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O legado do bispo do Araguaia

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Michèlle Canes
Agência Brasil/EBC

São Félix do Araguaia – O trabalho desenvolvido por dom Pedro Casaldáliga na região de São Félix do Araguaia (MT), onde chegou em 1968, teve impacto em diferentes áreas, entre elas a educação. De cunho crítico, a formação incentivada pelo bispo emérito no início da década de 1970 foi fundamental para a resistência e permanência das famílias de camponeses e indígenas na região, em contraposição aos latifundiários que começavam a ocupar as terras. Secretário da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Antônio Canuto foi colega de trabalho do bispo e conta que, nos anos 70, as escolas locais formavam alunos apenas até o antigo quarto ano primário. Para mudar essa realidade, dom Pedro procurou o auxílio de um grupo de jovens que tinham saído recentemente do seminário. “Em 1970, foram quatro pessoas [para São Félix do Araguaia]. Em 1971 foi mais um grupo, em 72, outro. Eu fui definitivamente para o Araguaia em 1972.”
Dom Pedro Casaldáliga participa da pré-estreia do filme ‘Descalço sobre a Terra Vermelha’, uma produção TV Brasil e Tvs da Espanha
De acordo com a professora aposentada Maria de Lourdes Marinho, a educação proposta por dom Pedro fazia com que as pessoas refletissem sobre sua condição. “Fazia as pessoas compreenderem, tipo a educação do Paulo Freire, que não dava o peixe, ensinava a pescar. Era uma educação voltada para os problemas sociais, para as pessoas acordarem, não ficarem sendo dominadas pelos grandes”, destaca.

O secretário da CPT conta que o bispo montou equipes que faziam trabalhos não apenas na cidade, mas também em outros locais da região. A formação de professores também era prioridade. “Eles formavam professor no segundo grau [atual ensino médio] porque os professores que existiam ali tinham até o quarto ano”, completa Canuto.

Erotildes Milhomem conta, com orgulho, que fez parte da primeira turma de professores a receber formação. “Durante o dia, a gente era professor e, à noite, estudava no ginásio para fazer o primeiro grau.” As aulas eram dadas pelos padres, freiras e leigos que foram para a região. O resultado do esforço refletiu também na vida dos alunos. “Foi muito melhor porque a gente entendia mais”, garante Erotildes.

A formação crítica de algumas camadas da população, entretanto, não agradava ao governo militar que chegou a desativar o Ginásio Estadual Araguaia (GEA). “Era uma escola padrão aqui na região. [O ginásio] Foi tido como subversivo, os professores foram todos maltratados, alguns foram algemados. Teve essa história de terror”, conta Lourdes. “Mas dom Pedro nunca deixou de falar a verdade, nunca baixou a cabeça.”

Hoje, o legado de luta de dom Pedro pela educação tem o reconhecimento de quem viveu de perto a repressão por parte dos militares. Para Maria de Lourdes, a coragem do bispo para que a educação chegasse aos povos da região e para enfrentar dificuldades é um exemplo para a população. “Ele nunca teve medo de nada. Podia estar o maior ‘auê’, que iam sequestrar, matar e ele estava na casa dele, com a porta toda aberta. Ele sempre falou que as causas valiam mais que a vida.”

Filme dirigido por catalão é premiado no exterior

Uma trajetória intensa. É assim que pessoas que convivem com o bispo emérito de São Félix do Araguaia, dom Pedro Casaldáliga, definem a vida do homem que se dedicou a lutar para que a população mais pobre e os indígenas tivessem consciência de seus direitos e lutassem por eles. 

A obra, baseada no livro que leva o mesmo nome e de autoria de Francesc Escribano, conta a história do bispo e é uma coprodução da TV Brasil com mais duas televisões públicas, a espanhola TVE e a catalã TVC. A produção será exibida no canal brasileiro em três episódios nos dias 13, 20 e 27 deste mês. O filme foi dirigido pelo cineasta catalão Oriol Ferrer.

Em 2014, a produção ganhou os prêmios de melhor ator (Eduard Fernández que interpreta dom Pedro) e melhor trilha sonora original na 27ª edição do Festival Internacional de Programas Audiovisuais (Fipa), na França. O filme também foi premiado no New York International TV & Film Awards.

Dom Pedro Casaldáliga nasceu em Balsareny, na província catalã de Barcelona, em 1928, e veio para o Brasil aos 40 anos, como missionário, para trabalhar em São Félix do Araguaia. Na região, preocupou-se com a saúde, a educação e a assistência à população. A equipe da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) visitou o bispo que, mesmo debilitado pelo mal de Parkinson, falou sobre os problemas da região na época em que chegou: uma terra sem lei, marcada pela violência e pelos conflitos entre posseiros e latifundiários.  

Na luta pelo reconhecimento dos direitos indígenas, ajudou a fundar o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na década de 70. Egydio Schwade, que também foi um dos fundadores da instituição, é hoje coordenador do Comitê da Memória, Verdade e Justiça do Amazonas e relembra o trabalho ao lado do bispo. “Dom Pedro estava já muito engajado na questão indígena em Mato Grosso, na região do Araguaia, e eu, no noroeste do estado. A gente logo se entrosou”, conta.

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