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O grande mar II

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Nelson Mattos Filho
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A igrejinha está lá, imperiosa e debruçada sobre as margens do rio como um marco de imponência. A primeira construção, obra dos jesuítas, data de 1555 e por ai se vão 460 anos.  Devido a sua importância recebeu em 1608, sanção canônica de Matriz. Se o resultado da obra nos dias de hoje é de deslumbramento, fico imaginando como terá sido a reação dos índios e fieis quando se deparam com aquele monumento sagrado em meio à paisagem cercada de mata e água. Claro que, pela ousadia do desbravamento e costumes da época, ao barro foram acrescidos muito sangue e suor, mas dizem que para tudo tem o outro lado da moeda. Mas não é o homem um eterno senhor da razão quando quer justificar crueldades?

A igreja foi construída nas terras de Antônio Lopes Ulhoa, senhor do engenho São Domingos e Cavalheiro da Ordem de São Tiago de Compostela, e por trás dela foi se formando um pequeno povoado que chegou a ter grande importância para a economia baiana. Em 1783, com a expulsão dos jesuítas do Brasil, por ordem do Marques de Pombal, a igrejinha foi arruinada para ser reerguida logo depois, mas a vida no povoado seguiu em frente.

Entre o abandono da primeira igrejinha e o surgimento da segunda, o povoado foi perdendo sua força e hoje não passa de um pequeno distrito do município de Cachoeira, com pouco mais de 3 mil habitantes, que sobrevivem principalmente da pesca artesanal e das aposentadorias do INSS.

O comércio e pequeno, talvez possa dizer que seja mínimo, onde podemos encontrar o básico. Um posto de saúde, escola pública, correio, delegacia, uma praça e um povo acolhedor e atencioso com o visitante. As ruas e vielas seguem um desenho muito parecido com a velha Itaparica, onde todas terminam na praça. Esse é o cenário dos dias atuais e que não deve fugir muito do que era vislumbrado há mais de 400. Mas sinceramente, achei fantástico.

Nos tempos áureos, ou de políticas governamentais comprometidas com o bem de tudo e de todos, existia um pequeno navio de passageiros que fazia a linha passando por lá, depois de navegar outras cidades do Recôncavo, e retornava a capital num vai e vem gostoso. Os tempos eram outros, a vida mais simples e acho até que o povo era mais feliz.

A velha Matriz sobreviveu às agruras do tempo, porém, em 2013 recebeu a visita dos amigos do alheio que profanaram suas dependências e afanaram sete imagens do séquito de santos que compunham seu altar. Restou solitária a imagem do padroeiro São Tiago, que devido ao peso e tamanho não pôde ser levada. Era noite de festa na cidadezinha e ninguém se deu conta de uma caminhonete sorrateira estacionada numa viela escura. O crime deve ter sido encomendado e abençoado por algum filho da peste e até hoje resta o disse me disse e a saudade dolorosa das imagens dos santinhos.

A Matriz continua precisando de atenção e acho até que ela seja tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional. Pela Lei do tombamento, os prédios que merecem tal reconhecimento são aqueles de grande valor histórico, artístico e cultural. Só não entendo o porquê de a Lei ser tão conivente com o estado de ruinas, alguns vergonhosos, em que se encontram a grande maioria dos prédios tombados. Mas deixa ver.

Bem, antes de sair da linha, estava falando sobre São Tiago do Iguape, uma encantadora cidadezinha na margem do Rio Paraguaçu, onde ancorei o Avoante depois de navegar 36 milhas partindo de Salvador. Iguape na língua tupi quer dizer: Lugar existente no seio d’água. Navegar até lá representou uma das grandes alegrias que tive em todos esses anos de morador de veleiro. Ancoragem tranquila, silenciosa e deliciosamente abençoada pela beleza arquitetônica da velha Matriz, que não cansei de admirar e fotografar. Cheguei ao ponto de acordar e levantar no meio da madrugada, já que o Avoante estava ancorado em frente, para retratar a sombra da igreja refletida no espelho da água.

Sinceramente não consigo entender as causas que levaram importantes cidades do passado a ficarem estupidamente abandonadas à própria sorte. Os livros de história se esmeram em relatar os fatos, mas as peças não se encaixam em minha cabeça de vento. Qual o padrão que seguimos? Padrão europeu? Ou será o americano? Será ideológico? Sei lá! Fazemos tudo tão confuso que aposto um doce como ninguém sabe realmente responder.

Vivemos sempre na fase do entre, sem aprender com os erros do passado para um dia tentar desanuviar o futuro. Dizem que somos assim mesmo e assim brincamos de ser feliz. Dizem até que somos o país do futuro. Pense num futuro distante!

Ah! O nome da Igreja? Matriz de São Tiago do Iguape. Uma lindeza que só vendo.

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