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O fluxo do tempo

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Ivan Maciel de Andrade
Procurador de Justiça e professor da UFRN (inativo)

Sempre tive uma espécie de obsessão pelo cotidiano e etéreo fluxo do tempo – presente,  passado, futuro. Que se acentuou com a leitura de Proust, Bergson, Heidegger, Sartre, Kierkegaard, Jorge Luis Borges. Afinal, o tempo é muitas vezes um grande amigo. Cicatriza decepções. Apaga mágoas e ressentimentos. Carrega para longe as dores – que, de outra forma, seriam insuportáveis – das vítimas de situações trágicas (que, potencialmente, somos todos nós).  E propicia a formulação de julgamentos mais lúcidos e isentos sobre os diferentes acontecimentos da vida. Por outro lado, ele nos tira familiares, amigos, pessoas a quem admiramos de forma próxima ou distante. Ele nos envelhece. E nos envelhece deixando uma sensação de vazio, uma certeza de que os anos vividos, pouco importa quantos, se passaram de maneira muito rápida, sem mal percebermos. E sem realizarmos o projeto de vida que tínhamos idealizado. Agora entendo a expressão atônita de meu pai ao comentar: “Nunca imaginei chegar à idade que tenho hoje. Quase não tive consciência do processo de envelhecimento.”

O tempo constrói e destrói. Alheio a emoções, sonhos, esperanças. Sem tomar conhecimento de nossas boas ou más expectativas. Mas temos uma tendência de antropomorfizar o tempo, ou seja, de lhe atribuir características humanas. Como se estivesse a nosso serviço ou fosse o nosso algoz.

Talvez para não termos de justificar erros, fraquezas e concessões – feitas a interesses circunstanciais e imediatistas. Interesses que tiveram a sua validade, se é que tiveram, restrita a determinados momentos, cuja lembrança, por sua insignificância, se dissipou completamente de nossa memória.  O tempo, afinal, como ensinou Kant, vive dentro de nós, como “forma pura da intuição”, pois é um “atributo do sujeito cognoscente e não do mundo”. Em contrapartida, nós habitamos o tempo, somos seres temporais, finitos, transitórios. Ainda que às vezes preservando, intacta, uma fé infinita.

Há quem ache que o passado só contém coisas inúteis ou de mau gosto. Será que vale a pena conservá-las ou sequer relembrá-las? O novo (embora o Eclesiastes advirta que não existe nada de novo sob o sol) passa a ser sinônimo de progresso e bem-estar. Uma visão ingênua ou mesmo primária, dado o seu caráter simplista. No entanto, ainda assim, fortíssima. Parte-se para justificá-la do fato de que a ciência e a tecnologia vão, com o passar do tempo, estendendo o seu domínio aos mais diferentes aspectos da vida. Esses avanços garantiriam uma vida superior, material e culturalmente.

Acredito que essa visão reducionista seja partilhada por uma significativa maioria de pessoas bem-pensantes. Há entre elas os que idolatram as novidades da tecnologia que representam símbolos de status, de poder econômico. São pessoas que vivem unicamente em função do que têm ou exibem e não do que realmente são. Diante disso, cabe lembrar que a literatura, a música, as artes plásticas, a filosofia e as próprias ciências alimentam-se de tradições que começaram com os gregos, sobretudo a partir do distante século V a.C.. Pois Sócrates, Platão e Aristóteles não esgotaram ainda a sua decisiva contribuição para o pensamento humano. São hoje cultuados nos maiores centros culturais do mundo.

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