Poeta da vida, cronista das ruas, amigo solidário, José Sanderson Deodato Fernandes de Negreiros desencantou na terça-feira (19) deixando como uma de suas grandes marcas o trato fino com a palavra. O talento não é por acaso. Aquele menino que estrou na literatura aos 16 anos, com o livro de poemas “Ritmo da Busca”, foi ao longo da vida um leitor voraz. Sua biblioteca, das particulares, é uma das mais vastas de Natal e deve reunir pra lá dos 20 mil títulos. Mas não foi só metido nos livros que Sanderson viveu. Jornalista – e boêmio –, ele encontrou nos mais diversos confins da capital potiguar os temas e personagens para suas crônicas de agradável leitura.
Sanderson Negreiros vivia recluso nos últimos anos, mas não deixava de
falar com amigos todos os dias. Leitor voraz, comprava livros toda
semana e sua coleção é uma das maiores de Natal
“Sanderson era representante de uma geração que tinha Luis Carlos Guimarães, Ney Leandro de Castro, Newton Navarro, Dorian Gray Caldas, que surgem no final dos anos 1940 e início dos 50, agitando culturalmente Natal, uma cidade que na época tinha pouco mais de 100 mil habitantes”, diz o jornalista Woden Madruga, amigo antigo de Sanderson.
Woden, assim como Diógenes da Cunha Lima, Alex Nascimento, Cassiano Arruda e muitos outros amigos e parentes, prestaram as últimas homenagens ao escritor, no velório realizado no Centro de Velório da avenida São José. A missa foi rezada pelo padre João Medeiros Filho, colega da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras. Sanderson morreu em casa, em Petrópolis, na manhã de terça, enquanto dormia, em decorrência de uma parada cardíaca. Ele tinha 78 anos. O sepultamento aconteceu no Cemitério de Nova Descoberta.
Rodrigo Negreiros, filho de Sanderson Negreiros
De acordo com Rodrigo Negreiros, filho único do escritor, seu pai já vinha debilitado há alguns meses – ele tinha diabetes e chegou a se internar para fazer uma bateria de exames. “Papai passava a maior parte do tempo em casa. Lia bastante. À tarde ficava na biblioteca, às vezes gostava de observar o mar que dava para ver pela janela da sala”, comenta o filho.
Repercussão
Nas redes sociais, amigos lamentaram a morte do escritor, assim como a Secretaria Municipal de Cultura/Funcarte e a Fundação José Augusto (FJA). Da Funcarte, o diretor e também poeta Dácio Galvão lembrou do lado vanguardista de Sanderson. “Foi inovador quando reconheceu, nos anos 60, o movimento da Poesia Concreta. Depois ingressaria no movimento Poema Processo, liderado por Moacy Cirne, fazendo experimentações com explosivos em cima da poesia processo. Era uma amizade, mesmo a distância, calorosa e fraterna como era a característica dele ”, diz Dácio.
Diretor adjunto da FJA, Iaperi Araújo cita as contribuições de Sanderson quando este esteve a frente da instituição, nos anos 1970. “Criou o Circo da Cultura, levando cantadores de viola, mamulengueiros e o teatro de rua para diversas cidades do interior. Foi na gestão dele também que a FJA fez seus primeiros tombamentos de Patrimônio Histórico”, conta Iaperi.
Amigos e familiares participaram de missa celebrada pelo também colega padre João Medeiros
Jornalista
Articulista da TRIBUNA DO NORTE, onde manteve por décadas a coluna “Quadrantes”, Sanderson começou na imprensa potiguar a partir de convite de Woden Madruga, no Diário de Natal, ainda nos anos 50. Depois veio para TNe na sequência passou uma temporada no Rio de Janeiro, onde foi repórter e redator na revista Manchete e Visão.
Colega de profissão na Tribuna do Norte, o jornalista Cassiano Arruda lembra bem atuação de Sanderson na imprensa. “Sanderson foi uma das grandes revelações de sua época. Na Tribuna, pegou o processo de modernização dos jornais. Foi responsável por pegar os textos dos repórteres e melhorá-los, junto com Luís Carlos Guimarães e Berilo Wanderley”, recorda Cassiano, que começou sua longeva coluna Roda Viva justamente quando Sanderson se afastou do jornal para trabalhar na TV-U.
Poeta
Sanderson estreou na literatura de forma precoce e repercutindo bastante. Seus três primeiros livros foram de poesia: “O Rtimo da Busca”, “Fábula Fábula” e “Lances Exatos”. Quando a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras (ANRL) amplia suas cadeiras de 30 para 40, nos anos 1960, Sanderson é convidado para ocupar a 40ª cadeira, se tornando o escritor mais novo a entrar na instituição. Tendo Afonso Bezerra como patrono, a cadeira foi a última da Academia a ter seu fundador original como ocupante. Com o falecimento de Sanderson, ela verá seu primeiro sucessor.
O Presidente da Academia Norte-rio-grandense de Letras, Diógenes da
Cunha Lima, esteve presente na despedida de uma das pessoas intelectuais
mais importantes do RN
“Era um intelectual de primeira linha. Representou a ANRL com brilho. Recebeu Gilberto Freire quando ele visitou a cidade. Nos últimos anos ele não estava participando muito, mas colaborava com textos para a revista da Academia”, comenta o amigo Diógenes da Cunha Lima, presidente da ANRL. Os dois estudaram juntos no Atheneu. “Usando as palavras dele, Sanderson era uma grande figura humana. Vi ele defender no braço um colega de escola que estava sendo vaiado. Ele era esse tipo de pessoa”.
Leitor voraz
Sanderson comprava livros praticamente toda semana. Sua biblioteca é uma das maiores de Natal. Não cabendo somente no apartamento em Petrópolis, o escritor precisou locar algumas salas em Lagoa Seca só para armazenar parte do acervo. Para Woden Madruga, Sanderson foi o maior leitor que ele já viu. “Lia de tudo. Acompanhava a produção potiguar, dando uma olhada nos jornais impressos todo dia. Falei com ele na última sexta, disse que estava lendo a biografia de Jô Soares. Seu acervo de livros é enorme”, diz o jornalista.
Muitos dos amigos de Sanderson acreditam que com a morte da mulher Ângela Negreiros, há cerca de cinco anos, ele ficou mais abatido. É o que pensa, por exemplo, o escritor Alex Nascimento. “Ele era muito boêmio. Tomei vários porres com Sanderson, depois foi se resguardando. Com a morte de Ângela, acho que ele se sentiu um pouco sozinho, saia menos de casa”, diz Alex, que conversava com frequência com Sanderson. “A gente gente combinava um jantar tinha uns dois anos. Nunca dava certo. Ele brincava com essa história. Marcava pro dia seguinte e inventava sempre uma desculpa nova para justificar a ausência”, lembra com humor o amigo.