segunda-feira, 13 de maio, 2024
29.1 C
Natal
segunda-feira, 13 de maio, 2024

O GRANDE MAR – I

- Publicidade -

Nelson Mattos Filho
[email protected]

O slogan é ufanista sim senhor, mas dificilmente encontraremos algum nativo, por mais cético que ele seja, para assinar embaixo de uma contestação: Bahia, terra mãe do Brasil! E quem sou eu para dizer o contrário.
O GRANDE MAR - I
Sempre que adentro as históricas águas do Rio Paraguaçu, me vejo diante de um cenário deslumbrante, entrecortado por alguns clarões que demonstram a sanha dos desmandos produzidos pelos caras pálidas. Queria mesmo saber se na língua tupi existe uma palavrinha para substituir a expressão besta quadrada. Se existir, deve ser um baita palavrão, pois o povo índio é bom em resumir palavras abreviando os pormenores.

O Paraguaçu – grande mar na linguagem tupi – é uma imensa estante de uma biblioteca a céu aberto, recheada de livros imaginários, mas que narram em poemas uma história fascinante.

Nesses dez anos morando a bordo do Avoante, em que a Bahia foi o meu porto mais constante – tanto que ainda não consegui atravessar sua fronteira navegável, porque ainda não conheço tudo o que desejei conhecer – naveguei umas poucas vezes as águas do velho rio e sempre fui tomado por uma professoral entidade saída dos arquivos recônditos da história, que me faz ver com tristeza os rumos maledicentes que as coisas tomaram.

Contam a boca pequena que a área de mata que cerca a rio Paraguaçu já disputou pareia com a floresta amazônica. Se a afirmação é verdade eu não sei, mas um dia alguém escreveu sobre isso e olhando em minha volta, do cockpit do Avoante, não duvido mesmo. É muita mata ainda em estado bruto!

Algumas traquinagens foram cometidas no passado e o presente nos mostra que os traquinos continuam em franca atividade. As margens do Paraguaçu ainda conservam muito da sua beleza, talvez até mais do que os defensores do progresso a todo custo desejassem que fosse, porém, por trás dos montes e longe dos olhos dos navegantes, a desfaçatez do homem paira sobre a poeira de uma devastação galopante.

Mas a mais terrível investida, e que pode determinar de vez a derrocada do velho rio, esta escancarada a vista de tudo e de todos diante da cidade ribeirinha de São Roque do Paraguaçu. Um imenso estaleiro, saído das ideias monstruosas dos “bem intencionados”, lança impropérios em direção aos curiosos. A coisa está adormecida e ameaçadora, mas até recentemente estava sendo construída em toque de caixa e, num piscar de olhos, todos saíram de fininho sem ao menos fechar a porta. Se ainda existisse os tupinambás para cobrar a conta o enredo seria diferente. Cara pálida, cara pálida, conte essa historinha ai que eu quero ver!

Alguém há de perguntar: – E o progresso não conta? Conta e conta muito, pois se não fosse ele não estaríamos aqui e nem eu estaria escrevendo minhas teorias conspiratórias nesse diário sem rotina. Vamos em frente!

Eita que hoje estou insistente em sair do rumo da minha prosa, mas não tem como passar adiante sem ver o que está em minha volta. Mas não pense que estou aqui a maldizer o Paraguaçu, porque isso são apenas algumas visões saudosistas que me acometem de vez em quando e me socorro nas páginas desse diário para registrar a lembrança.

Pronto, acho que agora posso continuar contando o que vi e vivi em mais uma navegada pelas águas caudalosas do grande mar, esse fantástico gigante que conta magistralmente à história de um povo.

Claro que o relato será pautado por minhas emoções saudosistas e amadoramente simplistas, mas serão moldados pelo coração e o que vem do fundo do coração não pode e não deve ser abafado.

Queria eu ter a alegria de cruzar com a canoa de algum índio tupinambá e receber dele um aceno de paz, mas infelizmente cheguei tarde para isso. Pode ser que entrando na mata, que margeia o rio, ainda consiga encontrar vestígios do cheiro de índio, ou sentir a força que emana da alma daquele povo livre que um dia habitou essas paragens. Pode ser que o chamasse para um bate papo a bordo ou me convidasse para visitar sua aldeia. Pode ser um montão de coisas, mas tudo é utopia de um sonhador inveterado.

A terra mãe do Brasil um dia abandonou seus mais legítimos filhos ao deus dará e deles sobrou apenas à essência de um conto que a cada dia se perde entre os corredores marginais da história. Alguns caras pálidas se apropriaram dos cocares e hoje desfilam faceiros tirando onda de velhos caciques. Eita nós!

Uma suave brisa de vento fez o Avoante se adiantar e numa curva do rio, despontou uma imponente igrejinha branca. É para lá que eu vou!

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas