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O legado realista de Jean Rouch

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Maria Betânia Monteiro – repórter

Se os irmãos Lumière foram considerados os criadores do cinema, o francês Jean Rouch foi quem deu à luz aos cineastas do mundo inteiro, ensinando como registrar a realidade através de um método de documentação original, desenvolvido ao longo de sua vida. O trabalho de Rouch era tão consistente e inusitado, que sua visita ao Brasil, na década de 1960, foi motivo suficiente para influenciar a obra de Glauber Rocha, Cacá Diegues e outros nomes que figuraram no chamado Cinema Novo. O método de documentação de Jean tornou-se um divisor de águas para o cinema e para a antropologia. Jean Rouch morreu em 2004 e deixou pouco mais de cem documentários, que no Brasil são praticamente inéditos. Apenas oito deles podem ser encontrados no país. E é justamente pela dificuldade de acesso aos filmes, que a Mostra Jean Rouch vem criando uma enorme expectativa nas cidades por onde passa. A mostra tem a finalidade de divulgar o trabalho do “antropólogo do cinema” a partir de uma retrospectiva de curtas e longas do documentarista francês.

“A pirâmide humana” é psicodrama experimentalDepois de ir a Belém, Salvador, Porto Alegre e João Pessoa é a vez de Natal receber nesta segunda-feira, no auditório do Sebrae, os 37 vídeos que compõe a mostra. Os temas dos filmes geralmente são polêmicos e revelam por exemplo, os rituais de circuncisão e a mitologia em países da África.

Patrocinada pelo Fundo Nacional de Cultura e realizada pela Balafon, a mostra é parceira local do Núcleo de Antropologia Visual – Naves (UFRN), Cineclube Natal e Zoon. A curadoria ficou por conta do doutor em filosofia pela Universidade de Paris I (Sorbonne) e UFRMG  Mateus Araújo Silva, que é um estudioso das cinematografias de Jean Rouch e Glauber Rocha.

Segundo Mateus, a seleção foi feita atendendo o aspecto estético e o conceitual. “Procurarei por um lado, expor as obras que representam as diversas facetas de Jean Rouch, e por outro, as obras mais bonitas. Mas muita coisa boa ficou de fora”, disse Mateus de Minas Gerais, em entrevista por telefone ao VIVER.

O curador estará em Natal nesta segunda-feira para participar da abertura do evento às 20h15, no auditório do Sebrae. Na ocasião ele vai falar sobre as interseções nas obras de Jean Rouch e Glauber Rocha. Antes da palestra, a partir das 15h serão exibidos cinco filmes, que compõe o Programa número um, chamado “Tateios iniciais e invenção de um estilo na África Negra”. Às 19h entra em cena uma sessão especial dos filmes “Tourou et Biti – les tambours d’avant” (1971) e  “Le Dama d’Ambara – enchanter La mort” (1974). Os 37 filmes foram divididos em 17 programas e terão exibição única, em três sessões: 15h, 17h e 20h. A mostra fica em cartaz no Sebrae até o sábado (26). A programação completa está no http://www.balafon.org.br/.

Rouch, o antropólogo do cinema

Segundo a doutora em antropologia, Lisabete Coradini, coordenadora do Navis, o cineasta e antropólogo francês Jean Rouch apresentou ao ocidente, um novo método de registro da realidade. Ao contrário do que era feito na Europa desde a década de 1940, quando a fotografia e o vídeo construíam uma imagem distorcida das manifestações sociais, Jean Rouch foi capaz de subverter o olhar colonialista direcionado aos grupos étnicos africanos e dar a eles a possibilidade de versar sobre suas próprias práticas.

Antes de Jean Rouch, quando um antropólogo saia para conhecer outra cultura, incluía em sua bagagem a máquina fotográfica.  Segundo Lisabete, a máquina era usada sem que antes o pesquisador questionasse sobre a sua utilização.

Desta forma, as fotos que eram feitas se transformavam em formas documentais da passagem do antropólogo por determinadas comunidades. “Os pesquisadores se valiam desses registros como prova de terem conhecido um ‘povo estranho’. Tratavam-se apenas de documentos ilustrativos”, disse a antropóloga.

Diferente deles, Jean Rouch se relacionava com o sujeito de sua pesquisa e através dos filmes, promovia um diálogo. De posse de informações científicas no campo da antropologia, já que era doutor no assunto, ele ia às comunidades e chegando lá ouvia o que os próprios habitantes falavam a respeito de sua cultura.

A partir deste relato, ele construía os seus documentários e depois de prontos exibia para o grupo pesquisado. Nesta hora era promovido um debate, que poderia inclusive interferir na finalização do filme.

Lisabete relata que Jean Rouch certa vez filmou a caçada a um hipopótamo e na edição, acrescentou uma trilha sonora. Quando o pesquisador exibiu o filme aos personagens reais da caçada, eles lembraram a Rouch que aquela música não caberia ali, já que uma caçada precisa ser silenciosa. Lisabete cita uma frase de Rouch, que define bem o seu trabalho: “eu faço os filmes primeiro para os africanos, segundo para os meus amigos e terceiro para a academia”. A partir dos filmes de Rouch, foi construído um novo método de trabalho, galgado na criação, divulgação e negociação.

Bate-papo

Mateus Araújo » curador da Mostra Jean Rouch

Morando na França há vários anos, Mateus Araújo está no Brasil para realização da Mostra Jean Rouch. Ele falou ao Viver sobre a importância do evento no Brasil.

No Brasil já foram exibidos filmes de Jean Rouch?

Nesta amplitude, nunca. Trata-se de uma chance rara.

Quem perder esta mostra vai demorar a ter acesso aos filmes de Rouch.

Quer dizer que depois da mostra, não há a possibilidade de rever estes filmes?

A maioria dos filmes nunca foi projetada no Brasil. Aqui encontramos cerca de oito filmes e ainda sim, são de difícil acesso.

Por que é importante prestigiar a exibição?

É importante por se tratar da obra do cineasta etnográfico mais importante da história.

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