sexta-feira, 19 de abril, 2024
31.1 C
Natal
sexta-feira, 19 de abril, 2024

O grande momento da democracia

- Publicidade -

São Paulo (AE) – O empurra-empurra no plenário da Câmara era geral quando o jovem deputado mineiro Paulo Romano (PFL), gritou ao microfone: “Voto pela dignidade, por aquilo que Minas representa, é sim!” Foi nesse curto discurso, pouco depois das 16h de 29 de setembro de 1992, que acabou o governo de Fernando Collor de Mello. O “sim” de Romano, o 441º daquela tarde, completava o mínimo necessário para aprovar a abertura do processo de impeachment. Por lei, Collor se afastaria do poder por 180 dias. O vice, Itamar Franco, do PMDB, tomaria posse dois dias depois.
#ALBUM-3814#
Reconhece alguém ou se reconheceu em alguma das fotos acima? Deixe um comentário.

Aos 42 anos, Collor deixava o poder 29 meses e 17 dias depois de assumir prometendo um governo que deixaria “a esquerda indignada e a direita perplexa”. Renunciou três meses depois, em 29 de dezembro, minutos antes de começar no Senado, sob presidência do presidente do Supremo, o julgamento do pedido da Câmara, que enfim o afastou. “Foi um grande momento da nossa história, um fato raríssimo, e hoje, 20 anos passados, tem mais é que comemorar mesmo”, avalia o historiador José Murilo de Carvalho.

O episódio culminava uma sequência de momentos decisivos para a democracia no Brasil – a Anistia em 1979, as Diretas-Já em 1984, o fim do regime militar e a morte de Tancredo Neves em 1985, a Constituição em 1988. “Foi uma explosão de cidadania”, disse Romano ao Grupo Estado, hoje secretário adjunto de Agricultura de Minas. “O presidente me chamou na época, porque eu tinha declarado meu voto três semanas antes. Fiquei 50 minutos a sós com ele, e avisei que não ia mudar de posição.”

O impeachment fechou um ciclo de quatro meses iniciado quando o irmão do presidente, Pedro Collor, revelou à revista Veja como funcionava o “Esquema PC”. Chefiado por um auxiliar pessoal de Collor, Paulo Cesar Farias, esse esquema tomava recursos de empresas em troca de favores do governo e os repassava, por intermediários, para gastos pessoais e outras finalidades do presidente e de sua família. Dois dias depois, era instalada a CPI do Collor.

Em junho, o motorista Eriberto França tornou-se herói ao desmentir o presidente, em entrevista à revista Isto É, revelando que pagava, ele próprio, as contas da residência presidencial, a Casa da Dinda. O golpe final foi a divulgação de um cheque, pagamento de uma Fiat Elba para a primeira-dama, Roseana Collor. O resto eram favas contadas: a conclusão da CPI e a votação do impeachment. “Mas foi um momento difícil, sofremos pressões fortíssimas na CPI”, lembra o deputado Miro Teixeira (PDT). Na comissão atuavam também os petistas José Dirceu, hoje réu no processo do mensalão Miro lembra que “o governo batia muito na CPI, dizia que éramos porcos chafurdando na lama”.

O pedetista entende que foi decisiva a sentença do STF para que a votação do impeachment fosse aberta. “Quando circulou que o Supremo ia autorizar voto fechado, o dr. Ulysses (Guimarães) foi às ruas dizer que ‘o povo descobrirá outra rampa na Praça dos Três Poderes e vai virar’”, recorda. “Não fosse isso, acho que dificilmente conseguiríamos os dois terços necessários para derrubar o presidente.”

Collor diz o contrário. “Meu direito foi cerceado em todos os momentos. Foi uma violência, um golpe parlamentar”, afirmou ao jornalista Gilberto Carvalho, autor do recém-lançado livro A Era Collor. O ex-presidente se culpa por “não ter dado a devida atenção ao Congresso” e afirma: “Nunca fui de mediar com o Parlamento. Eu nunca fui um líder político. Fui um líder popular”.

Raízes

O impeachment é dos episódios mais marcantes da política do País, mas, avalia Murilo de Carvalho, a indignação ética não plantou raízes. “Tanto que, pouco tempo depois, foi feita uma pesquisa sobre fatos que orgulhavam os brasileiros e o episódio sequer foi lembrado.” Na Comissão de Relações Exteriores do Senado, que Collor hoje preside, um dos integrantes, o tucano Aloysio Nunes (SP)não esconde o desencanto. “Tenho a sensação de que o mundo gira e não sai do lugar. Dá suas voltas e a República continua vulnerável.” Aloysio diz ter dificuldades para entender, hoje, “aquele Collor dos anos 90”, pois o de agora parece “uma figura conscienciosa, polida, detalhista no trabalho da comissão”.

Vinte anos depois, o Brasil assiste ao julgamento de outro caso de corrupção. Desta vez, os acusados estão sendo condenados e as vísceras dos atos exibidos ao país pelos ministros da mais alta corte de Justiça em transmissão direta pela televisão.

Era uma vez, os caras pintadas…

Brasília, Câmara dos Deputados. 29 de setembro de 1992, terça-feira. Fim da tarde. Cerca de uma hora e meia após o início da sessão, o deputado Paulo Romano (PFL/MG) aproxima-se do microfone para votar. “Pela dignidade, pelo que Minas Gerais representa, voto sim!”. O plenário explode em palmas, gritos. Era o 336º voto, completando o quórum mínimo exigido. O presidente da Câmara, deputado Ibsen Pinheiro, declara “aprovada a ação contra o presidente da República”. Uma bandeira brasileira é desfraldada. O Hino Nacional começa a ser cantado. Em ruas e praças das capitais de todo o Brasil, o povo comemora.

Foi assim, há 20 anos, o desfecho da campanha pelo afastamento do presidente Fernando Collor de Mello, o primeiro mandatário do país a ser eleito pelo voto direto após a redemocratização de 1988. Entre a  a publicação pela revista Veja das denuncias apresentadas por Pedro Collor, no início de maio de 1992,  quatro meses haviam transcorridos. As denuncias foram apresentadas junto com diversos documentos que indicavam corrupção no Governo, envolvendo principalmente o ex-tesoureiro de campanha de Fernando Collor, o empresário Paulo Cesar (o PC) Farias e o secretário particular do presidente, Claudio Vieira.

E eram só as primeiras acusações. Após novas denuncias, cada vez mais graves, apontando para a existência de um esquema de enriquecimento ilícito, evasão de divisas e tráfico de influência operado por círculos próximos ao presidente, a Oordem dos Advogados do Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros, entidades estudantis e centrais sindicais iniciaram o “Movimento pela Ética na Política”. No fim de maio (29), a UNE realizou uma primeira grande manifestação contra o Governo. Em junho (1º), o Congresso instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as denúncias.

O primeiro a depôr na CPI do PC foi Pedro Collor. As investigações do Congresso mostraram que as acusações ao presidente e ao círculo  do poder no Palacio do Planalto tenham fundamentos reais. A imagem que Fernando Collor passou durante a campanha presidencial, de “jovem bon vivant”, “honesto” e “caçador-de-marajás”, desmoronou  perante a população.

Os “caras-pintadas” pedindo a renúncia do presidente Collor e punição para todos os envolvidos no esquema de corrupção apareceram, primeiro, em São Paulo. Uma passeata, no dia 11 de agosto, reuniu cerca de 10 mil pessoas em frente ao MASP, na avenida Paulista. Em Natal, no dia 22, cerca de 150 estudantes da ETFRN (hoje IFRN) se manifestaram pelo mesmo propósito em frente ao portão da escola. Três dias depois, foram cerca de 10 mil pessoas, em uma passeata entre a praça Gentil Ferreira (Alecrim) e a Catedral Metropolitana de Natal (Cidade Alta), com cartazes, faizas e camisetas pretas pedindo a aprovação do relatório da CPI pelo Congresso.

