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O formalismo enganoso

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Ivan Maciel de Andrade                                                                                                           
Advogado

É preciso reconhecer que algumas vezes são cumpridas todas as formalidades legais e ainda assim são frontalmente infringidas as determinações jurídicas previstas nas normas que estão sendo aplicadas. O desrespeito pode ser frontal mas é ardilosamente disfarçado pela observância de rituais que dão a impressão enganosa de que tudo está sendo feito de acordo com os ditames jurídicos. Esse é o perigo que nasce de situações em que os aplicadores do Direito ficam condicionados por fatores estranhos às funções que exercem. Passam então a se proteger por trás de intrincados formalismos.

Por isso é que fico com um pé-atrás quando assisto a um discurso que assegura que estão sendo observados os princípios constitucionais do devido processo legal e da imparcialidade do julgador. É certo – vê-se – que os requisitos legais foram aparentemente observados. Não há qualquer transgressão visível. Tudo é feito de acordo com os cânones processuais. Nenhuma irregularidade ou abuso que caracterize manifesta violação do Direito. Nada que justifique uma arguição de nulidade.

No entanto, pode-se ver que o processo está sendo conduzido para um fim predeterminado. Com sutileza e dissimulação. Ao ponto de não haver quem possa denunciar, mesmo afoitamente, a tendenciosidade subjacente à prática dos atos processuais. Quem assim agisse se exporia a uma imputação de crime contra a honra do julgador, com ressarcimento de perdas e danos. E quando toda essa manobra de enganação coincide com expectativas criadas pela mídia e corresponde ao desejo de parcelas substanciais da população, segundo os resultados de diversas e reiteradas pesquisas? 

O formalismo jurídico pode servir de álibi perfeito à transgressão do espírito, do conteúdo, da essência do Direito.                      Preserva-se a aparência de legalidade, com bons argumentos (que nunca faltam), e distorce-se o comando das normas jurídicas para adaptá-las aos fins (extrajurídicos) que se pretende alcançar. É tanto que se pode dizer enfaticamente: todas as normas que garantem o devido processo legal foram religiosamente respeitadas. E ninguém, em seu juízo perfeito, contestará. Mas, se olhada essa afirmação de perto e criteriosamente, vai-se verificar que ela encobre uma astuciosa tapeação.  

A verdade, como já se disse, está nos detalhes. E é neles que se descobrem as transgressões cometidas sob o manto de um formalismo enganoso. É neles que se vislumbra se foram efetivamente respeitados o contraditório e a ampla defesa e se houve – o que é mais importante – a imparcialidade do magistrado, quer ao presidir a instrução processual, quer ao proferir a sua decisão.

O Brasil todo quer – e mesmo quem não quer, mente, diz que quer – o prosseguimento dos trabalhos de investigação da Lava Jato. O Brasil todo sabe que há uma grande chance de sair desse trabalho um novo país, mais limpo moralmente e com muito maiores possibilidades de melhorar, política e economicamente. Mas sem atropelar os direitos e garantias individuais que são inerentes ao regime democrático. Mas sem embustes: os princípios do devido processo legal e da imparcialidade do julgador constituem postulados essenciais do Direito nas sociedades civilizadas de nossos tempos.  

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