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O inovador da Galícia

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Carlos Alberto Araújo
chefe do Serviço de Cirurgia Torácica do Huol

Desde a incorporação dos avanços tecnológicos ao mundo cirúrgico, retratados pelas microcâmaras, suturas mecânicas, telas de vídeo de alta definição e mudanças no desenho de instrumentos cirúrgicos, que a cirurgia tem trilhado um caminho na direção da atenuação do trauma cirúrgico. Trauma esse historicamente inerentemente e, até então, inevitavelmente ligado ao ato cirúrgico. A dor pós-operatória constituía seu representante maior.

Através da vídeo-assistência promovida por essas micro-câmaras, de onde germinou o termo cirurgia vídeo-assistida, surgiu o conceito de cirurgia minimamente invasiva.

Situação inusitada em que o cirurgião não mais necessitava fazer grandes e dolorosas incisões para abrir as cavidades do corpo e nem tocar os órgãos que seriam tratados ou ressecados.

O olhar do cirurgião não mais focaria diretamente o campo cirúrgico. Ao invés disso, microcâmaras inseridas dentro das cavidades captariam e transfeririam a realidade cirúrgica para telas de alta definição.

O que antes era visto com dificuldade e com pouca cumplicidade, agora estava

refletida e compartilhada em alta resolução. O objetivo seria a manutenção da mesma eficácia cirúrgica, mas com redução do trauma causado por esse ato.

A idéia seminal aconteceu na área da cirurgia abdominal, onde a ancestral retirada da vesícula biliar passou a ser feita sem a abertura do abdômen. Foi uma experiência devastadora na quebra de mitos e crenças fortemente arraigadas ao longo da história da cirurgia.

O sentimento, compartilhado entre cirurgião e paciente, consistia que a dor era um preço alto, inevitável e inexorável a ser pago em decorrência ao ato cirúrgico. Fosse ele um parto ou uma intervenção em qualquer órgão ou cavidade do corpo humano.

A cirurgia torácica sempre foi uma irrefutável campeã na promoção de dor intensa e duradoura. Decorrentes às características anatômicas da caixa torácica, a abertura do tórax, tecnicamente denominada de toracotomia, promove dor intensa, duradoura e irremediavelmente relacionada a inúmeras complicações pós-operatórias.

Decorrente ao entendimento detalhado dos efeitos sistêmicos desse trauma a toracotomia é hoje considerada uma doença. A cirurgia torácica vídeo-assistida, com suas característica minimamente invasivas, trilhou passou lentos por caminhos mais fáceis e quase sempre diagnósticos. Restava as ressecções pulmonares anatômicas, representadas pelas lobectomias e pneumectomias.

A notícia veio da Itália, em 1992, através de Giancarlo Roviaro, da Universidade de Milão. Sua abordagem logo foi seguida pelos Norte-Americanos, representados por Robert McKenna, da Universidade de Los Angeles.

Na sua abordagem Dr. McKenna realiza quatro pequenas incisões para fazer as lobectomias e pneumectomias. Consequente aos expressivos números de casos, logo a experiência de Los Angeles chamou a atenção de todos.

O espírito inovador e a inquietude da mente de um extraordinário cirurgião fez o progresso continuar. Da afamada Universidade de Duke, através de Dr. Thomas D’Amico, veio a abordagem utilizando apenas duas incisões. Refletida em ganhos ainda mais crescentes aos pacientes.

Por vários anos, esses dois grandes centros, chefiados por dois ícones da cirurgia vídeoassistida, constituíram a fonte do saber, onde cirurgiões de todo o mundo iam saciar seus anseios do aprendizado pela nova e revolucionária técnica cirúrgica. Parecia que a inquietude científica e a capacidade inovadora tinham ficado em estado letárgico.

Até que, um prévio observador de McKenna e D’Amico, passa a mostrar ao mundo científico da cirurgia torácica que para uma mente inquieta e criativa não há limites. Seu raciocínio foi linear e prático, muito característicos dos cirurgiões. Se a experiência inicial de quatro incisões, de McKenna, evoluiu para duas incisões de D’Amico, então havia possibilidade de tudo ser feito com apenas uma incisão.

Surgia assim a cirurgia por portal único, ou, na literatura Inglesa, Single Port. O mundo passa a conhecer o jovem cirurgião Galego, formado em Santiago de Compostela, e cirurgião atuante em La Coruña, Espanha. Diego Gonzalez Rivas passa a surpreender o mundo cirúrgico mostrando que virtualmente todos os procedimentos cirúrgicos realizados pela antiga toracotomia, ou pelas duas correntes técnicas de cirurgia vídeo-assistidas, podem ser realizadas por apenas uma incisão. Suas apresentações surpreendem pela incomparável destreza e pelo embasamento científico da física ótica. Nesse última, explica as vantagens do posicionamento paralelo da câmara com os instrumentais cirúrgicos.

Em abril de 2013, tive a honra de presidir a palestra de Dr. Diego Gonzalez Rivas durante o Congresso Brasileiro de Cirurgia Torácica que aconteceu em Vitória/ES. A partir de então a técnica da vídeo-cirurgia através de uma única incisão passou a fazer parte das opções de tratamento para os cirurgiões torácicos brasileiros. Apesar da dúvida, quase unanime, de que ela estaria ao alcance de todos, tamanha a destreza cirúrgica demostrada naqueles vídeos.

Foi ai que a capacidade inovadora e de quebrar mitos, associou-se a um profundo espírito de compartilhar conhecimento e divulgar a nova técnica. Recebi então de Dr. Diego um convite para visitar seu serviço na Universidade de La Coruña. Durante os primeiros quinze dias de dezembro, testemunhei, compartilhei e treinei a cirurgia por portal único. Foi uma verdadeira imersão. Percebi que o método é perfeitamente reprodutível e realmente apresenta um grande benefício na visualização de todos os tempos da cirurgia vídeo-assistida. Além disso, fica um sentimento de que a menor agressão, apenas uma incisão, provoca menor agressão e consequentemente menor dor pós-operatória.

O sentimento é de está sendo uma testemunha viva e atuante de uma mudança importante nos caminhos da cirurgia torácica moderna, em que a eficácia pode ser preservada sem as conseqüências nefastas do trauma cirúrgico.

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