O ano também era de eleições municipais. Natal votaria pela terceira vez para a prefeitura (Wilma de Faria tinha sucedido a Garibaldi Filho no Palácio Felipe Camarão) e seis candidatos disputavam esses votos. As manifestações pelo “Fora Collor”, no entanto, foram marcadas pela diversidade política, por um forte sentimento de apartidarismo e  – graças a presença dos jovens “caras pintadas” – pela irreverência.

Em setembro, quando a OAB e a Associação Brasileira de Imprensa protocalaram (no dia 1º)  no Congresso Nacional o pedido de impeachment do presidente Collor, o movimento popular já contava com um esboço de lideranças descentralizadas. As entidades estudantis, como a UNE/DCE entre os universitários e a UMES junto aos secundaristas, e o Fórum Sindical Popular, reunindo dezenas de sindicatos e as centrais sindicais, coordenam as reuniões e acertos para as manifestações de ruas em Natal. Esperava-se que a oportunidade de protestar durante o desfile civico-militar no Dia da Independência fosse um marco na escalada destas manifestações. O comando militar local assegurou que “não tinha instruções para reprimir”, mas Natal não teve as manifestações registradas em outras capitais.

Nas duas primeiras semanas de setembro, enquanto o Congresso discutia o relatório da CPI do PC e como o plenário votaria o pedido de impeachment, as manifestações do “Fora Collor” em Natal ocorriam de formas pontuais, durante atos de protestos com origens em reivindicações salariais de algumas categorias ou mesmo atos oficiais de lançamentos de programas e inaugurações. Nod ai 17, o procurador geral da República, Arsitides Junqueira, decidiu denunciar o presidente Collor por “crimes comuns”. No dia seguinte, milhares de manifestantes ocuparam, em Natal, o calçadão do Grande Ponto, na rua João Pessoa, realizando a segunda maior manifestação de rua contra o governo. 

A Câmara marcou a votação do pedido de impeachment – se aprovado, o Senado abriria o processo para afastar o presidente Collor do cargo – para o dia 29. Uma terça-feira em que as entidades estudantis decretaram a suspensão das aulas, sindicatos fecharam bancos, repartições públicas e reduziram o atendimento em hospitais e serviços de emergência ao essencial. No Grande Ponto, a  manifestação começou por volta das 15h. A votação foi acompanhada por cerca de 12 mil pessoas, em frente a dois televisores instalados sobre um palanque improvisado.

Entre os integrantes da bancada federal potiguar, dias antes, as declarações de votos eram as seguintes: a favor do impeachement votavam os deputados Aluízio Alves, Henrique Eduardo, Laíre Rosado, Flavio Rocha, João Faustino e Ney Loeps; apontados como indecisos, estavam os deputados Iberê Ferreira de Sousa e Fernando Freire.

No fim, votaram todos a favor. O placar eletrônico da Câmara dos Deputados, há 20 anos, marcou 441 votos pelos impeachement (105 a mais do que os 336 necessários), 38 contra, uma abstenção e 32 faltosos. O presidente Collor renunciou três meses depois, em 29 de dezembro de 1992, horas antes de ser condenado pelo Senado por crime de responsabilidade, perdendo os direitos políticos por oito anos.

O movimento dos “caras-pintadas”, cumprida a tarefa a que se propunha, se dissolveu, Os jovens que gritavam nas ruas  se dispersaram. Alguns ficaram na política, a maioria tomou caminhos diferentes, pessoais… e envelheceu.

Eu fui cara pintada

Cledivânia Pereira – Jornalista e editora na TN

Em um país onde o interesse dos mais jovens muitas vezes está focado na roupa da moda, festa da semana ou último capítulo de uma novela, guardo as boas lembranças dos meses de agosto e setembro de 1992 quando o principal assunto dos jovens do Brasil eram as denuncias contra o então presidente Fernando Collor. Participei das mobilizações que ocorreram em Natal naquela época. Sim, fui um “cara-pintada”.
Cledivânia Pereira, aos 19 anos, pintou a cara e, sem autorização da avó, foi para as ruas protestar
Com 19 anos, estudava na Escola Técnica Federal – o centro das mobilizações ocorridas em Natal, na época. No início dos anos 90 três grupos bem distintos de estudantes circulavam pela ETFRN: os de esquerda (geralmente ligados ao PT – que  na época ainda era um pequeno partido bem de esquerda – ou ao PC do B); os denominados de pelegos pelos de esquerda (que tentavam espaço no movimento estudantil representando o ‘sistema’) -, e a “massa” – a maioria que não tinha muito interesse em movimentos estudantis.

