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O fundador

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Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

Conversamos aqui, nas duas últimas semanas, sobre John Henry Wigmore (1863-1943), que, autor de famosas listas de “Legal Novels” (publicadas sucessivamente em 1900, 1908 e 1922, pelo menos), é considerado um dos precursores do movimento “Direito e Literatura” (“Law and Literature”).

Já hoje falaremos sobre James Boyd White (1938-), que, com a publicação de “The Legal Imagination: Studies in the Nature of Legal Thought and Expression”, em 1973, é convencionalmente considerado o fundador (ou “refundador”, para sempre homenagearmos os mais antigos, notadamente o já referido Wigmore e o grande juiz Benjamin N. Cardozo), especialmente sob o ponto de vista norte-americano, do movimento “Law and Literature”.

Para quem não sabe, James Boyd White nasceu em Boston, no estado norte-americano de Massachusetts, em 1938. Graduado primeiramente em estudos clássicos e literatura inglesa, formou-se também em direito, pela University of Harvard School of Law, em 1961. Sua formação flutua, assim, com quase igual desenvoltura, pela filosofia, a linguagem, a crítica literária e o direito. Por algum tempo, exerceu a advocacia na sua cidade natal (Boston). Mas logo direcionou-se ao magistério e à produção acadêmica, que parecem ser suas paixões. Foi professor na University of Colorado School of Law (de 1967 a 1974) e na University of Chicago Law School (1974-1983), para finalmente quedar-se, de 1983 até hoje, na University of Michigan Law School, como professor (emérito desde 2008), onde trabalha com a antiguidade clássica, as letras, a língua inglesa e, sobretudo, com o direito.

Como explicam André Karam Trindade e Roberta Magalhães Gubert (no texto “Direito e literatura: aproximações e perspectivas para se repensar o direito”, que faz parte do livro “Direito & literatura: reflexões teóricas”, publicado pela Livraria do Advogado Editora em 2008): “Com o crescente aumento dos escritos, discussões e eventos, sobretudo na década de 70, surge aquilo que ficou conhecido com o renascimento do Law and Literature Enterprise – mediante o qual se abre o universo de análise do fenômeno jurídico, na medida em que este deixa de ser descritivo, conforme exige o positivismo, e torna-se narrativo e prescritivo –, particularmente com a publicação do ensaio de James Boyd White, intitulado The Legal Imagination: Studies in the Nature of Legal Thought and Expression, em que reúne trechos de obras literárias, sentenças e decisões judiciais e leis, bem como escritos do próprio autor, através dos quais pretende demonstrar que o direito é um sistema cultural, do qual participam a imaginação e a criatividade literária, como componentes da racionalidade jurídica”.

“The Legal Imagination: Studies in the Nature of Legal Thought and Expression”, embora concebido originalmente como um manual para estudantes de direito, é um livrão de quase mil páginas. Como lembra Harriet Bearman Wolf em resenha sobre “The Legal Imagination” (publicada em 26 Santa Clara L. Rev. 519 [1986]), “o objetivo prático do livro é ensinar, especialmente aos estudantes de direito, como escrever bem. O ponto de vista do autor sobre as limitações da linguagem jurídica tradicional é enfaticamente apresentado”. Todavia, ele é também um fascinante estudo da linguagem jurídica sob um ponto de vista linguístico-literário, trabalhando tanto com o “direito como literatura” (“law as literature”, “le droit comme littérature”) como com o “direito na literatura” (“law in literature”, “le droit dans la littérature”). Segundo a mesma Harriet Bearman Wolf, “este é um livro não usual, escrito por um indivíduo que é professor de direito, professor de língua inglesa e literatura e professor de estudos clássicos na University of Michigan. O interesse de James Boyd White em múltiplas disciplinas provavelmente contribui para a seleção diversificada no livro de trabalhos de Frost, Twain, Conrad, Thoreau, Melville, Proust, Chaucer, Shakespeare, Lawrence, Donne, Dickens, Tolstoy, Mailer e outros. Essas escolhas são usadas para demonstrar como a profissão ou os interesses de uma pessoa podem influenciar sua própria linguagem, como a linguagem é manipulada e controlada pelos escritores e como advogados e juízes podem melhorar os seus usos da linguagem”. Considerado assim o pontapé inicial – “marco fundador”, se quisermos ser mais chiques” – do movimento “law and literature”, “The Legal Imagination” vem sendo reeditado, sobretudo em formato resumido (“abridged edition”), mais adequado ao mercado, e é, ainda hoje, um livro extremamente influente na temática.

Mais recentemente, após a trilha já aberta, James Boyd White publicou “Heracles’ Bow: Essays on the Rhetoric and Poetics of the Law” (1988), “Justice as Translation: An Essay in Cultural and Legal Criticism” (1990), “Acts of Hope: Creating Authority in Literature, Law, and Politics” (1994) e “From Expectation to Experience: Essays on Law and Legal Education” (2000), entre outros. Aos quais ainda podem ser acrescentados: “When Words Lose Their Meaning: Constitutions and Reconstitutions of Language, Character, and Community” (1984), “’This Book of Starres’: Learning to Read George Herbert” (1994), “The Edge of Meaning” (2003) e “Living Speech: Resisting the Empire of Force” (2006), sempre flutuando entre os saberes das letras, da linguagem e do direito.

Militando sobretudo na abordagem do “direito como literatura” (“law as literature”), James Boyd White, menos na sua obra seminal (“The Legal Imagination”) e mais aprofundadamente nas diversas publicações que se seguiram, buscou, entre outras coisas, aplicar a chamada “retórica constitutiva” (“constitutive rhetoric”) – termo por ele cunhado para denotar a capacidade da linguagem e da literatura de moldar ou mesmo recriar uma cultura e uma comunidade – ao mundo do direito. Assim, a retórica jurídica, como ato linguístico e literário, é uma atividade interativa – entre o texto, seu produtor e o leitor – e inventiva, que preserva, mas também molda, transforma e até recria as ideias, os valores jurídicos e o direito (em sentido estrito) de determinada comunidade.

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