Brasília tinha 13 anos, ele tinha 13 anos e se mudou do Rio de Janeiro para a capital do País”, contou Carlos Marcelo ao VIVER por telefone.

Jornalista Carlos Marcelo lança biografia de Renato Russo intitulada “O Filho da Revolução”Prova disso, são os primeiros capítulos do livro, quando aparece apenas o nome Renato, representando todos os jovens daquela geração. “O livro é uma tentativa de reconstituição. O nome Renato Russo só aparece no quinto capítulo. Quis escrever sobre um jovem brasileiro influenciado por televisão, cinema e pela cultura pop, como tantos outros e que sofreram diretamente o impacto da repressão militar”.

Na época, Carlos era repórter de cultura do jornal Correio Braziliense, onde ocupa desde 2003 a função de editor-executivo.  Ao todo, foram cem entrevistas, entre amigos, anônimos, professores, colegas de faculdade com quem o Renato dividiu planos, sonhos, confessou desejos de fazer música e cinema. “Ele dizia muito que seria roqueiro até os 40 anos, depois cineasta e por fim escritor”.

O ponto de partida do livro foi a família de Renato, quando o pai (ainda vivo na época) e a mãe.  “Parti do núcleo familiar e eles  mapearam  comigo os amigos e assim fui trilhando o caminho para o livro. E ao final de todas as entrevistas eles possibilitaram o acesso ao arquivo que está guardado no Rio de Janeiro em Ipanema. Lá pude reproduzir letras inéditas inteiras, planos de adaptações para cinema e as primeiras versões de letras como “O Tempo Perdido”, que vem à tona agora no livro.

Além de conhecidos e artistas que tiveram contato direto com Renato Russo, Carlos Marcelo foi além e entrevistou figuras como Ney Matogrosso. “Ney foi um dos grandes artistas da geração anterior e é o grande ídolo do rock nos anos 60. Antes mesmo do rock de Protesto de Raul Seixas. Tem toda uma contextualização histórica no livro e é aí onde se difere de uma biografia normal”, dispara o autor.

Renato Russo e a utopia distorcida da nação

Contrapondo com a política no sentido mais amplo, não só partidário, mas da transição do poder no País, o autor utilizou além das entrevistas, uma pesquisa bruta com livros sobre a Ditadura Militar. “A obra do Renato, principalmente a dos primeiros dois discos, estão contextualizadas nesse momento político que vai tanto do ponto de vista da Ditadura até o que isso representou para Brasília. Enquanto o Brasil passava por esse momento delicado da história, a cidade só tinha 4 anos de vida. E isso era uma utopia de se fazer uma cidade arrojada num momento conturbado. Renato cresce nessa utopia distorcida, que ele se inspirou para fazer boa parte das letras, inclusive as inéditas”, disse.
#abre#Quis escrever sobre um jovem brasileiro influenciado por televisão, cinema e pela cultura pop, como tantos outros#fecha#
O livro tem esse viés devido a maneira de Carlos Marcelo observar os fatos. Ele que exercitou o poder de investigar a vida através da técnica jornalística, levou a dose do exercício para o livro e assim a biografia traz um conteúdo fundamental para entender o que foi esse período. “Acompanhei a carreira de Renato desde o início como fã. E com a formação jornalistica ficou mais fácil montar esse imenso quebra-cabeça para construir a história do Renato e do Brasil”.  Nas peças desse quebra-cabeça estão também políticos como  o que pronunciou a frase “Que País é esse?”, o ex-senador Francelino Pereira, inspirador de uma das músicas da Legião.

Como repórter e fã, Carlos sentiu muita emoção ao revisitar Renato Russo e a história brasileira. “O livro é uma forma dos jovens se verem naquelas histórias, naquela trajetória, a votação das Diretas Já, o Ai-5, todos esses momentos estão contextualizados no livro. Eles aparecem e é uma forma de contar a história brasileira a partir de um adolescente”.

E todos os documentos pesquisados comprovam isso, principalmente os localizados no arquivo nacional em Brasília, quando Carlos teve acesso às músicas censuradas pela Ditadura. “O rock nacional também foi vítima da censura e como as liberdades individuais eram tolidas, as histórias estão muito apagadas. A geração de 85 para cá não tem contato com essa realidade. Eles são filhos da democracia e esqueceram totalmente a revolução. O livro – acredito – joga uma luz nesse período, da segunda metade de Brasil, no século XX que está meio escondida”.

O fim e o início de uma vida

O livro inicia de uma maneira inusitada. Carlos começa contando do show no estádio Mané Garrincha, quando o Legião voltou para fazer a grande apresentação da carreira e foi um fiasco. “Esse foi um dos mais conturbados da história da música brasileira. Era a volta dos filhos pródigos e ouve quebra-quebra, intimidação por parte da polícia e a banda que faria um show por duas horas tocou apenas 5 minutos. Renato puniu a platéia, houve um embate entre ele e o público. E isso fez com que os fãs tivessem ódio, chegando a pixar em frente a sua casa a frase “Legião não volte mais”. Carlos lembra que nunca um show do Legião era igual ao outro e Renato se entregava de corpo e alma para o público. “Esse clima de beligerância que se estendeu neste show é quase inédito. Um grupo de fãs se revoltar, isso magoou o Renato. Tem um lado simbólico de rompimento com a própria utopia da adolescência.”

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