Embora distintos, os grupos tinham muitas semelhanças, entre essas, o gosto musical. Sem medo de errar: praticamente todos ouviam Legião Urbana. O LP do momento naquele ano era o V, que – inclusive, trazia letras refletindo a insatisfação do país com o então presidente. As letras da banda eram os nosso hinos, e foram entoadas nas passeatas.

De “cara pintada”, lembro que fui a duas grandes manifestações de rua: uma em resposta ao pronunciamento do então presidente Collor pedindo apoio e convocando a população para sair às ruas vestidos de verde e amarelo – nós, jovens, saímos de preto –; outra, a mobilização que antecedeu a votação do impeachment no Congresso Nacional.

Essas manifestações não possuíam um comando político-partidário. Talvez, por isso mesmo, tantos e tão diferentes se uniram. E fomos às ruas. Sem a facilidade de comunicação existente hoje, com  a internet, formávamos os grupos de mobilização nas conversas na hora do intervalo entre uma aula e outra, combinávamos a participação e   conseguíamos a divulgação boca-a-boca dos encontros.

De todos os cantos chegavam à ETFRN grupos de estudantes, de trabalhadores, de sindicatos… Uns com bandeiras, outros com megafones, com faixas na cabeça… Uns traziam potes com tintas guache que usávamos para pintar as mensagens no nosso cartaz principal – a nossa cara… literalmente, a nossa mensagem estava na cara.

Na verdade, estávamos dando voz ao sentimento da sociedade e por isso tínhamos o apoio nas ruas. Não me recordo de problemas com motoristas por estarmos fechando o trânsito, muito pelo contrário… o movimento era aplaudido. Os moradores dos apartamentos acenavam para a passeata e estendiam tecidos pretos nas janelas.

Fui às ruas escondida de minha avó, com quem morava. Mas quis saber dela o que achava das passeatas e do resultado dessas (o impeachment de Collor). E ela me respondeu, de forma simples:

Foi bom, minha filha.

E eu questionei: Por que, vovó?

Porque, se tivesse idade, quem teria ido gritar contra ele (Collor) tinha sido eu. E além disso, todo mundo, parecia  tão alegre e corajoso!

É verdade… foi um movimento descontraído, com diversidade política e apartidário. E é bom saber que muitos dos caras-pintadas de ontem, estão por aí enfrentando a vida e um pouco das consequências políticas daqueles dias. De cara limpa!

Líderes locais estão hoje no serviço público

Entre agosto e outubro de 1992, muitos jovens tomaram as ruas de várias cidades do Brasil para exigir o impeachment do Presidente da República, Fernando Collor. São os caras-pintadas, que coloriram os rostos com as cores verde, amarelo, branco e azul anil para protestar contra a corrupção daquela época. Em Natal, além dos estudantes, representantes de movimentos sindicais, trabalhadores e partidos políticos engrossaram o coro pelo impeachment. A TRIBUNA DO NORTE conversou com três lideranças do movimento “Fora Collor” em Natal.

José Geraldo Saraiva Pinto – Diretor da CTGás

A época era vice-presidente do Sindicato dos Petroleiros e membro da Central Única dos Trabalhadores do RN. Segundo ele, o movimento começou para ir de encontro ao pedido do presidente Collor de que os jovens vestissem as cores do Brasil para apoiá-lo. Para contrariar, os jovens foram às ruas vestidos de preto.

“A partir daí começou uma série de manifestações dos estudantes a favor do impeachment. Como eles não tinha muita estrutura, os sindicatos entraram na luta. Os petroleiros tiveram uma participação muito intensa. Havia um temor da classe trabalhadora porque o então presidente havia feito uma série de ameaças, mas nós enfrentamos”, conta Geraldo, que na época estava com 30 anos de idade.

Para ele, uma das grandes mobilizações aconteceu em 29 de setembro, dia da votação do impeachment. Os caras-pintadas se concentraram na Praça Gentil Ferreira, no Alecrim, e de lá seguiram até antiga ETFRN e de lá seguiram para a avenida João Pessoa. “Eu me emociono ao falar desse dia… Não havia uma estrela, alguém que quisesse aparecer mais. Éramos todos um. Estávamos lutando para tirar não a pessoa, mas o símbolo da corrupção brasileira. E conseguimos”.

Marcelo Souza – Servidor público aposentado e blogueiro

Aos 34 anos e presidente do Sindicato dos Bancários do RN, a Marcelo Souza participou do Movimento caras-pintadas para honrar a categoria tão prejudicada pelo presidente Collor. Aqui no RN, o líder do Brasil determinou o fechamento do Bandern provocando a demissão de 2.500 funcionários. O mesmo aconteceu com os bancos do Piauí e da Paraíba.

“Não tenho dúvida que o movimento caras-pintadas deixou uma herança boa para o país e para o RN. Se tivéssemos ficados apáticos nada teria acontecido. O impedimento foi necessário para melhorar um pouco a política do país. Temos mais democracia, temos mais políticos desonestos sendo condenados, se não pela Justiça,  pela população que hoje sabe mais. E sabendo mais, cobra mais”, diz Marcelo Souza que atualmente mora em Brasília.

Para ele um dos momentos mais relevantes do movimento foi o dia da votação do impeachment. Os estudantes trabalhadores  fizeram uma vigília.

“Era o ápice  de uma luta. O povo estava nas ruas esperando um desfecho e pressionando o Congresso Nacional. Sem contar que foi o movimento que tirou um presidente que, comprovadamente, realizou atitudes inadequadas contra o seu povo”.

Glácio Menezes – Servidor Público

Aos 21 anos decidiu que daria sua contribuição para tentar acabar com a corrupção, o que chama de herança maldita. Presidente da UMES ajudou a organizar os estudantes potiguares, que diferente dos do resto do Brasil, preferiam ficar de cara limpa.

“Nós aqui no RN mostramos que de cara limpa também se luta. Tentamos difundir a ideia de que não era preciso pintar o rosto, fomos às ruas mostrar a cara e a indignação”, conta Gláucio Menezes.

A juventude Potiguar foi além, cobrava não só a saída de Collor, mas também eleições gerais, pois entendiam que, além do presidente, o Congresso Nacional – Câmara dos Deputados e Senado –  também sofriam com a corrupção.

Para gláucio, todos os atos realizados  foram memoráveis, principalmente porque conseguiu unir várias categorias de trabalhadores, estudantes secundaristas, universitários, partidos políticos e até a Igreja.

“Acho que a gente mostrou a população que é possível, basta se organizar. E o reflexo disso são os recentes movimentos – Fora Micarla e Revolta do Busão – que levaram nossos estudantes às ruas para contrapor os desmandos políticos. Esse é o nosso grande legado”, diz Gláucio.

Entrevista
José Antonio Spinelli – Prof. Titular de Teorias Sociológicas/UFRN

“Os caras pintadas não motivaram um movimento social no Brasil”

O impeachment e o movimento dos caras-pintadas são citados, na maior parte das vezes, como a prova de amadurecimento da democracia política no Brasil, apenas 4 anos após a nova constituição. O senhor concorda com essa avaliação?

Foi um teste de força para a democracia que mal acabara de renascer após um longo período de autoritarismo. Nunca é demais relembrar que foi a chamada “classe” estudantil que deu início ao processo, nas ruas, num movimento pacífico que ganhou a adesão de segmentos majoritários da população. Isso costuma ocorrer em conjunturas muito específicas e excepcionais. Tampouco é demais relembrar que a adesão das elites políticas e das mídias se deu sob o impulso desse movimento de massas. O fato de o então presidente não contar com uma estrutura partidária forte (seu partido, o PRN, era uma legenda de ocasião) e ter adotado um estilo de governar plebiscitário, bonapartista, apelando diretamente às massas por cima das instituições, contribuiu para que se formasse no Congresso Nacional uma frente suprapartidária que construiu um consenso em torno da necessidade de afastar o presidente sem apelar para soluções de força, mas, ao contrário, apoiados na própria Constituição recém-promulgada. A atuação de lideranças muito hábeis e comprometidas com a democracia, a exemplo do Dr. Ulysses Guimarães, certamente foi um ingrediente importante desse processo que teve como principal protagonista o próprio povo.

Alguns dos líderes caras pintadas viraram políticos profissionais e hoje, pode dizer, que não se distinguem dos demais. Mas, fora isso, o movimento influenciou mudanças na realidade política brasileira?

É natural que um movimento de massas vigoroso, mesmo sem estruturação orgânica, tenha suscitado a aparição de figuras que se engajaram na politica profissional. O principal saldo do movimento foi ter demonstrado a possibilidade de mudanças pacíficas, por pressão legítima nas ruas, sem ameaças de golpes ou retrocesso autoritário. Ali, a democracia se mostrou viável para enfrentar situações críticas. Deixou também no povo um sentimento de autoconfiança.

A geração jovem, hoje, é filha dos caras pintadas. O senhor vê diferenças entre eles e aquela outra geração que saiu às ruas pedindo a renuncia do primeiro presidente eleito pelo voto direto?

O movimento dos “caras pintadas”, embora importante, não motivou a estruturação de um movimento social, esgotou-se no objetivo imediato que ele próprio se propôs, sem que isso signifique diminuir sua relevância. Cada geração enfrenta, com êxito ou não, os desafios do seu tempo, com os recursos disponíveis. As gerações jovens de hoje contam com um recurso novo e poderoso que são as redes sociais on-line, produto técnico da ciência de ponta e da imaginação social, capaz de imprimir uma inédita capacidade de replicação à ação social. Saber usá-las para criar novas sociabilidades mais cooperativas, mais solidárias, mais inclusivas e criativas é um desafio gigantesco. Saberão, as novas gerações, avançar n essa direção sem desprezar a contribuição dos mais maduros?  A resposta só pode ser encontrada na prática social.

E quais os paralelos que podem ser traçados entre os caras pintadas de 92 e os integrantes de movimentos atuais, como a revolta do busão?

O ingrediente é o mesmo: a esperança, esse valor fundamental da condição humana. A esperança é um valor-síntese que combina a expectativa por justiça social, por bem-estar, por participação, por liberdade, por democracia. Certamente os conteúdos que constituem esse valor recebem significações diferentes e conflitantes por parte dos diversos grupos e classes sociais, por parte dos movimentos sociais (o feminismo, o ecologismo, os movimentos étnicos e outros), dos partidos políticos, das religiões… Os que participam de revoltas como a do “busão” expressam a necessidade de se solidarizar com os trabalhadores, com os despossuídos e de tentar construir um mundo com mais igualdade em que os valores do mercado sejam p autados por regulação social e estatal.

Em um nível institucional, o STF tem protagonizado, com o julgamento do Mensalão, um novo divisor de águas na politica brasileira. Que efeitos se pode esperar desse episódio, se o senhor acha que eles existirão, em relação ao Fora Collor?

São fenômenos bem diferentes. O “Fora Collor” foi um movimento de massas, uma mobilização social ativa, espontânea. O julgamento do chamado “mensalão” ocorre no âmbito institucional, pautado por normas jurídico-legais. O que se pode e se deve esperar é que o STF faça um julgamento justo, respeitando os preceitos legais e as normas constitucionais e do direito universal, com rigor, mas sem excessos punitivos. E se espera também que o julgamento de outros “mensalões”, de políticos pertencentes a partidos adversários dos que estão sendo julgados, sejam também julgados e não protelados como poderia acontecer. Enfim, para os mesmos crimes, os mesmos critérios de julgamento, sem interferências de interesses eleitorais de momento e sem alteração das normas legais – que tem sido preocupação de muitos juristas e cientistas políticos.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas